Constelação

Uma vertical com todas as safras do ícone Altaïr

por Por Eduardo Milan


A estrela Altaïr, da constelação Aquila, pode ser vista de qualquer ponto do planeta

A Viña Altaïr nasceu em 2001, fruto de uma joint-venture entre o francês Laurent Dassault – proprietário dos Châteaux Dassault e La Fleur, em Saint-Émilion – e a Viña San Pedro – segundo maior produtor de vinhos no Chile

Na noite escura do hemisfério norte, pode-se ver a águia que carrega os raios de Zeus. A constelação Aquila (águia). Dentro dela, sua estrela mais brilhante, uma das de maior brilho nos céus, Altaïr – o voo da águia – pode ser vista de qualquer ponto do globo. É essa estrela, que une Velho e Novo Mundo, que dá nome a um dos grandes vinhos chilenos.

A Viña Altaïr nasceu em 2001, fruto de uma joint-venture entre o francês Laurent Dassault – proprietário dos Châteaux Dassault e La Fleur, em Saint-Émilion – e a Viña San Pedro – segundo maior produtor de vinhos no Chile. Eles uniram forças para criar um verdadeiro vinho “grand cru” no Chile e, para tanto, o local escolhido foi uma área de 72 hectares, que se assemelha a uma cavidade rasa, de vinhedos nas encostas do árido Vale do Cachapoal, mais especificamente em Alto Cachapoal, vista como ideal por Dassault. Fator decisivo para a compra do terreno foi o fato de que, durante provas, os vinhos desse lugar ofereciam taninos mais macios e elegantes.

A parceria se estendeu até 2007, quando Dassault vendeu sua parte no negócio para o grupo chileno. A saída do francês não alterou as aspirações da Altaïr, ainda com o firme propósito de fazer vinhos que se identifiquem com o lugar e durem no tempo.

A produção já foi conduzida brilhantemente por Ana Maria Cumsille, com consultoria de Pascal Chatonnet, mas atualmente a batuta está nas mãos do gerente de enologia Marco Puyo e do enólogo e diretor técnico vitícola Gonzalo Castro, assessorados pelos gabaritados Paul Hobbs e Pedro Parra.

Terroir estelar

Os vinhedos são cuidados e estudados de perto. Desde de 2008, Pedro Parra – reconhecidamente um dos maiores conhecedores de solo do mundo – vem analisando quase que milimetricamente toda a área. Para se ter uma ideia, foram feitas cerca de 150 calicatas – método de exploração de terrenos com o uso de uma barra ou sonda, com o objetivo de determinar sua composição mineral – para mapear os vinhedos e obter dados precisos a respeito da geologia e da composição do solo, determinando quais uvas terão melhor desempenho em cada parcela. Além disso, todo o vinhedo tem medição de condutividade elétrica – mapeamento geográfico da condução de corrente elétrica do solo (que varia conforme suas propriedades físicas e químicas) para obter dados que auxiliem na tomada de decisões de como e quanto intervir com insumos, defensivos e irrigação – com 50 centímetros de profundidade.

As vinhas são trabalhadas de forma a ter baixo rendimento. As primeiras mudas, 18 hectares de Cabernet Sauvignon, foram plantadas em Totihue, em 1993. As variedades cultivadas atualmente são: Cabernet Sauvignon (62 ha), Carménère (3,7 ha), Syrah (2,4 ha), Cabernet Franc (1,7 ha) e Petit Verdot (1,5 ha). As vinhas de Merlot – cepa que fez parte dos blends de 2002 e 2003 – foram gradativamente substituídas por Syrah.

O estudo detalhado no vinhedo se reflete na vinícola, onde são realizadas mais de 100 microvinificações. De acordo com Gonzalo, cada lote de vinhedo é vinificado e envelhecido em barricas separadas para se determinar a identidade da origem de cada barrica. Somente depois do estágio em madeira são realizadas degustações às cegas e, com isso, definidos os lotes e variedades que comporão cada blend.

Do Altaïr, ícone que leva o nome da vinícola, foram lançadas as safras 2002 a 2011. De fato, Altaïr é apresentado como um vinho artesanal, que reúne e reflete as condições do terroir de Alto Cachapoal, de grande personalidade e capaz de ganhar complexidade com o tempo em garrafa.


O local escolhido para a vinícola foi uma área de 72 hectares, que se assemelha a uma cavidade rasa, de vinhedos nas encostas do árido Vale do Cachapoal, no Alto Cachapoal

Degustação

Castro, no retorno de sua ronda para apresentar os vinhos da Viña San Pedro nos Estados Unidos, fez uma escala em São Paulo, onde conduziu, com exclusividade para ADEGA, uma degustação de todas as safras já produzidas de Altaïr.

O vinhedo foi todo detalhado para determinar as melhores castas e são realizadas mais de 100 micro-vinificações por safra

A prova foi dividida em três séries, pois, segundo ele, as 10 safras já elaboradas se dividem em três estilos ou fases. Para o enólogo, a degustação comparativa entre as séries evidencia ainda mais as diferenças entre os vinhos de cada uma delas. E, de fato, isso ficou muito claro e pôde ser comprovado. Mais do que um discurso bem feito, os vinhos na taça mostram essa busca por um maior entendimento do vinhedo, a fim de conseguir um vinho cada vez melhor.

Assim, a primeira série englobou os vinhos dos anos 2002, 2003 e 2004, que retratam bem uma época em que o estilo privilegia fruta mais madura, potência, volume de boca e, principalmente, concentração. Enfim, vinhos mais extraídos e com a madeira tendo um papel mais importante.

Já na segunda série, degustamos os vinhos 2005, 2006, 2007 e 2008. Aqui se tem um refinamento e amadurecimento do estilo evidenciado nas safras anteriores, talvez pela própria experiência adquirida tanto no vinhedo como na vinícola. A fruta mais madura, a concentração e a opulência estão presentes, porém de um modo mais elaborado, elegante, compacto e preciso.

E, por fim, na terceira e última série, degustamos as safras 2009, 2010 e 2011. É perceptível, nesses anos, a mudança de estilo do vinho, isso em termos de como ele foi pensado e construído. Aqui se percebe uma evolução no entendimento do vinhedo e do estilo de vinho que se pode ter a partir dele. E, por conseguinte, das virtudes que desejam ressaltar e das limitações a serem contornadas. O resultado disso são vinhos mais austeros, precisos e compactos, esbanjando elegância e uma fruta mais fresca, com maior acidez, mais tensão, com uma evidente busca por uma textura de taninos cada vez mais fina e vibrante. Confira a avaliação completa a seguir.

Vertical Altaïr 2002/2011

AD 91 pontos  
ALTAÏR 2002
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – fora de catálogo). Tinto composto de 86% Cabernet Sauvignon, 7% Carménère, 7% Merlot, com estágio de 15 meses em barricas de carvalho francês. Cor fechada, puro vermelho-rubi, quase sem sinais de evolução. O nariz mostra uma fruta madura envolta por notas balsâmicas, defumadas, de couro e de tabaco, depois aparecem toques florais e de ervas secas, com os conhecidos toques de goiabada aparecendo depois. No palato, está vivo, frutado, suculento, equilibrado, com ótima textura de taninos e final longo e persistente. Muito bem feito em seu estilo mais opulento e concentrado. Álcool 14,2%. EM

AD 90 pontos  
ALTAÏR 2003
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – fora de catálogo). Tinto composto de 71% Cabernet Sauvignon, 17% Carménère, 6% Merlot, 4% Syrah e 2% Cabernet Franc, com estágio de 15 meses em barricas 100% novas de carvalho francês. Aqui se tem a mesma cor vermelho-rubi do anterior. Os aromas são de fruta mais madura, quase em compota, envoltas por notas florais, herbáceas e de goiaba, além de toques de tabaco e de especiarias doces. No palato, confirma essa fruta madura, mas muito bem sustentada por acidez refrescante e boa textura, que trazem equilíbrio a tanta opulência. Álcool 14,6%. EM

AD 92 pontos  
ALTAÏR 2004

Para o enólogo Gonzalo Castro, Altaïr passou por três fases, com estilos distintos

Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru R$ 472). Tinto composto de 73% Cabernet Sauvignon, 15% Syrah, 11% Carménère e 1% Cabernet Franc, com estágio de 15 meses em barricas 100% novas de carvalho francês. Aqui se tem uma nota de ameixas e cassis envoltas por notas florais, herbáceas e de especiarias doces, além de toques de couro, tabaco e chocolate. Dos três primeiros, este, sem dúvida, é o mais elegante e preciso até agora. Isso tudo dentro desse estilo de fruta madura e opulenta. É muito sedoso, equilibrado e fino, com a mesma tensão de taninos encontradas no 2002. Álcool 14,7%. EM

AD 93 pontos  
ALTAÏR 2005
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – fora de catálogo). Tinto composto de 85% Cabernet Sauvignon, 12% Syrah e 3% Carménère, com estágio de 15 meses em barricas 100% novas de carvalho francês. Aqui se tem um ar mais austero, apesar de ainda ter essa fruta untuosa e opulenta, tudo envolto por notas florais, herbáceas e de especiarias doces, além de toques de tabaco e de alcaçuz, com final de terra úmida. No palato, mostra mais equilíbrio e mais frescor, taninos mais polidos, mais precisão e final persistente, mais profundo que cheio. Álcool 15,1%. EM

AD 92 pontos
ALTAÏR 2006
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – fora de catálogo). Tinto composto de 74% Cabernet Sauvignon, 14% Syrah, 10% Cabernet Franc e 3% Carménère, com estágio de 15 meses em barricas 100% novas de carvalho francês. Muito semelhante ao 2005 em termos aromáticos, mas mostrando mais pureza de fruta envolta por notas minerais, especiadas e de tabaco. No palato, é preciso, muito elegante e suculento, em um estilo mais redondo e aveludado com menos tensão, mais sedoso, com mais fruta madura e mais opulência. Muito gostoso de beber, podemos dizer que esse é mais internacional e fácil de agradar. Álcool 14,9%. EM

AD 94 pontos  
ALTAÏR 2007
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – fora de catálogo). Tinto composto de 74% Cabernet Sauvignon, 22% Syrah, 7% Carménère, 5% Cabernet Franc e 1% Petit Verdot, com estágio de 15 meses em barricas 100% novas de carvalho francês. Nos aromas, tem um misto da opulência e da facilidade de beber do 2006, com a intensidade, frescor e tensão do 2005. Um nível acima em termos de profundidade, austeridade, elegância e finesse. Muito mais preciso, profundo e compacto do que todas as safras anteriores. Está evoluindo magistralmente. Álcool 14,9%. EM

AD 93 pontos  
ALTAÏR 2008
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru R$ 472). Tinto composto de 85% Cabernet Sauvignon, 13% Syrah, 3% Carménère e 2% Petit Verdot, com estágio de 10 meses em barricas 50% novas e 50% usadas de carvalho francês. Tem estilo mais maduro, com fruta negra, mostrando cassis e ameixas quase em compota, envoltos por notas balsâmicas. Muito semelhante em termos de fruta e opulência com 2006, porém com um toque salino que lhe traz vivacidade e frescor. Álcool 14,7%. EM

AD 93 pontos  
ALTAÏR 2009
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – fora de catálogo). Tinto composto de 79% Cabernet Sauvignon, 9% Syrah, 6% Cabernet Franc, 4% Petit Verdot e 2% Carménère, com estágio de 10 meses em barricas 50% novas e 50% usadas de carvalho francês. Nessa safra, percebe-se claramente uma mudança para um perfil de fruta mais fresca, afastando-se do lado compotado e opulento. Tem taninos de ótima textura, acidez vibrante e final cheio e profundo ao mesmo tempo. Suculento e mais tenso, mostra algo terroso, tanto no nariz quanto na boca, que traz ainda mais refrescância ao conjunto. Limpo, refinado, compacto e elegante Álcool 14,8%. EM

AD 94 pontos  
ALTAÏR 2010
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – fora de catálogo). Tinto composto de 76% Cabernet Sauvignon, 13% Syrah, 7% Carménère e 4% Petit Verdot, com estágio de 10 meses em barricas 50% novas e 50% usadas de carvalho francês. É um passo acima em termos desse estilo mais fresco e tenso em relação à safra 2009. Os aromas de cassis estão envoltos por pronunciadas notas herbáceas e minerais, além de toques de tabaco e de especiarias. No palato, confirma o nariz, tem mais tensão, acidez refrescante e taninos de ótima textura, que envolvem toda a fruta, trazendo equilíbrio ao conjunto. Álcool 14,9%. EM

AD 95 pontos  
ALTAÏR 2011
Viña Altaïr, Cachapoal, Chile (Grand Cru – não disponível). Tinto composto de 78% Cabernet Sauvignon, 10% Syrah, 7% Cabernet Franc e 5% Petit Verdot, com estágio de 10 meses em barricas 50% novas e 50% usadas de carvalho francês. Imperam os aromas de frutas frescas como ameixas, cassis e cerejas, envoltos por notas florais, minerais e de especiarias doces. Jovem ainda, mostra-se fino, preciso, elegante, profundo, cheio de textura, de tensão, de acidez e de finesse. Aqui se percebe claramente onde queriam chegar as mudanças percebidas safra após safra desde 2002. Num vinho de boca mais do que de nariz, que consegue ser delicado e, ao mesmo tempo, vibrante e cheio de frescor, mas, acima de tudo,  fundado sob taninos de muita estrutura e de textura fina, lembrando giz. Uma delícia de vinho. Álcool 14,7%. EM

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