Charutos e vinhos: sofisticação e prazer

Nosso garimpeiro descreve como essas duas delícias podem encontrar seu ponto de equilíbrio.

por Ronald Sclavi*

fotos: divulgação e Cristian Rusu/Stock.Xchngfotos: divulgação e Cristian Rusu/Stock.Xchng

Safras, sabores, aromas, bouquet, blended, reservas e edições limitadas. Termos comuns em duas culturas cercadas de tradição e sofisticação. Dois terrenos cheios de surpresas e preciosidades, à espera de especialistas, bebedores e fumadores de todas as denominações. Quais os limites e pontos de atração entre os universos de uvas e tabacos? Qual a fronteira entre os dois mundos? ADEGA foi investigar. Convidado pela Advanced House, tabacaria das mais freqüentadas pelos charuteiros paulistas, este garimpeiro mergulhou em uma degustação diferente. Vinhos e charutos não estavam sob avaliação. Nosso objetivo era checar o quanto ambos eram capazes de conviver sob o mesmo paladar. O resultado surpreendeu a todos.

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fotos: divulgação e Cristian Rusu/Stock.Xchng

Todos os caminhos levam para...

O senso comum apontaria para Cuba, mas o charuto escolhido foi o Davidoff, da série Millennium, uma delícia da República Dominicana. Motivo simples: escolhemos um exemplar com sabores mais leves que permitissem aos degustadores uma melhor percepção das combinações que viriam a seguir.

No formato robusto, o mais espesso dos charutos tradicionais, nosso protagonista teve seu miolo e capote - primeiro revestimento de um charuto - envelhecidos por quatro anos. Finalmente, a capa - folha de fumo de acabamento - veio do Equador, com dois anos de envelhecimento. O resultado desse blended é dos mais elegantes. Se fosse um vinho, poderia ser comparado aos melhores exemplares da Borgonha.

Nos ensinam os charuteiros experientes que, para apreciar um charuto com justiça, devemos dividi-lo em três partes. O primeiro terço revela os seus traços mais sutis e refinados. No segundo, o charuto começa a ficar apimentado e penetrante. No último terço, o tabaco se mostra firme, pleno, absoluto.

Doces e fortes

Do outro lado, o sommelier Marcelo Vilhena selecionou três vinhos fortificados, doces e cheios de personalidade: o Royal Tokaji Aszú 1999 (Aurora Importadora - R$ 175), o Madeira Justino's 10 anos (Casa Flora - R$ 105) e o Niepoort Tawny (Mistral - R$ 180), também com 10 anos de envelhecimento. Os vinhos foram degustados três vezes: uma em cada terço do charuto.

O Tokaji, com 11% de álcool, dourado e luminoso conquistou rapidamente a mesa. O Porto (20%) - analisado isoladamente - também permaneceu acima da crítica. O Madeira (19%), mais barato dos três vinhos, surpreendeu. Vinho firme e envolvente revelou-se uma ótima relação custo x benefício.

Cortamos com todo cuidado a ponta do charuto e analisamos sua estrutura. A capa macia revelava os veios da folha de fumo. Conservado em uma estante umidificadora (semelhante às adegas), o Davidoff estava no ponto certo em textura e consistência. Aceso, o charuto manteve uma queima regular, cinza extremamente consistente e ótimo fluxo de fumaça.

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Três charutos em um

No primeiro terço, as notas cítricas do Tokaji encontraram ressonância dos sabores herbáceos do charuto. O Madeira também completou esse primeiro momento sem competição com o tabaco, somando experiências e sensações. Já o Porto, em sua grandeza, sobrepôs o sabor, desequilibrando essa balança das mais sensíveis. "O charuto fez mais pelo vinho que o vinho pelo charuto", constatou a jornalista Andrea Ciaffone, editora-chefe da revista Forbes, presente na degustação, ao final da primeira parte do seu charuto, medida com uma pequena régua desenhada na ficha de degustação.

Chegamos ao segundo terço. O charuto mais aquecido começa a interagir com o vinho procurando ampliar a sua presença no nariz e na boca. O Madeira encontra um ponto de equilíbrio cheio de classe. O Porto se chega como uma soma mais interessante, sem tanta competição com o tabaco. O Tokaji encontra seu auge, revelando na mistura com o tabaco notas de caramelo e um final apimentado.

.No terço derradeiro, é o Porto que apresenta o maior crescimento. Firme, excitante, a mistura remete esse tipo de degustação como opção digestiva após um bom jantar. O Madeira, regular e correto, também segue com dignidade até o final. Já o Tokaji, estrela da noite, perde um pouco da sua magia no último enfrentamento.

Mesmo assim, para Marcelo D'Angelo, jornalista da Band News, fã dos melhores cubanos, o Tokaji é o vinho escolhido, "pela sua complexidade". Arthur Avedissian, representante da Davidoff, concorda com Marcelo, e ressalta que a acidez desse vinho, combinada às notas madeiradas do charuto, representou o ponto alto da degustação.

Paulo Silveira, comandante da Advanced House, resume a experiência e sentencia: "O Tokaji surpreende, mas o Madeira é o vinho que eu indicaria pelo seu desempenho regular nos três terços do charuto". Eu assino embaixo.

Mesmo nome, mesma elegância

Ao final da maratona partimos para um delicioso aperitivo. Degustamos o casamento mais elaborado entre os mundos do vinho e do tabaco. Mergulhamos em Mouton Cadet - vinho e charuto de mesmo nome - feitos um para o outro. O primeiro, com a assinatura do Baron Philippe de Rothschild, amigo íntimo de Zino Davidoff, fundador da empresa que subscreve o segundo.

Experiência diferente da primeira, dessa vez estamos diante de um charuto ainda mais leve, harmonizado com um Bordeaux da safra 2000, entre as mais incríveis dos últimos 100 anos na França.

É um casamento sutil, delicado e nobre. Pede uma boa conversa, talvez sobre filosofia ou outros assuntos daqueles que tocam a alma e aquecem o coração. Ideal para o inverno, após uma boa sopa.

A noite que vivemos, envoltos em aromas, folhas, açúcares, cores e uvas, termina com a certeza do prazer. Garimpo concluído, encontramos para os leitores de ADEGA, um pouco da preciosidade desses dois mundos. Em comum, a liberdade de beber, fumar e descobrir.

Serviço:
Advanced House
Rua Brig. Haroldo Veloso, 61
Cidade Jardim
Tel.: (11) 3078-9114
Mouton Cadet "Zino" - R$ 31
Davidoff Millennium - R$ 62

* Ronald Sclavi é jornalista e garimpeiro de adegas e tabacarias.

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