A região de Peumo, no Vale del Cachapoal, é o lugar onde a Carménère encontra condições ideais para prosperar e mostrar todo seu potencial
Redação Publicado em 23/09/2010, às 13h42 - Atualizado em 14/09/2023, às 15h30
Essa condição ideal para o cultivo da Carménère está relacionada diretamente ao solo de argila profundo – por volta de 1,5 metros – e fértil encontrado na zona de Peumo, bem como à ausência de chuvas até o período da colheita, aos dias ensolarados e à grande amplitude térmica – diferença entre as temperaturas mínimas e máximas de um mesmo dia – que chega a atingir picos de 18oC.
A comuna de Peumo, localizada por volta de 100 quilômetros ao sul de Santiago, está inserida na parte norte do Vale del Cachapoal, mais precisamente às margens do rio que leva o mesmo nome.
Foi nesse lugar de paisagens bucólicas e de próspera produção agrícola que a Carménère encontrou as condições climáticas e de solo desejadas para se desenvolver plenamente e se tornar uma das uvas emblemáticas do Chile. Tais fatores são primordiais para que a Carménère atinja sua plena maturação, tanto fenológica quanto da própria fruta.
De fato, por ser uma uva de maturação muito tardia – mais longa, por exemplo, que a Cabernet Sauvignon – ela necessita de solos que retenham a umidade de forma constante durante todo período de amadurecimento, bem como de dias secos, ensolarados, naturalmente frescos e mais úmidos, oriundos da considerável amplitude térmica, e ao relevo de baixa altitude (170 m) da zona de Peumo.
Ou seja, essa uva, devido à maturação longa e tardia, tem nos solos férteis da região a possibilidade de manter as condições ideais para desenvolver seu pleno potencial.
Além disso, o relevo do Vale del Cachapoal, principalmente na zona Peumo – onde as cadeias de montanhas se estendem de leste a oeste e o rio Cachapoal corre para o mesmo lado –, possibilita uma orientação de plantio dos vinhedos de norte para sul, propiciando uma insolação constante durante todo o dia, o que contribui, também, de forma decisiva para a maturação gradual e constante da uva.
Em Peumo, a complicada Carménère atinge níveis de maturação ideais
De modo geral, pode-se concluir que as condições da zona de Peumo são desejadas e necessárias para se cultivar quaisquer uvas, porém os resultados obtidos com a Carménère mostram que essa zona é das melhores, senão a melhor para o seu plantio em todo Chile.
Isso é perceptível pelas diferenças entre os vinhos por ela produzidas nas outras regiões do Chile e em Peumo.
Enquanto nesta última zona os vinhos são geralmente mais balanceados, mantendo um ótimo equilíbrio entre estrutura, potência e fruta, sem perder a elegância; nas outras, mesmo quando bem cultivada e vinificada, a Carménère pode oscilar e produzir vinhos muito frutados, quase sem acidez, muitas vezes enjoativos. Ou então com notas verdeais pronunciadas quando se tenta conter a exuberância da fruta e buscar mais elegância.
É lógico que é possível produzir bons vinhos de Carménère em outros lugares do Chile, como, por exemplo, em Colchagua, onde Casa Silva (Microterroir Carménère), Arboleda e Bisquert (Ecos de Rulo e La Joya Reserve) estão produzindo vinhos dignos de boas recomendações da crítica.
Outro exemplo está em Maipo, onde De Martino (Alto de Piedras), Casa Rivas (Gran Reserva), Morandé (Editíon Limitada) e Pérez Cruz (Editíon Reserva) têm elaborado também vinhos dessa variedade com maestria.
Mas é em Peumo que essa casta encontrou todos os fatores para se desenvolver plenamente e atingir níveis de maturação em proporções ideais para produzir vinhos de exceção. Lá as condições climáticas, topográficas e de solo vêm se mostrando perfeitas e únicas para a produção de uvas Carménère diferenciadas.
Isso comprova a importância do terroir na elaboração do vinho. Atualmente, com as tecnologias avançadas de cultivo, manejo de vinhedos e de produção, é possível fazer vinhos corretos e bem elaborados praticamente em qualquer lugar, mas, para se conseguir vinhos excepcionais e únicos, é necessário um conjunto de fatores geográficos, climáticos, topográficos e de solo que se sobrepõem a tudo isso.
Entretanto, a percepção de Peumo como um lugar ideal para o cultivo da Carménère é relativamente recente, já que essa uva só foi redescoberta na década de 1990, quando um ampelógrafo francês em visita ao Chile revelou que a uva conhecida como Chilean Merlot, na verdade, era uma variedade bordalesa praticamente extinta na França pela filoxera, chamada de Carménère.
Essa descoberta contribuiu, de modo definitivo, para a conclusão de que muitos lugares onde se acreditava serem propícios para o cultivo desse clone de Merlot, na verdade, eram ideais para o cultivo da Carménère.
Baseada nesses fatores e através de extensivas pesquisas, a Concha y Toro, por exemplo, decidiu apostar todas as suas fichas em vinhos de Carménère cultivadas na região de Peumo, onde os vinhedos mais antigos datam de 1983, quando ainda era conhecida pelo nome de Chilean Merlot.
Apesar de relativamente recente, a percepção de que Peumo é um dos melhores lugares do Chile para se produzir vinhos de exceção com Carménère é cada vez mais clara pela constante evolução que esses vinhos apresentam ano a ano, mostrando-se cada vez mais complexos, profundos, equilibrados e elegantes.
Como exemplo disso, pode-se citar a Vinícola Santa Ema, que vem obtendo bons resultados através de seu topo da gama Amplus One, e a Concha y Toro que tem elaborado vinhos de ótimo nível, como os da linha Terrunyo e Marques de Casa Concha, além do ícone da vinícola, Carmín de Peumo, muito elogiado e com altas pontuações da crítica.
Sem dúvida, pode-se dizer que Peumo entrou no mapa vitivinícola do Chile por ser o terroir ideal para a Carménère e por produzir alguns dos melhores vinhos do país. Por isso, em questão de pouco tempo, região e uva serão referência uma da outra e irão se confundir. Ao se falar de Carménère estará se falando de Peumo, e vice-versa.