O brasileiro está descobrindo os vinhos espumantes, a "alegria de viver engarrafada", e nosso mercado já dispõe de imensa variedade das mais variadas origens
por Marcelo Copello
O espumante substitui, com elegância, a cerveja à beira da piscina |
Uma das muitas lendas que envolvem o Champagne conta que em um belo dia do século XIX, uma carta chegou ao correio de Paris endereçada ao "maior poe ta da França". Ela foi enviada a Victor Hugo, que modestamente mandoua a Baudelaire, que humildemente devolveu-a a ele. Quando a carta foi finalmente aberta, dizia algo como: "Ao produtor do Cham pagne Möet & Chandon, meus comprimentos, és o maior poeta da França", assinada pelo Czar Alexandre II (1818-1881).
#R#A produção de espumantes se espalhou pelo mundo, mas a França ainda é a terra santa dos enófilos |
Desde que Dom Pé rignon (1638- 1715) e seus contemporâneos passaram a dominar, no início do século XVIII, a arte da elaboração dos vinhos espumantes, o Champagne começou uma trajetória de encantamento que percorreu o mundo. Hoje praticamente todos os países produtores de vinho elaboram seus borbulhantes, em diversos estilos.
O brasileiro está aos poucos descobrindo este universo efervescente e trazendo-o para seu cotidiano, além das datas especiais, como aniversários, casamentos e Reveillon. O espumante já substitui os tintos e brancos acompanhando refeições ou faz o papel de uma cerveja à beira da piscina ou em um bar. Nosso mercado é privilegiado em opções de espumantes de todas as origens, para todas as ocasiões e dentro de todos os orçamentos. Para provar esta tese preparamos um roteiro de volta ao mundo em dez garrafas. Apertem os cintos, nossa viagem vai começar.
França
Nosso itinerário se inicia em clima de peregrinação a uma terra quase santa, que estabelece o padrão mundial em borbulhas, a Champagne. Nos últimos dois anos a variedade de legítimos Champagnes quase dobrou em nosso mercado. A tarefa de escolher apenas um rótulo que representasse toda a perlage da França parecia difícil, até que testamos o Billecart Salmon, um Brut NV (categoria inicial dos Champagnes), excelente e a um preço convidativo.
Champagne Brut Reserve, Billecart - Salmon (Terroir, R$ 170). Elaborado com Chardonnay 30%, Pinot Noir 30% e Pinot Meunier 40%, permanece com as borras durante três anos. Normalmente 60% do vinho do ano é misturado a 40% de vinho reserva de dois ou três anos anteriores. Sua cor é amarelo palha com reflexos esverdeados, perlage finíssima e abundante. O aroma clássico traduz leveduras e brioche, pão torrado na frente, que se abre depois em frutas como, por exemplo, maçã e limão amarelo. Incluem também mel, flores brancas e um elegante fundo mineral. Paladar seco, estruturado por uma belíssima acidez.
Vale lembrar que nem só de Champagne vive a efervescência francesa. Há ótimos espumantes na Alsácia, Borgonha e Loire, por exemplo.
Itália
Nossa próxima parada é a Itália, um dos berços da civilização ocidental e da bebida de Baco. Chamada na antiguidade de Enotria, ou "terra do vinho", a Itália produz espumantes em diversas regiões. Alguns são bem populares por aqui, como o Prosecco e o Asti, mas, sem dúvida os melhores espumantes da velha bota são os Franciacorta, que rivalizam em qualidade com os Champagne. Esta região demarcada fica na região da Lombardia, cuja capital é Milão. Embora no Brasil a variedade de Franciacortas disponíveis ainda seja pequena, alguns dos melhores nomes marcam presença aqui, como Ca' Del Bosco e Bellavista. Para representar a Itália escolhemos um clássico, digno do estilo e do terroir da região.
Franciacorta Cuvée Brut, Bellavista, Lombardia - Itália (Expand, R$ 145). Elaborado pelo método Champenoise, com 80% Chardonnay e 20% Pinot Bianco e Pinot Nero (Pinot Noir), Cor amarelo palha com reflexos dourados, mousse fina e persistente. Aroma muito fino de frutas maduras (pêra, maçã), leveduras, baunilha, frutas cristalizadas. Paladar de bom corpo, seco e elegante.
Espanha
A algumas horas de trem de Milão está Barcelona. A cidade de Gaudí é também a capital do espumante espanhol, o Cava. Produzido desde o início do século XIX pelo método Champanoise. No Cava são usadas castas locais: Macabeo, Xarel-lo e Parellada, por vezes misturadas a cepas francesas como Chardonnay e Pinot Noir com ótimos resultados. A variedade de Cavas no Brasil é pequena, mas felizmente um dos grandes nomes, Juvé Y Camps, está aqui.
Cava Reserva de La Familia 2002, Juvé y Camps, Penedés - Espanha (Península, R$ 136). Elaborado pelo método Champenoise, com castas locais, Parellada (40%), Macabeo (40%) e Xarello (20%), permanece com suas borras por três anos e é um brut nature, com zero de açúcar. Cor amarelo palha com reflexos dourados, perlage finíssima de média abundância, mas boa persistência. Aroma de frutas frescas e secas, especiarias, nozes. Paladar muito firme, bastante seco, acidez excelente, muito cremoso. Estrutura e elegância, um do bons espumantes da Espanha.
Alemanha
A Alemanha também é um tradicional produtor de espumantes. Chamados de Sekt (mesmo quando doces), os melhores são os da grande uva branca nacional, a Riesling, produzidos pelo método Champenoise. Um do raros Sekt encontrados por aqui é o Anselmann. Seu estilo está mais para um bom e agradável Prosecco que para um clássico e mais sério Champagne.
Sekt Riesling Brut 2003, Anselmann, Pfalz - Alemanha (Vinhos do Mundo, R$ 70). Elaborado pelo método Champenoise, com 100% uvas Riesling de colheita tardia, com 9,5 gramas de açúcar residual. Cor amarelo-palha com reflexos dourados, perlage de tamanho médio. Aromas com muita fruta madura e flores brancas. Paladar de médio corpo, doçura aparece junto com boa acidez.
Nova Zelândia
Este paraíso dos vinhos brancos também produz ótimos espumantes. O clima da Nova Zelândia é propício a vinhos elegantes, bem equilibrados e de ótima acidez. Os Sauvignon Blancs de lá já conquistaram paladares exigentes em todo o mundo, enquanto os espumantes, menos conhecidos, ainda carecem da merecida atenção. O Hunter's Brut, talvez o único rótulo disponível no Brasil, une o estilo champanhês ao frescor e frutado dos brancos neo-zelandeses.
Hunter's Brut 2000, Hunter Wines, Marlborough - Nova Zelândia (Premium, R$ 92). 57% Pinot Noir, 30% Chardonnay, 13% Pinor Meunier, método Champenoise. Amarelo palha com reflexos dourados, perlage de tamanho médio, media abundância e persistência. Aromas onde aparecem frutas maduras, avelãs, leve toque de leveduras. Paladar de estilo clássico, elegante, com boa cremosidade, médio corpo, fresco, boa persistência.
África do Sul
Ao inaugurarem, em 1652, a produção de vinhos na África do Sul, imigrantes holandeses tornaram o país o primeiro produtor dessa bebida no Novo Mundo. Os vinhos sul-africanos, em geral, ainda recebem pouca atenção dos importadores brasileiros, há muita coisa boa por lá a ser descoberta. No mundo dos espumantes uma sugestão despretensiosa de baixo custo, para concorrer com o Prosecco do dia-a-dia.
Tribal Brut, African Terroir, Stellenbosch - África do Sul (Best Wine, R$ 27). Elaborado a partir das catas Chenin Blanc e Chardonnay. Amarelo palha com reflexos dourados. Perlage de tamanho médio, de pouca abundância e pouca persistência. Nariz perfumado, floral e frutado. Paladar com alguma doçura, apesar de trazer brut no rótulo, acidez moderada, 12% de álcool. Um espumante bastante simples, sem maiores pretensões.
Argentina
Nossos vizinhos conquistaram nosso mercado com seus Malbecs superlativos em cor, álcool e frutado quase doce. Cada vez mais bodegas aventuram- se agora em fazer seus espumantes, algumas com ótimos resultados. Luigi Bosca é um tradicionalíssimo produtor de Mendoza e seu Boheme é uma proposta de luxo, desde a embalagem até o estilo da bebida, que procura imprimir o mesmo caráter poderoso dos Malbecs do país, em versão espumosa.
Boheme Brut Nature, Luigi Bosca, Mendoza - Argentina (Decanter, R$ 157,60). Elaborado com Pinot Noir, Chardonnay e pequena proporção de Pinot Meunier, parcialmente fermentado em barricas de carvalho francês, método de champanhização é o tradicional Champenoise, descansa dois anos com suas borras. Amarelo dourado, perlage muito fina, mas pouco abundante. Nariz potente e elegante, frutas maduras, abacaxi, baunilha, tostados, especiarias. Paladar largo, encorpado, acidez muito boa, mas equilíbrio pende para a maciez de seus 13,5% de álcool (acima do usual para um espumante), muito persistente. Perfil um pouco pesado, como alguns Chardonnays barricados do Novo Mundo.
Chile
É pequena a produção de espumantes no Chile. Como a indústria deste país é totalmente voltada para o mercado, os esforços concentram-se nos tintos e brancos frutados, direcionados principalmente para o mercado norte-americano. Existe, no entanto, um potencial pouco explorado, principalmente nas novas regiões no noroeste do país, próximas ao Oceano Pacífico. O exemplar escolhido é um Blanc de Noirs, espumante branco feito com uvas tintas, no caso um Pinot Noir 100%, elaborado pelo método Champenoise.
O Brasil é um dos maiores destaques do mundo na produção de espumantes de qualidade |
Uruguai
O Uruguai tem um ótimo potencial para espumantes. Algumas terroirs assemelham- se aos da Serra Gaúcha, por exemplo, e produtores importantes como Juanicó e Pisano engarrafam bons espumantes.
Bianco Brut Nature, Pisano, Canelones - Uruguai (Mistral, US$ 80,83). Elaborado pelo método Champenoise com a uva Torrontés, cepa aromática bastante conhecida nossa pelos vinhos argentinos, mas que se adaptou muito bem também no Uruguai. Amarelo palha brilhante, perlage de tamanho médio, abundante e de média persistência. Nariz com ótimo ataque, perfumado, bastante frutado e floral, lembrando rosas e pêras. Paladar de médio corpo, acidez boa, mas equilíbrio pende para a maciez dos 14% de álcool, o que é enfatizado pelo caráter perfumado da casta.
Brasil
A prata da casa vale ouro. Os vinhos espumantes são uma unanimidade como o que há de melhor em nossa produção. Já temos uma qualidade consistente, disseminada por vários produtores. Não podemos deixar de citar ótimas opções como Chandon Excellence, Miolo Brut Millésime e Salton Evidence. Selecionamos um espumante que já é um clássico brasileiro e não custa caro.
Cave Geisse Nature 2003, Cave de Amadeu, Pinto Bandeira - RS, Brasil (R$ 45,60). Elaborado pelo método Champenoise pelo craque Mário Geisse, com as castas Chardonnay e Pinot Noir. É um brut nature (zero de açúcar). Amarelo -palha com reflexos dourados, perlage muito boa, bolhas pequenas e abundantes. Aromas de médio ataque, muito frescos, com leveduras, tostados, mel e frutas maduras (abacaxi). Paladar encorpado, com a acidez intensa, cremoso. Um dos melhores espumantes nacionais e uma ótima compra.
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