Almaviva celebrou sua 15a safra em grande estilo e mostrou que tem papel importante para os planos da Concha y Toro e dos Rothschild
por Arnaldo Grizzo e Christian Burgos
Rafael Giulisasti, vice-presidente da Concha y Toro
Em seu relatório anual relativo a 2011, a gigante Concha y Toro – uma das dez maiores empresas vinícolas do mundo – reportou a seus acionistas ter alcançado 29,7 milhões de caixas (12 garrafas) de vinho vendidas, o que equivaleu a US$ 872 milhões. A Baron Philippe de Rothschild, por sua vez, declarou vendas de 30 milhões de garrafas e um volume de negócios de 200 milhões de euros no ano de 2009. Entre 2010 e 2011, Almaviva representou uma receita de US$ 11 milhões, proporcionalmente pouco para as duas empresas que, em 1997, decidiram-se por essa joint-venture. As cerca de 140 mil garrafas produzidas anualmente na vinícola de Puente Alto, contudo, tiveram uma valorização de 27% – quando comparadas as safras 2008 e 2009. Diante da crise global, como explicar o aumento de preço? “Houve dois fatores principais, a grande demanda por Almaviva no mercado asiático e, nos últimos anos, a tentativa de administrar a demanda, a escassez. Temos que dizer não muitas vezes. Não é fácil”, garante Felipe Larraín, gerente geral de Almaviva, em entrevista um dia depois do pomposo lançamento da safra 2010 em um jantar de gala no hotel Unique, em São Paulo, que contou com a presença dos principais executivos da Concha y Toro e da Baron Philippe de Rothschild. “Você sabe que está fazendo um grande vinho quando as pessoas querem mais do que você tem para vender”, aponta Julien de Beaumarchais, herdeiro da Baronesa Philippine de Rothschild. Mas existe alguma possibilidade de, diante do sucesso, aumentar o volume? Larraín explica que Almaviva começou com 40 hectares de 2 mil plantas por hectare. Mais recentemente, foram adquiridos 35 hectares de 10 mil plantas por hectare. “As plantas precisam amadurecer. Há espaço para o aumento de volume, mas nunca vamos comprometer a qualidade. Podemos fazer isso, mas devagar”, garante Rafael Guilisasti, acionista e vice-presidente do grupo Concha y Toro, que também prestigiou o evento em São Paulo. Quem corrobora a visão do executivo chileno é Philippe Sereys de Rothschild, irmão de Julien e também gestor dos negócios da família: “Não temos pressa. Nossa ambição não é apenas fazer um vinho muito bom, mas um vinho que melhora com a guarda, assim como os Bordeaux. Vinho é uma criatura viva, que melhora na garrafa. Quando provamos as safras antigas, como ontem, percebemos que ele envelhece e que estamos seguindo o conceito dos Châteaux”, conta, referindo-se à degustação vertical de Almaviva na noite anterior, cujos vinhos foram avaliados por ADEGA.
Fortunatissimo per verità
Almaviva é uma combinação interessante entre duas empresas singulares. No cartaz de promoção do evento da 15a safra de seu vinho, logo na entrada, a sombra de um nobre frente à frente com a de um índio dá uma falsa impressão de “colonialismo”. É verdade que a história dos Rothschild remonta à Revolução Industrial, quando, influentes que se tornaram devido ao empreendedorismo especialmente no ramo financeiro, receberam seus títulos de nobreza. Porém, não se pode esquecer que a Concha y Toro foi fundada ainda no século XIX e atualmente é controlada pelos Larraín e Guilisasti, famílias que têm fortes relações com o mercado financeiro. Rafael Guilisasti, por exemplo, apesar de ser formado em História, sempre trabalhou com o trade doméstico e exportador no Chile. Junto com Alfonso Larraín, presidente do grupo, Guilisasti ajudou a pavimentar o caminho da Concha y Toro para se tornar um dos maiores players mundiais. “Desde muito cedo houve foco no mercado externo, pois Alfonso acreditava que o futuro da indústria chilena era esse”, lembra o empresário. Ele conta que, nos anos de 1970, durante as crises, a indústria do país era muito regulada e baseada no consumo doméstico. Com o consumo interno caindo vertiginosamente, era preciso mudar. “Na grande crise dos anos 80, a maioria das empresas quase quebrou, 50 mil hectares de vinhas foram erradicados e substituídos por comida. Então, mesmo na nossa empresa, criamos uma divisão para produzir comida”, recorda. Guilisasti diz que a Concha y Toro foi uma desbravadora no mercado externo, enfrentando muita dificuldade, mas teve sua recompensa nos anos 1990, com a abertura dos mercados para o Chile. “Nós, que estávamos voltados para exportação, tivemos uma grande vantagem nessa época”, aponta. “Nos últimos anos, a indústria se tornou tão forte que recuperou os 50 mil hectares que tinha perdido. Hoje, temos a mesma quantidade de 120 mil hectares que tínhamos na década de 70”, comemora. Há dois anos, a Concha y Toro tomou uma decisão ainda mais ousada e comprou a Fetzer Vineyards, aumentando substancialmente sua produção global em quase 2 milhões de caixas, mas, mais do que isso, posicionando-se dentro do maior mercado consumidor do mundo, os Estados Unidos. “A razão pela qual compramos uma empresa nos Estados Unidos é porque eles ainda são o maior mercado do mundo para os vinhos de maior valor e 75% do que é vendido lá vem de lá mesmo, principalmente da Califórnia. Então, você precisa estar dentro desses 75%. Se não estiver, estará sempre lutando pelos outros 25%”, simplifica Guilisasti.
Julien de Beaumarchais, Felipe Larraín e Philippe Sereys de Rothschild
Uno alla volta, per carità
Então, diante do protagonismo da Concha y Toro, a cena do nobre diante do índio na porta do evento em São Paulo representa a junção de forças de duas empresas (e culturas) poderosas que criou algo singular – um vinho ícone que viria construir sua própria história com respaldo de duas histórias grandiosas. “Queremos criar história com Almaviva, mas isso é um processo longo. Para que as pessoas comprem seu vinho, você precisa contar uma história. Isso é parte da mágica. Mas também há uma boa chance de o vinho ser bom...”, ri Philippe Sereys de Rothschild. E a procura por Almaviva cresce ano a ano. A maior demanda pelo vinho faz com que os preços aumentem, mas Rothschild faz questão de frisar que, sim, são vinhos caros, porém, “não caros demais”. Mas diante de vinhos cada vez mais raros e caros, o consumidor não está deixando de bebê-los para colecioná-los apenas, já que eles se tornam tesouros? O herdeiro dos Rothschild para pensativo e responde: “É uma contradição dizer que fazemos produtos para os consumidores se eles não estão consumindo. Mas, para parte do mercado, somos itens de coleção, como obras de Picasso, um relógio muito caro, um carro esportivo etc. As pessoas também colecionam vinho. Preferia que elas bebessem, mas hoje é assim por causa das oportunidades de venda”. Para trabalhar o mercado consumidor, Almaviva opta pelos négociants. É o único vinho sul-americano vendido dessa forma no mundo, ou seja, não há distribuidores exclusivos. Apesar de esse sistema não ser usual no Brasil, o mercado brasileiro é considerado um dos principais para a joint-venture, tanto que a primeira festa de lançamento da 15a safra do vinho foi realizada aqui. “Com os négociants, você não está criando excesso de estoque em lugar algum, pois com eles, não há isso. Se não dá certo em um local, mudam para outro país. Eles se movem rápido”, atesta Guilisasti, que completa: “Se você visse nossos planos de 15 anos atrás, em termos de quem estaria comprando os vinhos... Não tem nada a ver com a realidade. A China não estava lá, por exemplo.” Mas como fica o marketing do produto? “Isso é outro conceito. Quem faz marketing do vinho é o proprietário, não o importador. Em mercados tradicionais, você normalmente divide 50% com o distribuidor. Nesse caso, toda a responsabilidade é do produtor. Quem cria o prestígio do vinho é o produtor”, afirma o executivo da Concha y Toro, certamente lembrando da grande festa na noite anterior, que contou com a apresentação de árias da ópera “O Barbeiro de Sevilha”, de Rossini, baseada na obra de Pierre Beaumarchais (ancestral de Julien de Beaumarchais), em que um dos personagens principais é o conde de Almaviva, um papel caricato da nobreza. O vinho, no entanto, nunca foi uma caricatura. “Pronto prontissimo son come il fulmine”.