Afinal o que é biodinamica?

Afinal o que é a biodinâmica? Um método agrícola que é praticamente desconhecido, mas que dá origem a vinhos famosos por todo o mundo

João Afonso* Publicado em 13/02/2006, às 09h56 - Atualizado em 19/09/2023, às 15h30

Do grego bio (vida), e dunamis (força); em português corrente, a biodinâmica andará pela "força da vida" e, numa visita ao dicionário de Língua Portuguesa, encontramos "teoria das forças vitais". Numa perspectiva lata, a biodinâmica é muito mais uma maneira de estar e sentir a agricultura e a vida como parte integrante de um ecossistema com extensão cósmica, do que propriamente uma ciência aplicada.

Origens
Sua origem remonta ao primeiro quarto do século passado, quando um conhecido pensador espiritualista austríaco, Rudolf Steiner (1861-1925), já no fim da sua vida, resolveu dedicar oito famosas palestras antroposofóficas à agricultura. A antroposofia é uma doutrina fundada por Steiner que, com base da teosofia (Ciência de Deus) e em questões políticas, filosóficas e religiosas, procura refletir acerca da condição humana.

É, pois, na Europa Central, que nasce o movimento (ainda hoje é aí que ele tem maior expressão), numa época em que ninguém falava ainda de poluição atmosférica e hertziana, ou químicos de síntese. De qualquer modo, o seu impacto teve fortes seguidores no governo nazi, como Rudolph Hess ou mesmo Himmler que deu início ao jardim biodinâmico de Dachau.

Curiosamente, o caso particular do vinho não consta nos pensamentos biodinâmicos de Steiner, que era abstêmio.

Muitas das práticas usadas na biodinâmica vêm de agriculturas primitivas proibidas pela Inquisição, por aludirem a bruxarias. Mesmo o próprio conceito de cosmo, era, ainda que só no campo lunar, seguido pelos nossos avós. Steiner reuniu e arrumou conceitos dando-lhes todo o lado filosófico e esotérico da questão.

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A biodinâmica sente-se mais do que se explica. O tema central é o "ser humano", que aplica a sua agricultura em intenções espirituais baseadas numa verdadeira observação e cognição da natureza.

Em traços gerais, um verdadeiro agricultor biodinâmico deve constituir com a terra que trabalha, um organismo de identidade própria, onde a natureza (solo, plantas e animais) é diversificada e respeitada, mas também harmonizada e dinamizada ao ritmo das correntes terrestres e cósmicas.

Deve ser também auto-sustentável, com os diversos setores (frutícola, hortícola, prados, floresta, matos e várzeas), a complementarem- se mutuamente num ciclo fechado de nutrientes. O agricultor deve compreender a essência da vida.

TEORIA
Os estados da matéria

Os conceitos biodinâmicos não coincidem com os conceitos convencionais do pensamento moderno, cartesiano e sistemático. O fundamento ou alicerce de toda a ação biodinâmica é o solo. Para Nicolas Joly, conhecido viticultor do Loire e acérrimo defensor da biodinâmica, o conceito de terroir já não existe, e as DOCs ou AOCs não são mais que um grupo de números e atos controlados por um punhado de burocratas.

O mundo de hoje, com recurso às mesmas técnicas e aos mesmos produtos químicos, está condenado não só à uniformização dos vinhos (sejam eles franceses, australianos, búlgaros ou brasileiros), como também à perda de qualidade que só poderá ser em parte reconquistada à custa da manipulação da natureza.

Como ponto de partida para o lamentável estado da natureza, está a destruição da vida dos solos em poucos anos com a utilização abusiva de herbicidas (e outras práticas como a desinfecção dos solos). Com o solo morto, juntaram-lhe adubos, foliares ou não, e outras correções; com isso, as plantas enfraqueceram e as pragas avançaram, o solo degradou-se e a fauna o abandonou.

O solo representa nesta doutrina o "estado mineral" que, na planta, é representado pela raiz, de força centrípeta absorvedora. A água é obviamente o "estado aquoso" que é representado pelas folhas e seiva. O "estado gasoso" é subdividido no "estado da luz" representado pela flor (de força centrífuga, com o pólen e odores) e o "estado calor" representado pelo fruto.

Da interação dos quatros estados, resultam as forças descendentes (parte subterrânea) e ascendentes (parte aérea) das plantas e do equilíbrio surge a harmonia biodinâmica. Todas as plantas possuem uma força dominante. No caso da videira, por suas raízes atingirem muitos metros de profundidade, a força dominante é descendente.

Os quatro reinos
Em biodinâmica são considerados 4 reinos - o mineral, o vegetal, o animal e o humano. O mineral é, em termos absolutos, desprovido de vida; o vegetal e animal dependem fortemente um do outro, e o homem, ser vertical e absolutamente livre, é o chefe da orquestra, equilibrando e dinamizando ambos os reinos do qual ele faz parte integrante e necessária.

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Num organismo biodinâmico ideal, o agricultor otimiza os recursos naturais: as pastagens e plantações alimentam os animais que, por sua vez, dão alimento ao homem (leite, carne, ovos) e produzem excrementos sólidos e líquidos que, acrescidos de restos animais e vegetais da área, fermentam aeróbicamente (compostagem) gerando húmus - o melhor fertilizante de solo.

É também o agricultor que, a partir de "preparados" e "tisanas" especiais, atua sobre o solo vivificando-o em vez de o fertilizar.

Homeopatia X Alopatia
De Hipocrates, o médico alemão Samuel Hahnemann, retirou os ensinamentos para a nova ciência do século XVIII, que consiste em prescrever a um doente, sob uma forma muito diluída e dinamizada, uma substância capaz de produzir num sujeito saudável efeitos semelhantes aos que aquele apresenta.

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A idéia base é de tratar o mal com um produto que origina um mal semelhante. A isopatia vai um pouco mais longe e procura curar um mal com uma solução muito diluída do produto que causou esse mesmo mal.

Do lado oposto, a alopatia, precursora da medicina convencional, trata o mal com remédios que provocam efeitos contrários aos da doença. Aqui, o organismo não é estimulado, mas, pelo contrário, o remédio substitui seu sistema de defesa. À medida que o organismo e doença ganham resistência a esse remédio, ou as doses aumentam ou recorre-se a outro remédio.

Os planetas
A biodinâmica possui uma base espiritual que transcende as restantes práticas agrícolas na sua expressão exclusivamente material. Os antroposofistas acreditam em forças desconhecidas e ocultas.

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Enquanto o cidadão comum aceita sem discussão a influência do planeta Sol na vida da Terra e com certa reserva à influência da Lua, em biodinâmica acredita-se que cada momento cósmico tem uma qualidade particular para a planta e que, em agricultura, não podemos contar apenas com o microcosmos que nos envolve com luz e calor, mas também com o macrocosmos, o conjunto de esferas concêntricas (órbitas), onde se exprime todo o sistema solar e suas interações.

O macrocosmos, desde a sua formação, tem relações estreitas com os estados da matéria terrestre. Além disso, o alinhamento dos planetas com a Terra nunca se repete exatamente da mesma maneira.

Para o viticultor biodinâmico, interessam fundamentalmente a interação de Saturno e Mercúrio com as forças do calor (fruto), Jupiter e Vênus com as forças da luz (flor) e Marte e a Lua com as forças da água (folhas). Para simplificar, os planetas mais distantes - Urano, Netuno e Plutão - são voluntariamente deixados de parte.

A teoria de geocentrismo faz da Terra o centro do Universo. Assim, se tivermos dois "planetas de calor" diametralmente opostos à Terra, com a Terra no meio, sobre a mesma linha reta, os seus efeitos são reforçados. A esta situação chama-se "oposição" e qualquer ato agrícola ou dinamização (sobre as folhas ou solo), vai favorecer as "forças de frutificação" da planta.

Quando se trata de dois "planetas de água", o efeito máximo será concentrado nas folhas e, do mesmo modo, nos "planetas de luz", o efeito máximo atuará sobre flor. Pelo contrário, quando os dois planetas em causa estão na mesma linha, mas do mesmo lado da Terra, a situação é chamada de "conjugação" e qualquer ato agrícola constituirá um fator de forte perturbação para as plantas.

(*texto cedido pela Revista de Vinho - Portugal)

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