Descubra dos primórdios no século XVII até sua renovação moderna como Vergelegen se tornou um ícone da viticultura na África do Sul
por Arnaldo Grizzo
Quando Willem Adriaan sucedeu seu pai, Simon van der Stel – considerado um dos fundadores da vitivinicultura na África do Sul –, como governador do Cabo em 1700, ele reivindicou um pedaço de terra de 30.000 hectares para si (assim como seu pai havia feito em seu tempo em Constantia). Levou três dias de carro de boi para chegar à fazenda nas encostas da montanha Hottentots Holland com vista para o Oceano Atlântico; daí seu nome Vergelegen, que significa “situado longe”.
Seis anos depois de começar a plantar vinhas, Willem Adriaan tinha meio milhão de plantas. Ele cultivou ainda pomares de frutas e laranjeiras, plantou cânfora e carvalhos e estabeleceu 18 fazendas com 1.000 cabeças de gado e 1.800 ovelhas. Ele também construiu reservatórios e cavou canais de irrigação, além de construir para si uma bela propriedade rural, onde acrescentou um moinho de milho e muitos outros edifícios.
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Apesar de a fazenda estar prosperando, Willem Adriaan estava em uma disputa acirrada com Adam Tas e outros Burghers Livres. Pouco depois, ele foi considerado culpado de práticas corruptas e os diretores da Companhia Holandesa das Índias Orientais, em carta de 30 de outubro de 1706, demitiram-no vergonhosamente e ordenaram que voltasse para a Holanda.
Três anos depois, por ordem da Companhia, a Vergelegen foi vendida e dividida em quatro fazendas separadas. A “grande casa de habitação” foi ordenada a ser demolida – mas é provável que não tenha sido totalmente derrubada. Guardando a entrada da frente da propriedade até hoje estão cinco magníficas árvores de cânfora plantadas por Willem Adriaan – essas árvores foram declaradas Monumento Nacional em 1942. Um carvalho, presumivelmente plantado na mesma época, também está lá e acredita-se que seja o espécime mais antigo da África do Sul.
A propriedade passou por vários proprietários até chegar à família Theunissen, que se encarregou da propriedade por mais de um século, de 1798 a 1899, e garantiu que os vinhedos se mantivessem. Em 1816, eles construíram uma nova adega. Mas foi nas mãos de Lady Florence (“Florrie”) Phillips e seu marido, um magnata da mineração, Sir Lionel, que Vergelegen ganhou prestígio. Mas não exatamente no vinho.
Lady Florence era uma entusiasta das artes pôs-se a restaurar a antiga propriedade. Ela contratou o arquiteto Percy Walgate, que pesquisou incansavelmente a arquitetura holandesa do Cabo antes de realizar a restauração de Vergelegen.
Mas ao mesmo tempo que restaurou a casa, Lady Phillips removeu todas as vinhas e decidiu praticar agricultura mista. Ela trouxe seu jardineiro, Hanson, da Inglaterra para plantar arbustos e árvores.
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Com a ajuda do arquiteto, ela converteu a antiga adega em uma magnífica biblioteca para abrigar a coleção de livros do marido. Ela trouxe ainda para Vergelegen muitas de suas obras de arte de valor inestimável e móveis magníficos.
Após a morte de Lady Phillips em 1940, a propriedade foi comprada por Charles “Punch” Barlow. Os Barlows retomaram as operações agrícolas em Vergelegen e começaram a plantar vinhas em pequena escala.
Depois que seu rebanho premiado de gado Jersey foi praticamente exterminado pela ingestão de farinha láctea envenenada, os Barlows se concentraram na fruticultura. Vergelegen foi, por fim, comprada pela Anglo American Farms (Amfarms) em 1987. Como resultado do investimento considerável na propriedade, sua casa foi novamente restaurada e a fazenda tornou-se uma propriedade totalmente funcional.
Entre os muitos projetos realizados pela Anglo American estava um extenso programa de limpeza de vegetação exótica invasora, reabilitação de terras e restauração do núcleo histórico da propriedade. As vinhas foram restabelecidas após testes intensivos de clima e solo.
As primeiras videiras plantadas em Vergelegen em 1700 pelo fundador Willem Adriaan van der Stel incluíam variedades como “Blue Muscadel”, “Steendruif” (Chenin Blanc), “White Muscadel” e Frontignan. No século XX, houve plantações esporádicas por vários proprietários, a última dessas vinhas foi removida em 1962. Os solos de Vergelegen permaneceram em pousio até 1987, quando a propriedade foi comprada pela Anglo American. As primeiras novas vinhas foram cultivadas em 1989.
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O clima em Vergelegen é ameno devido à sua proximidade com o Oceano Atlântico em False Bay, a cerca de seis quilômetros de distância. Os vinhedos variam em altitude entre 140 e 310 metros acima do nível do mar, com encostas voltadas de norte a noroeste e de sul a sudeste.
Há uma rica variedade de solos, sendo que 21 tipos diferentes foram identificados. As vinhas foram estabelecidas principalmente em solos de Clovelly, Glenrosa e Pinedene, geralmente conhecidos por seu alto teor de argila, o que garante uma boa retenção de água durante o estágio crítico de amadurecimento do início do verão. O porta-enxerto e as variedades foram cuidadosamente combinados com os solos mais adequados, e a densidade das videiras, variando de 2.666 a 5.000 videiras por hectare.
As plantações atuais totalizam cerca de 117 hectares, incluindo Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Malbec, Shiraz, Sauvignon Blanc, Chardonnay e Sémillon. A vinícola fica situada no alto de uma colina, com apenas o nível superior da estrutura visível. Com sua forma octogonal refletindo o design do jardim murado da propriedade histórica, o deck de observação e o jardim da cobertura oferecem uma visão de 360º, com os imponentes picos das montanhas Hottentots Holland atrás, a cidade de Somerset West abaixo, o Oceano Atlântico além e ao longe, Table Mountain.
A enologia é comandada por Luke O'Cuinneagain, que passou tempo em propriedades renomadas como Rustenburg, Château de Fieuzal, Château Angelus, Caves Robert Dietrich e Screaming Eagle na Califórnia.
Embora Vergelegen esteja agora a pouco mais de 30 minutos de carro da Cidade do Cabo e não seja “tão longe”, as majestosas canforeiras, as ruínas de um engenho nas margens do rio Lourens e o famoso jardim octogonal são marcas da antiga propriedade governamental com mais de 300 anos de história.