Entenda como é feito e o que é o espumante natural
por Arnaldo Grizzo
Diz-se que o Champagne nasceu de um erro. Acredita-se que os monges franceses não queriam que seus vinhos se tornassem espumantes. A efervescência, na verdade, seria um “erro”.
O que eles queriam, no século XVII, como todos os produtores de vinho do mundo, era apenas vinhos que conhecemos por “tranquilos”, ou seja, sem qualquer tipo de borbulhas. Mas, devido ao clima frio e a algumas circunstâncias específicas de vinificação, esse “erro” ocorria. E o erro acabou se tornando um grande acerto.
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Sim, acredita-se que os primeiros espumantes do mundo tenham surgido não por vontade de seus produtores, mas por um detalhe de vinificação que eles desconheciam. Como esses vinhos se tornavam espumantes? A explicação é bastante simples. Basta o mosto não fermentar até o final, ser engarrafado e, com o tempo, as leveduras voltam a atuar dentro da garrafa gerando gás carbônico na queima dos açúcares restantes.
Dá então para entender por que isso era um erro. Naquela época em que mal se entendiam os processos químicos, colocava-se o mosto para fermentar e, às vezes, o tempo esfriava tanto e tão rapidamente que a fermentação parava sem que todos os açúcares fossem queimados pelas leveduras – que, devido ao frio, entravam em estado de dormência. Esse vinho então era engarrafado e, assim que a temperatura voltava a subir, as leveduras também voltavam à ativa e terminavam o serviço interrompido da primeira vez. Então os vinhos se tornavam espumantes.
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Esse “método”, chamado pelos franceses de “método ancestral”, resulta nos vinhos ditos pétillant naturel (efervescente ou espumante natural). Vale lembrar que, com o tempo, os monges franceses de Champagne desenvolveram outros métodos para desenvolver seus espumantes e não depender do clima. Eles passaram a colocar uma mistura de açúcares e leveduras (o famoso licor de tiragem) para que a fermentação ocorresse na garrafa e o vinho se tornasse efervescente. Esse método ficou conhecido como método tradicional ou champenoise.
O método ancestral ficou relegado, sendo muito pouco usado. No entanto, recentemente, ele voltou a ser “lembrado”. Em um mundo repleto de pessoas em busca de “novidades” ou então de “tradições esquecidas”, viu-se o ressurgimento de espumantes turvos – também ditos sur lie, que não passam pelo dégorgement, ou seja, as leveduras mortas não são retiradas da garrafa – e também dos Pét-Nat, como ficaram conhecidos os pétillant naturel.
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Se uma das ideias por trás dos “sur lie” é a rusticidade que ajuda a dar ainda maior complexidade a aromas e sabores em um espumante, o método ancestral é ainda mais rústico e, de certa forma, também relativamente imprevisível.
Assim como o sur lie, o Pét-Nat tende a ser turvo e vendido com sua tampa de metal original, já que não passa por dégorgement (mas, vale frisar que, diferentemente do sur lie, ele não recebe licor de tiragem). No entanto, alguns produtores fazem dégorgement antes de colocar seus Pét-Nat no mercado.
Um dos pioneiros na experimentação do método ancestral na América do Sul, o enólogo Alejandro Cardozo explica resume: “Faz-se um espumante em uma única fermentação, logo na sequência de se elaborar o vinho base. Ou seja, faz-se o vinho base, que vai fermentando e, quando chega a um nível de açúcar, é engarrafado. Aí, a fermentação acaba dentro da garrafa”.
Antes, a parte da “surpresa” dos Pét-Nat fica por conta da carbonatação, que tendia a ser bastante efervescente ou apresentar um pequeno frisante – isso porque é mais difícil prever a ação das leveduras nesse sistema de vinificação. Lembrando que, no método tradicional, o produtor ajusta a efervescência final do espumante colocando quantidades determinadas de levedura e açúcar no licor de tiragem.
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Assim, o “timing” do engarrafamento é algo essencial para os “espumantes naturais”, pois, se houver ainda muito açúcar, a pressão na garrafa pode ser demasiada e as tampas não aguentarão, voando longe. Se houver pouco açúcar, ele se torna apenas um leve frisante.
Mas, se antigamente esse método teoricamente era um erro “imprevisível”, atualmente esses vinhos são feitos de forma muito mais previsível, como explica Cardozo: “Hoje em dia há métodos precisos para engarrafar no momento certo, que é entre 21 e 24 gramas de açúcar. Assim se consegue formar a pressão necessária para que não fique sem gás ou com pressão demais”.
Turbidez, rusticidade e alguma pequena variação de carbonatação são características relativamente comuns dos Pét-Nat, mas, segundo Cardozo, o enólogo não pode responsabilizar o método ao entregar um espumante de baixa qualidade.
“Independentemente do método, o produto tem que ficar bom na garrafa, não posso entregar algo de baixa qualidade e colocar na conta do método como, às vezes, alguns produtores ‘naturais’ têm feito”. Ainda assim, ele admite: “Ele não é um espumante 100% perfeito”.
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Quais os desafios? “Em um espumante natural, não se tem controle sobre a estabilidade tartárica, então, ele pode formar cristais. Ele também não tem muito controle sobre a proteína, então quando fica quente, ele pode turvar. Além disso, há a geração de borra, que é maior dentro da garrafa, e isso dificulta o dégorgement, e faz com que, muitas vezes, os produtores desistam de degorjar”.
Mas, de acordo com Cardozo, há soluções para todas essas questões: “Além da análise precisa do momento para engarrafar para criar espuma, também atinge-se um ponto para ajustar a questão da proteína e da borra.
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Então, quando o vinho base está em um certo momento de açúcar, agrega-se um agente clarificante, e isso faz com que boa parte das borras baixem rapidamente e, ao mesmo tempo, quando se aproxima dos 24 gramas, esfria-se para deixar mais lenta a fermentação.
O frio decanta e leva bastante sólido embora, assim o líquido fica menos turvo, forma uma borra menor. E, por fim, se quiser evitar precipitação tartárica, também pode-se aplicar um agente ou deixar o frio fazer o trabalho”.
“No método ancestral, todo o cuidado tem que ser na fruta e no processo de vinificação, que tem que ser muito delicado, com rendimento de mosto extremamente baixo”, aponta Cardozo, que desde 2013 vem experimentando esse sistema.
Os Pét-Nat podem ser brancos, rosados ou até tintos e, devido às leveduras naturais e aos açúcares remanescentes da fermentação, a maioria tende a ser bastante rústica em seus aromas e o volume alcoólico geralmente fica em torno de 10%.
Acredita-se que o termo “Pét-Nat” tenha surgido, ou ressurgido, durante os anos 1990 no vale do Loire, quando alguns produtores de vinhos naturais, entre eles Thierry Puzelat e Christian Chaussard, passaram a fazer espumantes usando o método ancestral. Aliás, diz-se que, assim como séculos atrás, a ideia deles não era produzir espumantes, mas vinhos tranquilos.
Adeptos do que se chama de vitivinicultura natural, eles pensaram em fazer vinhos com o mínimo de intervenção possível. Assim, deixando a natureza agir por conta própria, viram alguns de seus vinhos – provavelmente alguns demi-sec – tornarem-se espumantes “sem querer”.
Diz-se ainda que, em princípio, assim como os antigos monges de Champagne, eles acreditaram que sua produção estava arruinada, mas, depois de provarem a bebida, gostaram do resultado e passaram a vender sob o nome “Pét-Nat”.
O termo se tornou popular, assim como o método, que passou a ser usado por produtores do Languedoc, Itália, Califórnia e até no Brasil. Pode parecer estranho hoje encontrar “espumantes naturais” em regiões que teoricamente nunca tiveram grande tradição em espumantes, mas, curiosamente, vale lembrar que esse tipo de vinho também não era tradicional na região do Loire, onde “renasceram”.
Ainda assim, a região de Montlouis-sur-Loire foi a primeira a criar uma denominação que abarca o “pétillant originel” (o termo natural não pode ser usado nos rótulos franceses). Hoje, os Pét-Nat surfam na onda dos vinhos naturais.
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