Garçons e sommeliers contam as histórias mais “trágicas” para você não reproduzir no restaurante
Sílvia Mascella Rosa Publicado em 20/08/2019, às 12h00 - Atualizado às 12h53
Se você não está seguro de suas escolhas quanto aos vinhos para acompanhar os pratos nos restaurantes, não exite. Chame o sommelier
Cena 1: O cliente chega ao restaurante, é acomodado pelo garçom e pede um refrigerante diet e um copo com gelo e limão. Já com o cardápio e a carta de vinhos em mãos, ele pede meia garrafa de um vinho tinto encorpado e vai alternando uma bebida e outra.
Cena 2: Num restaurante italiano, o cliente pede uma massa com frutos do mar e, para acompanhá-la, uma garrafa de vinho branco. Quando o prato chega, ele solicita ao garçom que traga o queijo parmesão e que deixe o balde sobre a mesa, pois quer colocar pedras de gelo na taça de vinho.
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Cena 3: Um casal senta-se à mesa e pede uma garrafa de espumante Moscatel. O garçom traz a garrafa, faz o serviço e pergunta o que eles irão comer. Eles, então, pedem uma pizza de coraçãozinho de galinha com cebola e cobertura de queijo. O garçom – que nada pode fazer para interferir na escolha do cliente – faz o pedido. Mas quando a pizza é servida, o casal pede também molho de mostarda e ketchup.
Garçons, sommeliers, maîtres (e o seu paladar) desejariam ardentemente que essas cenas não fossem reais, mas infelizmente elas são. E é só puxar um papo com aquele garçom seu amigo para saber de outras mais. A perpetuação de (mal)ditos populares como “Vinho bom é o que você gosta”, “Estou pagando e como o que quiser”, “Quanto mais caro melhor” – e seu oposto – “Se é barato não presta”, prejudicam o paladar, o bolso e uma experiência que deveria ser prazerosa.
“Já tive cliente que abriu a carta de vinhos, pediu um Chardonnay e, quando eu trouxe o vinho, ele disse que queria um Chardonnay tinto”, conta uma sommeliére paulistana. Aliás, os sommeliers entrevistados para esta matéria não podem ser identificados, precisamente por conta de outra frase lapidar: “O cliente tem sempre razão”.
Além da falta de informação (como no caso de quem coloca gelo no vinho para dilui-lo), o que se percebe “do outro lado do balcão”, ou seja, entre as pessoas que trabalham nos bares e restaurantes, é que muitas escolhas dos clientes são feitas apenas para impressionar os outros (chefes, parceiros, amigos), ou baseadas em comportamentos aprendidos ou copiados de outras pessoas, sem dar muita importância ao paladar. “Comer num restaurante bom é um luxo para a maioria das pessoas. Pedir um vinho é um luxo ainda maior, por isso, fazer escolhas acertadas é dar mais valor ao seu dinheiro”, comenta o sommelier chefe de uma rede de restaurantes em São Paulo.
É claro que o objetivo dos restaurantes é o lucro e que quanto mais eles venderem melhor, mas existe também um outro lado, que é o de oferecer uma experiência sensorial especial, harmoniosa, que deixe boas lembranças no comensal, fazendo com que ele retorne. Um prato bem elaborado merece uma companhia à altura. E para isso, o mais importante é dar atenção ao seu paladar, escutar o garçom ou sommelier uma vez ou outra e ousar nas escolhas saindo de sua zona de conforto.
“Nas pizzarias isso é muito comum. O cliente chega, pede uma pizza de quatro queijos e uma garrafa de Cabernet sul-americano em menos de um minuto, e nem pensa em nada. Uma vez ou outra, quando o cliente é mais antigo e acessível, ousamos oferecer uma garrafa de Chardonnay para harmonizar com a pizza de quatro queijos, que combina muito melhor. Mas é apenas com uma minoria que podemos fazer isso”, revela o gerente de uma pizzaria.
Chardonnay e queijo gorduroso, aliás, é uma combinação maravilhosa, em que a acidez do vinho se encarrega de “limpar” o palato. Já um tinto encorpado faz justamente o oposto, carrega ainda mais o paladar. Nas pizzarias, se não tiver coragem para tomar o vinho branco com as pizzas de queijo (vai bem também com Marguerita, acreditem), vá pelo país, escolha um vinho italiano como um Chianti ou um Primitivo di Manduria, que serão ideais, por exemplo, com a pizza de calabresa.
Outra dica preciosa é observar o que está indicado como especial no cardápio. Os restaurantes em geral fazem promoções com vinhos diferenciados, para oferecer novidades aos clientes. Muitas vezes, o garçom está liberado para lhe oferecer uma taça de degustação para ver sua reação. Por que não tentar?
Nas churrascarias com sistema de rodízio é muito comum que sejam oferecidos coquetéis com açúcar e leite condensado assim que as pessoas chegam à mesa. Com a desculpa de “é sem álcool” muitas pessoas aceitam. Dessa forma, o cliente que já está pagando alto pelo rodízio, vai comer menos ainda, pois não há melhor forma que diminuir a ingestão de carne do que colocando algo doce na boca antes. É como comer a sobremesa antes do prato principal. E muita gente que não presta atenção ao seu próprio paladar, cai nessa.
A gordura do leite, o açúcar, as frutas, todos eles agem para saciar a fome com rapidez e têm a capacidade de entorpecer ligeiramente as papilas, diminuindo o consumo posterior. Se depois desse coquetel doce você ainda consumir uma taça de vinho tinto, pode se preparar para uma ressaca de sabores que nada tem a ver com o álcool, simplesmente com a combinação errada de alimentos.
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Nas churrascarias, os vinhos com maior carga tânica (em geral de uvas como Cabernet Sauvignon e Tannat) são bem vindos, pois o tanino é uma substância seca e com travo um pouco amargo, que favorece o consumo de carnes mais gordurosas. Mas é preciso estar atento àquela linguiça apimentada e às carnes mais salgadas, que não combinam com taninos.
Outro exemplo dessa combinação excessiva (isso sem contar as calorias) é milk-shake e hambúrguer, acompanhado de batatas fritas. O paladar, exposto a uma dúzia de estímulos ao mesmo tempo, não é capaz de identificar quase mais nada, nem mesmo apontar se o alimento está bom ou não. É apenas excesso, nada mais.
Na Itália, se um prato de massa com frutos do mar for pedido, não adianta pedir parmesão para colocar por cima, o garçom italiano se recusará à atendê-lo. E ele está certo. Os frutos do mar são alimentos de paladar delicado, suaves, que precisam ser apreciados sem a influência da gordura e do sal do queijo parmesão. Mas para nós, brasileiros, a mania é de que massa tem que ter queijo. Bem, não é a massa que tem que ter queijo, e sim o molho. É ele que “manda” no prato e seus ingredientes é que vão dizer se o queijo combina ou não.
Lembre-se: cozinha regional combina com vinhos regionais. Ou seja, receitas francesas geralmente harmonizam bem com vinhos franceses; italianas, com rótulos italianos. Dessa forma, você diminui a chance de errar
Isso também funciona com o vinho. O vinho não vai combinar com a massa (que em geral é neutra) e sim com o molho sobre ela. Essa é uma lição fácil, mas que passa despercebida para muita gente, menos pela namorada caprichosa que escolheu um belo talharim com camarões, alho poró, pimenta vermelha e óleo de gergelim para aquela noite especial. E apesar de ela saber que o prato combina com um rosé fresco ou com um espumante ácido, você – que acha isso bebida de “menina” – cobriu a massa com uma generosa camada de queijo e acompanhou com grandes goles de Malbec. Há uma indigestão e a provável perda da namorada em seu horizonte.
Para resolver as decisões mais básicas, principalmente em refeições de negócios, consulte o sommelier (não há vergonha alguma nisso, afinal esse é o trabalho dele e você pode até mesmo dizer discretamente o quanto quer gastar) ou escolha pelo país: comida francesa com vinhos franceses, bacalhoada com vinhos portugueses (que tal um Vinho Verde fresco e leve para abrir o apetite?), espumantes secos sempre que estiver em dúvida (os brasileiros fazem muito bem esse estilo de vinhos), paella com tintos leves ou rosés espanhóis, muito populares agora, carnes com tintos sul-americanos (Uruguai, Argentina, Chile, Brasil) e cozinha contemporânea com vinhos australianos, americanos, sul-africanos ou neozelandeses.
Nunca se esqueça que o paladar evolui constantemente. Há pouco mais de 20 anos, quase não se falava em cozinha chinesa no Brasil, hoje há fast food e até barracas de rua vendendo comida similar aos pratos chineses, e nosso paladar – desenvolvido com bases indígenas, europeias e africanas – se acostumou a ela. É por conta de experiências como essas que precisamos seguir provando, fazendo novas escolhas, pois a harmonização é amiga da ousadia e vive em constante movimento.
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