Porto, Madeira, Bordeaux... A inusitada história dos vinhos que davam a volta ao mundo para apurar o sabor
por Redação
Grandes vinhos como Porto e Madeira, cruzavam a linha do Equador várias vezes até atingirem o que era considerado o seu ponto ideal
Na era das navegações, os tripulantes dos navios que iam em busca das “Índias” tinham poucas opções para se alimentar em alto mar. As carnes precisavam ser salgadas e as bebidas, em sua maioria, destiladas – para poder suportar o tempo das viagens sem apodrecer e, assim, sem adoecer os marinheiros.
Nessa época, os vinhos ainda não eram muito confiáveis quando se tratava de transportá-los por longas distâncias e longo tempo, cruzando o calor dos trópicos. Os fortificados, como Porto e Madeira, eram alguns dos que suportavam um pouco melhor essa jornada marítima. Ainda assim, como o vinho era uma mercadoria importante, era comercializado nas “Índias”, sejam as ocidentais (Américas), sejam orientais (a Índia, propriamente dita, e outros países asiáticos).
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Não somente os vinhos fortificados, mas também os de Bordeaux eram embarcados (em barricas) rumo ao Novo Mundo ou à Ásia. Houve vezes, porém, que alguns navios retornaram à Europa sem terem descarregado todos os barris que levavam. Assim, acidentalmente, descobriu-se que aquele vinho que voltava das Índias não se estragara, mas adquiria um sabor excepcional. Percebendo isso, os negociantes passaram a rotular esses vinhos como “Retour des Indes (Retornado das Índias)”.
Acredita-se que as primeiras bebidas desse estilo tenham sido vinhos da ilha da Madeira – largamente utilizado por mercadores ingleses nos séculos XVII e XVIII. Porém, por volta dos anos 1850, alguns Châteaux bordaleses também foram rotulados dessa forma. Um dos primeiros, acredita-se, foi o Pontet-Canet: “Naquela época, não havia garrafas de vinho como hoje e, por isso, nós o enviávamos para a Índia em barris. Certa vez, por algum motivo, um dos navios não conseguiu chegar ao seu destino e voltou para a França. Na volta provamos o vinho e percebemos que ele estava fantástico. Decidimos, então, continuar mandando os barris de propósito para a Índia para depois trazê-los de volta, chamando isso de Retour des Indes. Rotulamos o Château Pontet-Canet, por Schröder & Schÿler, como Retour des Indes. O vinho cruzava o Equador quatro vezes. Criamos esse conceito”, diz Yann Schÿler, representante da oitava geração da família de negociantes mais antiga de Bordeaux.
Há quem diga, porém, que os primeiros bordaleses “Retour des Indes” foram criados por Louis Gaspard d’Estournel, do Château Cos d’Estournel. Louis era chamado de “marajá de Saint-Estephe” por seus rótulos da região de SaintEstephe serem os favoritos dos marajás indianos. Diz-se que, um dia, ele recebeu um carregamento de volta, provou o vinho, achou-o bom, resolveu colocar um “R” nos rótulos e vendê-los. Mas, há notícias de que, além dele, o famoso Château Lafite e o Chasse Spleen tiveram vinhos que retornavam das Índias também.
Naquela época – em que as pessoas ainda eram muito místicas –, acreditava-se que o segredo da melhora na bebida tinha algo a ver com essa passagem pela linha do Equador. Sabe-se hoje que isso tem mais a ver com o calor (no caso dos Madeira principalmente, tanto que atualmente eles passam por um processo chamado de estufagem para “acelerar o processo de envelhecimento”) e o tempo da viagem, do que com algum poder exotérico.
Em pouco tempo, esses vinhos ganharam fama e foram avidamente procurados pelas cortes europeias. Os “Retour des Indes”, porém, tiveram vida curta e desapareceram tão logo as embarcações se modernizaram e esse trajeto entre as Índias ficou mais fácil e rápido.
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