Acordo entre os diferentes setores da indústria do vinho no Brasil põe fim ao pedido de salvaguarda e visa estimular o consumo de vinhos no país
por Christian Burgos
A máxima do título finalmente volta a ser verdade também entre os players da indústria do vinho no Brasil, como bem salientou Márcio Milan, vice-presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), ao dizer: “Estávamos em caminhos opostos e agora estamos juntos”, na coletiva de imprensa que selou o acordo que pôs fim ao pedido de salvaguarda sobre as importações brasileiras de vinho.
Foram sete meses tensos na indústria. Desde 15 de março, quando a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) divulgou circular com a abertura de investigação para a aplicação de salvaguarda – protocolada por Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), Federação das Cooperativas do Vinho (Fecovinho) e Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul (Sindivinho) no fim do ano passado –, não houve consenso entre as partes, com disputas e discursos inflamados que atingiram desde os consumidores brasileiros até os produtores estrangeiros, com muita gente indignada com a possível medida protecionista.
Porém, a discórdia cessou no dia 19 de outubro, quando Abra, Associação Brasileira de Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas (ABBA), Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), Ibravin, Uvibra, Fecovinho, Sindivinho, Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi) e Comissão Interestadual da Uva (CIU) assinaram um acordo de cooperação que reposiciona estrategicamente a visão de quem é o real concorrente da indústria vitivinícola nacional ao reconhecer, em seu artigo terceiro, que “a salutar e leal concorrência dos vinhos importados estimula e amplia a cultura do vinho fundada na imensa variedade do produto, beneficiando o consumo do vinho no Brasil”.
O acordo permitiu que, na segunda-feira, dia 22 de outubro, o chamado “Setor Vitivinícola Brasileiro” retirasse o pedido de salvaguarda pleiteado junto ao governo federal. Após meses de ânimos acirrados e embates fraticidas, o governo, na figura do MDIC, chamou as partes a chegarem a um acordo antes da apresentação da análise técnica do processo.
Mobilização
Certamente, a mobilização internacional foi importante para alertar o Estado brasileiro de que o tema do vinho receberia atenção desproporcional a seu peso econômico (havia o medo de que países afetados pela medida pudessem retaliar o Brasil em outras frentes importantes para a balança comercial), mas o crucial foi a reação pública brasileira contrária à salvaguarda. Numa sociedade marcada pela acomodação e falta de combatividade em temas de políticas governamentais, somente a defesa contra algo compreendido como danoso a uma paixão pode explicar o fervor das manifestações que foram vistas durante todo o tempo em que a discussão esteve em voga.
Diante disso, ao Setor Vitivinícola Brasileiro coube a maturidade de reconhecer que algo precisava ser feito pela indústria nacional, mas que a salvaguarda não seria a melhor solução. Como disse Francisco Torres, diretor geral da gigante Concha y Toro, há dois anos em palestra para produtores nacionais: “se o consumo do vinho no Brasil dobrasse, pararíamos de nos preocupar com a não venda de produtos para nos preocupar com o suprimento de vinhos a um forte mercado consumidor”. E isso sumariza o teor máximo do acordo firmado em 19 de outubro, estabelecendo um objetivo comum a todo o setor de crescer o consumo per capta de vinhos no Brasil dos atuais 1,9 litro/ano para 2,5 litros/ano em quatro anos. Algo bastante factível quando olhamos que países onde a cultura do vinho já está bem instalada como Argentina, que tem um consumo na faixa de 25 litros/ano per capta, e França, na faixa dos 45 litros/ano por pessoa.
Orlando Rodrigues, da ABBA, Ciro Lilla, da Abrabe, Márcio Milan, da Abras, Henrique Benedetti, da Uvibra, e Carlos Paviani, do Ibravin, firmaram o acordo que pôs fim à polêmica da salvaguarda |
Mas como chegar lá?
Algumas ideias que compõem esse caminho do aumento de consumo você leu no decorrer dos últimos anos aqui nas páginas de ADEGA. Ideias que foram tomando corpo com o tempo, como iniciativas de importadoras como Mistral, Decanter e Porto Mediterrâneo, que passaram a distribuir vinhos nacionais de produtores selecionados, por exemplo.
Outra, como uma forte campanha promocional de consumo do vinho, associando a característica única do vinho de ser “relacionado ao consumo moderado e a hábitos alimentares saudáveis”, como aponta Ciro Lilla, vice-presidente da Abrabe e proprietário da importadora Mistral. Para isso, uma das possibilidades é a formação de um fundo de investimentos oriundo da contribuição econômica de um ou dois centavos por garrafa de vinho vendida no país. Com ou sem isso, o setor acredita no investimento de R$ 40 milhões para incentivo à cultura do vinho nos próximos anos.
Com o crescimento previsto, a indústria brasileira passaria dos atuais 18 milhões de litros de vinhos finos consumidos por ano para 27 milhões em 2013, até atingir 40 milhões em 2016. Esses 27 milhões, segundo Henrique Benedetti, presidente da Uvibra, seria suficiente para equilibrar a produção e venda da indústria nacional que hoje sofre com estoques na ordem de 90 milhões de litros, dos quais 80% seriam vinhos prontos e não vendidos.
Fiel da balança
Entretanto, para atingir os objetivos previamente traçados no acordo, o mais importante foi a adesão do setor supermercadista à negociação, tanto para negociar a proposta de trégua e tomar a aliança do setor quanto, sobretudo, para ser o depositário das principais ações no sentido do crescimento de consumo, já que nos seus 88 mil pontos de venda reside a grande força para aumentar a participação e exposição de vinhos brasileiros de 15% para 25%, e, assim, efetivamente garantir o aumento do consumo do vinho produzido dentro das fronteiras brasileiras.
Ainda há muito espaço para perguntas, mas estamos assistindo apenas os primeiros passos de uma caminhada iniciada neste dia (19 de outubro) que pode se tornar um marco na história do vinho no Brasil. Segundo Carlos Paviani, presidente do Ibravin, esse grupo, formado com representantes de importadores e produtores, passa a ser a principal instância de interlocução direta da indústria com o governo.
Agora, porém, muito empenho visa permear as reuniões dos grupos de trabalho que discutirão, implementarão e acompanharão os resultados das ações para alcançar os objetivos propostos. Dúvidas sobre como garantir que as entidades efetivamente consigam mobilizar seus associados na direção correta e a não aprofundar distorções existem em quantidade, mas é inegável que talvez tenhamos ultrapassado a maior de todas as barreiras, como disse Ciro Lilla, “uma mudança de postura e cooperação entre importadores e produtores”.
Certamente, parte importante do processo de criar uma nação de consumidores com cultura de vinho passa por incentivar novos consumidores a degustar seus primeiros vinhos. O nível de paixão que sentimos nos últimos meses demonstra que uma vez que o vinho invade nosso coração, ele passa a fazer parte inseparável de nossa vida como consumidor. É hora de celebrar.
Setor de supermercados terá papel fundamental para atingir os objetivos de crescimento do consumo
SELO FISCAL FORA DO JOGO Finalmente, depois de muita discussão acalorada, as diferentes partes da indústria do vinho no Brasil sentaram para conversar e chegaram a um acordo que impediu uma medida protecionista que prejudicaria o consumidor brasileiro. Muitos foram os tópicos discutidos em torno de uma agenda positiva para o aumento de consumo no país, porém, um ponto não entrou na pauta da reunião: o selo fiscal. A medida que, assim como o pedido de salvaguarda, também causou polêmica anos atrás, ficou de lado para não gerar celeumas e impedir que um acordo fosse firmado. Para Henrique Benedetti, contudo, a questão do descaminho causa problemas não somente para os produtores nacionais, mas também para os bons importadores. Já os importadores e distribuidores preferiram deixar o tópico de lado nesse momento para, como frisaram, focar no conjunto de ações que o setor precisa para desenvolver a indústria como um todo. |
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