Região é uma das mais clássicas do vinho italiano
Arnaldo Grizzo Publicado em 16/11/2018, às 20h00 - Atualizado em 20/04/2019, às 15h58
Há quem diga que Bordeaux está para a Toscana assim como a Borgonha está para o Piemonte. Apesar de termos de fazer algumas ponderações, essa correlação até que pode ser feita. E muito da ligação que os enófilos fazem da Borgonha com o Piemonte se deve pelas variedades de uva tradicionais, a Pinot Noir no caso francês e a Nebbiolo no caso italiano, que, de certa forma, apresentam algumas características em comum.
Quando se fala em Piemonte, obviamente que a primeira referência que surge é a sua uva tinta típica. É ela a base para as duas denominações de origem mais faladas dessa região italiana, Barolo e Barbaresco. No entanto, assim como a Borgonha não se restringe à Pinot Noir, o território piemontês traz muito mais variedade do que se imagina, com uvas e denominações menos comentadas, mas não menos importantes. ADEGA então vai apontar aqui 10 coisas que você precisa saber sobre essa importante região vitivinícola italiana.
A cidade de Barolo fica ao sul de Alba, por um caminho tortuoso que leva até o famoso Castello di Barolo, com casas históricas de muitos produtores, hospedarias e enotecas. Essa cidade dá nome ao mais famoso vinho da região do Piemonte. O prestígio de Barolo, contudo, só surgiu a partir de meados do século XIX. Até então, o vinho lá produzido nada tinha a ver com o que encontramos hoje, sendo geralmente doces, devido a uma fermentação muitas vezes incompleta da Nebbiolo. Uma pesquisa de Kerin O’Keefe afirma que o grande transformador de Barolo foi Paolo Francesco Staglieno. Ele foi o autor de um manual de vinificação chamado “Istruzione intorno al miglior metodo di fare e conservare i vini in Piemonte”, publicado em 1835. Teria sido ele o enólogo chamado pelo Conde de Cavour para trabalhar em sua propriedade em Grinzane entre 1836 e 1841. A tarefa de Staglieno era produzir vinhos de qualidade voltados para envelhecimento e estáveis o suficiente para serem exportados, algo que na época ficou conhecido como “o método Staglieno”. Barolo é um dos vinhos mais aclamados do mundo atualmente, comparados aos grandes Pinot Noirs da Borgonha. Eles costumam ser bastante tânicos quando jovens, porém evoluem (por cerca de 30 anos em garrafa) para um néctar complexo, com inúmeros aromas, que vão dos florais aos frutados e com toques de especiarias.
Durante anos, Barolo sempre foi o grande vinho do Piemonte. Seu reinado não era disputado. Hoje, Barolo e Barbaresco apresentam uma fama quase similar. No entanto, até a década de 1960, Barbaresco estava relegado a um papel de menor relevância. A história de Barbaresco começou a mudar quando um jovem empreendedor decidiu interferir na vinícola familiar que seu bisavô fundara há mais de 100 anos. Angelo Gaja – que se tornaria uma lenda – resolveu implementar inúmeras mudanças, rompendo com tradições seculares, escandalizando não só os produtores da região como também seus próprios familiares, especialmente seu pai.
Como os Gaja só possuíam terras na região de Barbaresco, ele decidiu que a família não faria mais Barolo, ou seja, não compraria mais uvas das terras vizinhas. Foi uma decisão arrojada, pois Barbaresco era um vinho desacreditado na época. Mas Angelo foi além e resolveu inovar na vinificação, adquirindo barricas de carvalho para envelhecer os vinhos e sendo o primeiro a fazer fermentação malolática no Piemonte.
Muitos anos antes de ele decidir “romper” com Barolo, sua avó, Clotilde Rey, sugeriu que a família comprasse algumas áreas específicas de vinhedos das colinas da região – as em que a neve derretia mais cedo depois do inverno, ditas Sorí. Angelo percebeu a excelência desses terrenos e começou a produzir vinhos Single Vineyard, que se tornaram seus maiores ícones (Sorí Tildin, em homenagem à avó, é um deles). O empreendedorismo de Angelo fez com que Barbaresco hoje fosse um “rival” à altura de Barolo.
A Nebbiolo é indiscutivelmente a uva tinta mais prestigiada do Piemonte, no entanto, não se pode deixar de lado duas outras variedades tradicionais da região: a Barbera e a Dolcetto. Enquanto a Nebbiolo costuma dar vinhos mais complexos, que tendem a demandar tempo para se abrir por completo, Barbera e Dolcetto, por outro lado, costumeiramente são vinhos mais diretos, fáceis de beber mesmo quando jovens.
Os vinhos feitos de Barbera geralmente se mostram muito fragrantes e com muitas frutas vermelhas, levemente ácidas, em boca. São duas as regiões famosas pela produção de seus Barbera, as denominações de origem Barbera d’Asti, uma região que compreende toda a província de Asti e parte de Alessandria, e Barbera d’Alba, uma área menor ao redor de Alba. Há ainda os Barbera del Monferrato, dentro da região de Asti. Os Asti são considerados os principais Barbera e, entre os melhores estão os que ostentam a designação Vigna no rótulo, indicando alguma sub-região renomada.
A Dolcetto tende a ser ainda menos prestigiada que a Nebbiolo e a Barbera, mas produz um vinho repleto de notas de cerejas, costumeiramente sem grandes pretensões, muito fácil de agradar, feito para acompanhar qualquer refeição. Assim como a Barbera, a Dolcetto tem duas denominações principais, Dolcetto d’Asti e Dolcetto d’Alba. Porém, ao contrário da Barbera, desta vez os melhores exemplares costumam vir da região de Alba, próximo das colinas de Barolo e Barbaresco.
A comuna de Asti fica quase que literalmente no centro da região do Piemonte. Juntamente com Alba, elas formam os dois povoados mais famosos dessa área vitivinícola. No período romano, a cidade era conhecida como Hasta Pompeia. A região, todavia, tornou-se famosa por suas uvas Moscatel e, especialmente, por seu espumante Moscato d’Asti, que deu origem ao famoso método Asti de fermentação. Diz-se que o processo de espumatização do Moscato foi elaborado primeiramente por Carlo Gancia, em meados do século XIX. Gancia teria trabalhado na casa Piper Heidsieck e, ao chegar à vila de Canelli, tentou reproduzir o que havia aprendido na França.
Conhecido como “método Asti”, ele é uma variação do Método Charmat, pois o processo fermentativo também ocorre dentro de autoclaves. Ele produz o espumante com apenas uma fermentação, interrompendo o processo, por meio de choque térmico, quando o açúcar das uvas (Moscatel) ainda não foi inteiramente transformado em álcool. Isso garante um produto mais adocicado e de menor teor alcoólico. Essa técnica de produzir vinhos com uvas Moscatel se alastrou pelo mundo. Os Moscato d’Asti costumam surpreender por sua delicadeza, sendo ótimos para combinar com sobremesas leves.
Piemonte significa “aos pés da montanha”. Essa montanha nada mais é do que os Alpes, que circundam quase toda a região. E um dos pontos cruciais do clima piemontês está ligado à neblina, que parece impregnada nos vinhedos que surge principalmente nas manhãs das épocas mais quentes. Acredita-se que esse clima tenha dado nome à principal variedade da região. Muitos ampelógrafos consideram a Nebbiolo como tendo surgido nas colinas do Piemonte, entre as cidades de Milão e Turim. Seu primeiro registro oficial é de 1268. Seus vinhedos costumam ficar encobertos de neblina durante os meses de setembro e outubro e esse fato parece dar o nome à uva: Nebbiolo vem da palavra italiana “nebbia” que significa névoa.
A Nebbiolo é uma uva de maturação tardia e cultivo delicado, que chega ao auge justamente quando a neblina da mudança de estação começa a cobrir os campos. Ela é naturalmente rica em taninos e pobre em coloração. Ela é conhecida pela finesse e a delicadeza de um vinho com muita estrutura, taninos extremamente marcantes e muita personalidade, não à toa isso se reflete em seus dois principais expoentes: Barolo e Barbaresco.
Um dos vínculos que os enófilos costumam fazer entre a Borgonha e o Piemonte está não somente nas similaridades entre a Pinot Noir e a Nebbiolo, mas também nas divisões cada vez mais detalhadas do terroir local. Se na Borgonha historicamente os produtores (e especialmente os monges cistercienses) delimitaram cada vez mais os principais vinhedos, criando os Grand Cru e Premier Cru, no Piemonte, os produtores, com o tempo, também decidiram apontar seus melhores terroirs designando-os como Single Vineyard. Ao contrário da Borgonha, no Piemonte esse fenômeno é bastante recente. Acredita-se que um dos primeiros a criar vinhos de vinhedos específicos foi Alfredo Currado, da Vietti, na região de Barolo. Na década de 1960, ele teria deixado de misturar uvas de Barolo de diversas regiões para criar os primeiros rótulos Single Vineyard. Seu exemplo acabou sendo seguido por outros que, cada vez mais, e não somente em Barolo, mas em outras denominações piemontesas, passaram a apontar tanto as sub-regiões de origem das uvas como Serralunga, La Morra, Castiglione, Monforte etc., como parcelas de vinhedos específicos.
Nebbiolo, Barbera, Dolcetto, Arneis, Cortese... além dessas variedades mais conhecidas, a viticultura do Piemonte apresenta outras castas, muitas delas autóctones, que produzem vinhos surpreendentes. Uma delas é a Brachetto, que produz tanto um vinho tinto doce quanto um espumante também com fundo adocicado. Outra é a Freisa, que produz vinhos bastante tânicos e ácidos, mas também é usada em espumantes que lembram o Lambrusco. Já a Grignolino tende a resultar em vinhos mais leves e frutados. Pelo lado dos brancos, há a curiosa uva Favorita, que está ligada à Vermentino, e a Erbaluce, costumeiramente usada para produzir um vinho doce tipo passito de grande longevidade.
Duas uvas brancas de destaque no Piemonte são a Arneis e a Cortese. A primeira é bastante produzida ao redor da região de Barolo e costumava ser acrescentada à Nebbiolo para suavizá-la. Ela costumava ser uma variedade pouco explorada pelos produtores até renascer por volta dos anos 1980, principalmente na região de Roero. De acordo com o dialeto piemontês, “Arneis” significa algo como rebelde ou ranzinza, graças ao seu cultivo complicado. Hoje, porém, a casta é prestigiada e alguns chegam a chama-la de Barolo Bianco.
Assim como a Arneis, a Cortese adquiriu grande fama na década de 1980 com a denominação Cortese di Gavi, que ficou conhecida somente como Gavi ou Gavi di Gavi. Ela vem de uma região fronteiriça com a Lombardia. As primeiras menções ao vinho da comuna de Gavi, contudo, são do ano de 972. A Cortese é famosa pela acidez e frescor, seus vinhos possuem sabores e aromas frutados, com maçã, pêssego e melão e tons herbáceos.
A região do Piemonte tem uma história rica e deve-se apontar que alguns personagens piemonteses foram determinantes na história da Itália. Um deles foi Camilo Benso, conde de Cavour. Após voltar de viagens pela França, Inglaterra e Suíça, ele decidiu implementar o que havia aprendido em termos de agricultura e administração em sua região. Por volta de 1830, ele decidiu investir na Nebbiolo, para tornar os vinhos locais tão bons quanto os que havia provado na corte de Savoia. Diz-se que ele foi um dos principais responsáveis por tornar Barolo conhecido mundialmente. Ao mesmo tempo, Cavour foi um dos mais ativos na propaganda pela unificação da Itália, sendo um dos personagens centrais juntamente com Giuseppe Garibaldi e Giuseppe Mazzini. Quando Vitor Emanuel II declarou o Reino da Itália independente em 17 de março de 1861, Cavour foi nomeado primeiro-ministro. Ele, contudo, não viveu muito para ver o restante da glória italiana e de Barolo, falecendo quatro meses depois. No entanto, graças a seus esforços, Barolo recebeu a alcunha de “o vinho dos reis e o rei dos vinhos”, por estar presente na corte italiana.
Uma uva tão melindrosa quanto a Pinot Noir e vinhedos cada vez mais delimitados. Esses dois detalhes aproximam o Piemonte da Borgonha, todavia, recentemente a região tem demonstrado ter potencial para desenvolver uma variedade que também se consagrou na Borgonha, a Chardonnay. Acredita-se que essa casta tenha sido implantada na região no começo do século XIX. Naquela época, durante a dominação francesa na Itália por parte do exército de Napoleão, Filippo Asinari, conde de San Marzano e Costigliole, caiu nas graças de Bonaparte. Além de hábil político, Asinari mostrou-se interessado em viticultura e afirma-se que ele teria plantado mudas vindas de Montrachet na região de Asti. E elas teriam se adaptado bem ao solo calcário-argiloso local.
Diz-se ainda que Carlo Gancia, a quem se atribui o método Asti e a criação do famoso Moscato espumante da região, também teria testado os métodos que aprendeu na França com a Chardonnay e Pinot Noir (cultivada principalmente em Oltrepò Pavese, que atualmente faz parte da Lombardia, mas que antes se chamava de Vecchio Piemonte – Velho Piemonte).
Desde meados dos anos 1980, a Chardonnay piemontesa tem chamado a atenção, com vinhos que lembram o estilo borgonhês, com grande capacidade de envelhecimento, feitos por produtores de renome como Coppo, Gaja, Pio Cesare etc.