A Sicília passou da quantidade à qualidade.
por Aguinaldo Záckia Albert
Precisamos voltar ao século VIII a.C. se quisermos falar das origens do vinho na Sicília. Foi nessa época que os primeiros colonos gregos se instalaram em sua costa, trazendo suas vinhas. Junto a outras espécies nativas de vitis, essas videiras floresceram de forma exuberante na ilha, graças às condições microclimáticas extremamente favoráveis, e começaram a produzir o vinho na região.
Da Antiguidade clássica até nossos dias, essa parte da Itália foi um verdadeiro caldeirão de culturas, invadida por fenícios, gregos, cartagineses, vândalos, árabes, normandos e espanhóis, que deixaram sua marca nos monumentos e na cultura siciliana. Durante todo este tempo, a presença dos fermentados sempre foi marcante e atingiu seu ápice no século XVIII, quando os ingleses criaram o vinho Marsala.
No último século, os produtos sicilianos foram eclipsados pela indiscutível supremacia qualitativa dos italianos das regiões centrais e do norte. Os toscanos, piemonteses, e mesmo vênetos, tornaram-se a grande referência dos vinhos de qualidade do País, restando à Sicilia (e também a outras regiões do sul da "bota") a produção em larga escala de fermentados de parcos atributos qualitativos.
Qualidade
No entanto, quem visita a ilha hoje, ou mesmo degusta seus melhores vinhos, perceberá que muita coisa mudou ultimamente. Apreciar produtos com a qualidade de um Faro Palari, de um Planeta Chardonnay ou de um Don Antonio di Morgante seria impensável até poucos anos atrás. E o mercado mundial percebeu isso. Hoje, estes e outros fermentados disputam de igual para igual os cobiçados "bicchieri" do Gambero Rosso com Barolos, Chiantis clássicos e Supertoscanos.
A revolução qualitativa finalmente chegou com a modernização das vinícolas, o novo espírito empresarial e a vinda de investidores de outras regiões. O simples fato de as mais prestigiosas empresas da Itália continental - como os grupos Marzotto Santa Margherita, Grupo Italiano Vini, Zonin - investirem maciçamente na região, é um claro sinal de seu potencial. O sensível aumento da qualidade não impediu que a ilha continuasse a produzir de forma prodigiosa. Tanto que aSicília divide com a Puglia a posição de primeira região produtora da Itália. São cerca de 7,1 milhões de hectolitros por ano, um verdadeiro oceano de vinho - lembrando que, há apenas seis anos, a produção superava os 10 milhões de hectolitros.
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Influência grega é marcante, Etna marca a paisagem |
Regiões e microclimas
A cordilheira dos Apeninos percorre a Itália de norte a sul e aflora também na Sicília, dominando sua parte norte. Já a região meridional é mais baixa, com colinas áridas cobertas de vegetação rasteira e é necessário utilizar a irrigação para qualquer plantio. No lado leste, em torno do vulcão Etna (ainda em atividade), o solo é, obviamente, vulcânico, e é sobre este terreno que crescem os parreirais da região.
As colinas setentrionais são mais frescas, com boa média pluviométrica, mas com insolação suficiente para o amadurecimento das uvas. O sul e o leste sofrem a influência dos ventos quentes vindos do norte da África. A região central da ilha combina altitudes consideráveis com clima fresco, ou seja, condições ótimas para o plantio, e seus solos mesclam a composição vulcânica com a argila e o calcário.
Entretanto, é no oeste que se concentra a maior parte dos vinhedos, como acontece também na Itália continental. Nesta zona, o clima é bem quente, seco, e o solo marcadamente árido, ideal para a produção de vinhos bem concentrados, como o Marsala.
De modo geral, as melhores vinhas se situam nas encostas mais frescas do lado norte e leste. No entanto, a área de vinhedos mais extensa da Sicília (e também de toda a Itália) é a da planície e das baixas colinas no extremo oeste, ao redor de Trapani. O vinho dali é muito concentrado de cor, potente e bem alcoólico. A produção é altíssima, sendo, inclusive, exportado para a França em grandes lotes para a composição do "Vin de Table", o mais simples do país, em substituição ao vinho rústico que antes chegava da Argélia.
ESTILO DOS VINHOS
Doces
Foram os fermentados doces de sobremesa que fizeram o nome da Sicília, sendo o Marsala o mais famoso. O Marsala - que é também o nome da cidade da região produtora - já teve um longo período de glória, cerca de 200 anos. Este fortificado foi uma criação do comerciante inglês John Woodhouse, que chegou à ilha em 1770 e procurou desenvolver um vinho ao estilo do Porto e do Jerez. As uvas utilizadas em sua elaboração são a Grillo, em primeiro lugar, sendo também permitidas a Catarrato, Inzolia e a Damaschino.
Encontramos também uma série de fermentados doces elaborados com a Moscato e a Malvasia. Das pequenas ilhas Eólias, ou Isole Lipari, situadas ao norte da Sicília, temos o vinho Malvasia de Lipari, de buquê muito refinado.
Bem mais ao sul, quase encostada no continente africano, há a pequena ilha de Pantelleria. Seu solo é vulcânico e seu renomado vinho - o Moscato de Pantelleria - é feito com uma das variedades da Moscato, conhecida na região como Zibibbo, que é seca antes de ser prensada. Já na grande ilha, mais dois fermentados de grande qualidade, mas com pequena produção: o Moscato di Noto e o Moscato di Siracusa, completam o quadro dos vinhos doces de sobremesa.
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Brancos e tintos
No entanto, os brancos dominam a produção siciliana e são mais plantados no lado oeste da ilha. Eles geralmente são feitos em cooperativas e vendidos a granel.
Os tintos são mais comuns no lado oriental. Mas, aos poucos, os vinhos - brancos e tintos - começam a ser comercializados em garrafas e elaborados com mais cuidado, lançandose mão da nova tecnologia vinícola que chega à região.
Uvas
As uvas brancas as mais conceituadas são a Catarrato - com a qual se elaboram vinhos encorpados e especiados - e a Inzolia (ou Ansonica) - que dá fermentados leves e aromáticos.
A Grillo é bem menos interessante, um tanto neutra, mais indicada para a feitura do Marsala.
Quanto às castas tintas, a Nero d'Avola (também chamada Calabrese), muito comum em Ragusa e Siracusa, é, sem dúvida, a mais interessante e resulta em bebidas potentes e de muito caráter, com bom potencial de envelhecimento - alguns monovarietais outros cortados com as internacionais Syrah e Merlot.
Cidades e vinhedos cresceram ao redor do Etna. |
Outra uva tinta muito interessante é a Frapatto, que dá vinhos vigorosos e frutados, para serem bebidos jovens.
Além dela, há a Nerello Capuccio e a Nerello Mascalese, muito plantada nas encostas do Etna e na província de Messina.
O plantio de variedades internacionais é mais recente e podemos hoje encontrar as principais castas francesas sendo cultivadas ( Chardonnay, Sauvignon Blanc, Syrah, Cabernet Sauvignon, Merlot etc).
Mas, o que realmente predomina e dá o toque de originalidade à vitivinicultura local são os produtos feitos com suas uvas regionais.
Os vinhos DOC compõem uma pequena parcela da produção e o número de fermentados IGT vem crescendo. É preciso considerar a existência de muitos bons produtos que não se enquadraram nas regras legais, levando seus produtores a vendê-los como "Vini da Tavola", como de resto acontece em outras regiões italianas.
São 19 os vinhos DOC da Sicília: Alcamo, Cerasuolo di Vittoria, Contea de Sclafani, Contessa Entellina, Delia Nivolelli, Eloro, Etna, Faro, Malvasia delle Lipari, Mamertino di Millazzo, Marsala, Menfi, Monreale, Moscato di Noto, Moscato di Pantelleria (também Passito di Pantelleria), Moscato di Siracusa, Riesi, Sambuca di Sicilia, Santa Margherita di Belice e Sciacca.
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