Uma lista baseada nos preços de lançamento “en primeur” e também na média do site especializado Wine-searcher
por Arnaldo Grizzo
Liber Pater é o líder da lista
Se perguntarem de supetão, quais os vinhos mais caros de Bordeaux, o que você responderia?
Provavelmente citaria alguns (ou todos) os cinco Premier Grand Cru da classificação de 1855, não? Haut-Brion, Lafite, Latour, Margaux e Mouton? Talvez um “ícone tardio” como Petrus ou Cheval Blanc, por exemplo? Quais outros poderiam estar nessa lista? E quem seria o campeão?
Vale lembrar que a classificação dos vinhos do Médoc de 1855 feita a pedido de Napoleão III levava em conta basicamente os preços dos vinhos para hierarquizá-los em cinco categorias, de Premier a Cinquième Cru. Portanto, prestígio e preço são coisas que andam de mãos dadas há muito tempo em Bordeaux.
Pois se fosse feita hoje, a “classificação” dos mais caros de Bordeaux teria algumas surpresas?
Sim! Entre elas, o número um, um vinho não tradicional, mas que vem sendo consistentemente vendido a valores exorbitantes. E se você esperava que todos os Premier Grand Cru estivessem entre os 10 primeiros, provavelmente se decepcionará também.
Vejamos então quais são os mais caros de Bordeaux atualmente – baseados em preços de lançamento “en primeur” e também na média do site especializado Wine-searcher.
Para essa lista, ADEGA focou apenas nos vinhos tintos, contudo, numa “lista ampliada” certamente precisaríamos incluir alguns brancos, a começar pela versão branca do Liber Pater, que, juntamente com a tinta, já parte de valores ao redor de US$ 4.000.
No entanto, outros três certamente também estariam na contenda pelos 10 primeiros lugares. A versão branca do Haut-Brion, por exemplo, tem alcançado preços muito superiores ao seu tinto e, mais que isso, a todos os outros Premier Grand Cru Classés. Outro fenômeno branco é o La Mission Haut-Brion, que também supera em muito a versão tinta em valor.
E, por fim, não podemos nos esquecer de Yquem, o branco doce mais famoso do planeta, com preços impressionantes.
Pois é, o primeiro da lista não faz parte da classificação de 1855 e tampouco de qualquer outra classificação das sub-regiões de Bordeaux.
O controverso enólogo Loïc Pasquet
Liber Pater é um projeto que o controverso enólogo Loïc Pasquet começou na região de Graves em 2005. Segundo ele, “os vinhos pré-filoxera eram melhores do que os pós-filoxera” e, para isso, ele plantou variedades nativas da região em pé-franco.
Mas Pasquet, foi além das cepas clássicas de Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc, cultivando castas esquecidas como Castet, Mancin, Lauzet, Camaralet, Prunelard, Tarney Coulant e Marselan, por exemplo. Ao todo, plantou 14 variedades raras, mas além disso ainda prega uma vinificação também ancestral. Seus vinhos, uma raridade, são vendidos em média por US$ 4.000 a garrafa, e são considerados os “cults dos cults”.
Petrus também é um fenômeno relativamente recente de Bordeaux.
Ele não pertence a nenhuma classificação, mas, ainda assim, está entre os vinhos mais caros e desejados da região, superando (e muito) os valores pagos por seus “concorrentes” classificados, numa faixa de cerca de US$ 3.500 por garrafa. Seu sucesso mundial começou após ser servido no casamento da rainha Elisabeth II e também quando se tornou o favorito da família Kennedy.
Vinhedo de Merlot do Petrus
A vinícola de Pomerol é da família Moueix em sociedade com Alejandro Santo Domingo, dono da cervejaria colombiana Bavaria. A propriedade tem 11,5 hectares e o vinho é o suprassumo da variedade Merlot com produção de pouco mais de 30 mil garrafas por ano. Uma raridade cobiçada por todos os enófilos do mundo.
Outro cult, curiosamente também do Pomerol, que também não faz parte de nenhuma classificação. A verdade é que se houvesse uma hierarquia dos vinhos dessa região bordalesa, Petrus e Le Pin certamente estariam no grau mais alto.
Para se ter ideia, Le Pin é muitas vezes chamado de o “Romanée-Conti de Bordeaux”, graças ao seu tamanho diminuto (menos de três hectares) e ao estilo minimalista de vinificação. L Pin é fruto da genialidade de Jacques Thienpont, que percebeu o potencial do vinhedo comprado pela sua família em 1979.
Os garagistas da Le Pin
Foi nesse lugar que ele começou o que viria a se tornar o movimento “garagista”, ou seja, vinhos feitos em quantidades diminutas, muitas vezes com técnicas pouco convencionais, em vinícolas (“de garagem”) menos conhecidas. As garrafas de Le Pin tendem a alcançar valores que giram em torno de US$ 3.500
Entre seus pares, no caso os cinco Premier Grand Cru Classé, o Château Lafite-Rothschild costuma ser o que tende a alcançar preços mais elevados consistentemente. Aliás, ele é sempre (ou quase), dentre os cinco, o que lança suas garrafas por valor de partida mais alto nas campanhas en primeur. Em 2020, por exemplo, o preço foi 475 euros, ou seja, 43 euros a mais do que Margaux, Mouton e Haut-Brion – que estipularam sua base em 432 euros (Latour deixou o sistema em 2012).
O belo Lafite-Rothschild
E os preços de Lafite continuam subindo no mercado mesmo após a campanha en primeur, chegando facilmente a US$ 1.000 mesmo em safras recentes.
Vale lembrar que o vinho já foi o preferido de personalidades como o Marechal Richelieu, o rei Luís XV e também Thomas Jefferson.
A tríade de grandes vinhos do Pomerol geralmente se completa com o Château Lafleur. Assim como seus vizinhos, aqui também o vinhedo é diminuto, com 4,5 hectares, e a produção minúscula, com aproximadamente 12 mil garrafas.
O Château Lafleur conta com uma produção de aproximadamente 12 mil garrafas
Apesar de um fenômeno recente, Lafleur tem história que remonta a 1872 e a propriedade está nas mãos de Jacques Guinaudeaux, representante da quinta geração de sua família à frente do Château. Em sua primeira visita ao local, Robert Parker chegou a comparar a vinícola a um celeiro, mas isso não o impediu de agraciar os vinhos com pontuações altíssimas.
Lafleur costuma sair com preços elevados em suas campanhas en primeur e isso não impede que os valores continuem subindo logo depois, quase sempre alcançando US$ 1.000 por garrafa mesmo em safras recentes.
Desde que Latour anunciou sua saída do sistema en primeur – em que o Château oferece uma cota de vinhos aos négociants antes mesmo de eles estarem engarrafados – houve muita especulação em torno da política de preços que esse Premier Grand Cru Classé iria adotar.
A torre que dá nome à vinícola
Foram oito anos de suspense, apenas com lançamentos de vinhos mais antigos ou então de rótulos secundários de safras mais recentes – em consonância com a afirmação de que só lançariam os vinhos no mercado quando acreditassem que estavam prontos.
No ano passado, enfim, lançaram a safra 2012 (a última en primeur havia sido 2011) e os preços, até o momento, mantiveram um pouco da lógica anterior do Château com valores similares aos dos outros quatro Premier Grand Cru. Mas, devido à sua raridade (há cada vez menos garrafas no mercado, já que o proprietário as “seguram”) ao que parece os as safras “antigas” vêm se valorizando e colocando Latour em um patamar cada vez mais alto.
Ausone deve seu nome a Decimius Magnus Ausonius, ou Ausônio, um poeta e político romano, que viveu no século IV. Pode-se dizer que este Château é um grande fenômeno de Saint-Émilion.
O Château Ausone é um dos grandes fenômenos de Saint-Émilion
Premier Grand Cru Classé A da região, ou seja, no topo da pirâmide hierárquica, Ausone quase sempre lançou seus vinhos en primeur com valores muito superiores não somente a seus “colegas” da região – como Cheval Blanc, Angelus e Pavie (mais do que o dobro muitas vezes) – como também acima da maioria de outros produtores prestigiados, incluindo os cinco Premier Grand Cru do Médoc.
Seu prestígio atual é tamanho que, juntamente com Cheval Blanc, anunciou a decisão de não “renovar” sua candidatura à classificação de Saint-Émilion que está marcada para ocorrer em 2022 (10 anos após a última revisão), abandonando assim esse modelo.
O Château “grego”, Margaux deve muito de sua fama à família Mentzelopoulos, mais especificamente a Andre, o milionário que se apaixonou pela propriedade e a comprou da família Ginestet no final dos anos 1970, quando muito da reputação do lugar andava em baixa devido a uma sequência de safras desastrosas.
O Château Margaux com seus vinhedos e sua sede ao fundo
O grego promoveu enormes mudanças, investiu alto, trouxe alguns dos melhores enólogos para trabalhar na propriedade. Seu auge provavelmente foi nas mãos do genial Paul Pontallier, falecido em 2016.
Algumas de suas últimas safras atingiram preços exorbitantes no mercado, e isso certamente fez com que Margaux aparecesse, nesse momento, um degrau acima dos dois Premier Grand Cru restantes, Mouton e Haut-Brion.
Diz-se que, se o Château Cheval Blanc tivesse se separado de Figeac antes, talvez Saint-Émilion também tivesse um vinho Premier Grand Cru Classé na classificação dos vinhos do Médoc em 1855 feita por Napoleão III. Ele seria um “intruso”, como Haut-Brion, de Graves.
Vista aérea do belo Château Cheval Blanc
Contudo, o tempo não impediu Cheval Blanc de alcançar a glória e, com ela, preços equivalentes. O Château ostenta o título de ter produzido “o melhor vinho do século XX”, que, para uma série de críticos, é o feito na monumental safra de 1947, um rótulo que se tornou um verdadeiro mito.
Com 39 hectares divididos em 45 parcelas, cada uma das cerca de 240 mil videiras do vinhedo é identificada e monitorada individualmente. Isso revela a minucia do trabalho feito e o porquê de sua fama e seus preços serem tão elevados.
Fechando a lista dos 10 tintos mais caros de Bordeaux, o Château Mouton Rothschild tende a ser um pouco mais valorizado que o “último” Premier Grand Cru Classé, o Haut-Brion.
O Château Mouton Rothschild
Vale lembrar que, até 1973, Mouton era um “Deuxième Cru” e foi alçado à condição de Premier após uma revisão da lista a pedido do obstinado barão Philippe de Rothschild. Lembramos ainda que os cinco Premier Grand Cru Classés costumam ter preços bastante similares em seus lançamentos, variando posteriormente conforme as críticas recebidas. Mas Mouton ainda acrescenta um toque de “valor agregado” a cada safra, comissionando um artista para criar um rótulo exclusivo.
Em alguns casos, isso certamente influencia no preço, mesmo quando uma safra talvez não tenha sido considerada das melhores.
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