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  • O vinho da diarista

    "O que é bom pra mim pode ser ruim para você, e vice-versa. O que você vai dizer para uma pessoa que toma Chalise em copo de requeijão e acha que é o melhor vinho do mundo?" Carlos Ernesto Cabral de Mello

    por Fábio Farah

    Nos últimos meses, três episódios interessantes me fizeram refletir sobre o mundo do vinho. O primeiro ocorreu em um restaurante paulistano, onde meus confrades e eu harmonizávamos a cozinha italiana com rótulos do Novo e do Velho Mundo. Após girar a taça e sentir os aromas de um vinho português, Miguel exclamou: “Gostaria de provar um vinho de séculos atrás!”. “Eu não”, retrucou Roberto. Ao desarrolharmos uma garrafa, evocamos a história da época em que a bebida foi vinificada. A história do vinho remonta aos egípcios, que o consideravam sagrado. Os sacerdotes utilizavam-no em rituais, e os faraós ofereciam-no aos deuses. Em aproximadamente 2500 a.C., o líquido sagrado chegou à Grécia. Lá, ele inspirou filósofos, incitou paixões, impulsionou o mercado e, conseqüentemente, despertou o primeiro Robert Parker da história: o célebre Homero. O autor de Ilíada e Odisséia guiava os connaisseurs da época, indicando as melhores ânforas. “Delicado e suave”, era como descrevia seu estilo preferido. Imaginei um viajante do tempo entregando nas mãos de Miguel o “vinho” apreciado pelos maiores filósofos da antiguidade. A bebida seria um coquetel que, além do néctar de Dionísio, teria água do mar, ervas, especiarias, mel e resina vegetal. O gosto amargo da história faria Miguel se contorcer, e Roberto cair na gargalhada.

    Outro episódio que me fez refletir sobre a bebida ocorreu cinco semanas após a reunião gastronômica. Estava na casa de um amigo de ascendência italiana, como eu. Não é novidade nenhuma que nossos antepassados foram responsáveis por disseminar o vinho pela Europa. Eles preferiam um estilo de vinho adocicado, diferentemente dos vizinhos gregos. Para produzi-lo, faziam uma colheita tardia das uvas, ou, após uma colheita precoce, deixavam as frutas secarem ao sol para concentrar açúcar. Outra inovação na produção da bebida foi o armazenamento em barris de madeira. As taças uniam conquistadores e conquistados. Logo, o vinho tornou-se uma bebida democrática. Todos bebiam. Todos, exceto uma família que vivia em Veneza. Reza a lenda que o fundador da dinastia ficou púrpura após beber vinho tinto. Dali em diante, sua linhagem foi rebatizada de Scarlatti, e nenhum descendente ousava aproximar-se da bebida, temendo a maldição de Baco. A história era fantasiosa demais para que eu não a considerasse apócrifa. Na casa de meu amigo, levei uma garrafa para acompanhar a massa caseira preparada por ele, com tomate fresco e manjericão plantado na sacada, a poucos metros da cozinha. Na segunda taça de vinho, ele ficou púrpura. Muitas risadas. Soube a história de sua família. E, acredite, eu estava diante de um remanescente dos Scarlatti.

    O terceiro e último episódio ocorreu em uma “confraria boutique” de vinhos, composta por apenas três pessoas. Desarrolhamos um Malbec argentino. Nos últimos anos, a bebida tornou-se símbolo de glamour e sofisticação. Os rituais do vinho intimidam os neófitos. O ato de levar a taça à boca tornou-se privilégio de iniciados que, antes de prová-lo, já descreveram seus aromas e descobriram sua região de origem e safra. Parecem sacerdotes dotados de poderes sobrenaturais (leia, nessa edição, O Ritual da Degustação, de Marcelo Copello). Enquanto invocávamos os deuses egípcios, alguém nos observava. Na segunda taça, a diarista aproximou-se da mesa. “Eu sempre presto atenção no que vocês fazem. Posso participar?”, perguntou, com reverência. Ela foi “iniciada”, recebendo em suas mãos uma taça de vinho. “Credo, que ruim!”, exclamou, decepcionada. Saiu calada e voltou com uma garrafa de “São Tomé” e copos de requeijão: “Agora vocês vão ver o que é vinho bom”. Confesso: Foi uma experiência mais terrível do que teria sido a de Miguel se tivesse provado o vinho de Homero. “Gostaram? Tem mais para todos”, entusiasmouse, brindando ao galã do momento. Engana-se quem pensa que nossa tortura acabaria com aquela garrafa. “Amanhã vou trazer mais e guardar nessa ‘geladeirinha’”, disse ela, apontando para a adega da sala e marcando a próxima degustação. Não poderei estar presente. Aquele vinho me deixou scarlatti.

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