Descubra o que são os segundos vinhos dos châteaux bordaleses e se vale a pena o investimento
por Arnaldo Grizzo
Qual é o conceito por trás de um segundo vinho? Seria uma sobra? Geralmente temos duas vertentes. Em primeiro lugar, um segundo vinho pode ser produzido a partir de parcelas de vinhedos plantados com vinhas mais jovens – ou seja, que ainda não alcançaram o potencial e o equilíbrio necessários para integrar o rótulo principal. Mas também é possível que um segundo vinho seja produzido a partir de parcelas específicas que nunca são usadas no principal.
Em um segundo ponto, ele pode ser produzido a partir de vinhas, ou mesmo barricas, inicialmente destinadas ao “Grand Vin”, mas que acabaram “desclassificadas”. Como assim?
As vinhas talvez não tenham amadurecido adequadamente ou uma variedade de uva teve menos sucesso em um determinado ano. O processo de seleção pode ser bastante rigoroso e fazer com que os châteaux “desclassifiquem” boa parte da produção para manter apenas o que acreditam ser o melhor para o vinho principal. Isso explicaria a função do segundo vinho em “aprimorar” o primeiro.
Vamos lembrar, contudo, que as uvas verdadeiramente “indesejadas” não serão usadas no segundo vinho (e nenhum outro vinho do château, diga-se) e tendem a ser vendidas a granel ou usadas para outros fins que não a produção de vinho (destiladas, por exemplo). Ou seja, um segundo vinho recebe os mesmos cuidados de um primeiro, mas geralmente com alguns tratamentos diferentes em termos de vinificação.
Resumindo, de um modo geral, portanto, existem duas categorias de segundos vinhos: aqueles em que as uvas vêm das mesmas vinhas que o vinho principal e aqueles em que as uvas vêm de vinhas separadas que nunca são usadas para Grand Vin.
No primeiro caso, um segundo vinho pode ser feito de vinhas mais jovens ou superprodutivas, ou uvas colhidas cedo ou tarde demais, ou representar lotes desclassificados em safras ruins.
No segundo, os vinhos são feitos como se fossem uma marca separada. Um exemplo é Clos du Marquis, que não é um considerado um segundo vinho do Château Leoville Las Cases, mas um rótulo totalmente a parte, feito de parcelas distintas do Grand Vin de Leoville Las Cases.
Os segundos vinhos geralmente recebem o mesmo tratamento dos primeiros, no entanto, o blend e a maturação em barrica costumam ser diferentes. Nos châteaux da margem esquerda, por exemplo, é comum que haja uma proporção maior de Merlot na mistura (que tende a ser dominada por Cabernet Sauvignon no “Grand Vin”).
O segundo vinho geralmente passa menos tempo em madeira e com barricas de carvalho usadas em vez de novas. E isso é importante, pois os segundos vinhos costumam oferecer uma expressão do estilo da propriedade, mas com uma janela de consumo mais cedo do que o vinho principal.
Do ponto de vista do marketing, a ideia dos segundos vinhos é produzir um vinho no mesmo terroir do château que sirva de introdução à marca, mas a um preço mais acessível. Um Pavillon Rouge du Château Margaux é, portanto, uma espécie de versão de um Château Margaux – não exatamente igual, mas com qualidades semelhantes. Ou seja, seria como uma primeira prova do Grand Vin.
Com os preços cada vez mais altos nos últimos anos, muitos produtores perceberam que é essencial promover seus segundos vinhos. Alguns até introduziram terceiros rótulos para reforçar a qualidade dos segundos.
E, como dito antes, há alguns segundos que se tornam uma marca própria. Por exemplo, uma das marcas de maior sucesso de Bordeaux, Mouton Cadet, já foi o segundo vinho do Château Mouton-Rothschild e acabou evoluindo para sua própria marca.
"Há cada vez mais interesse nesta categoria. O sucesso depende muito do preço. Tanto quanto sei, estes vinhos não têm valor especulativo. Eles são um pouco mais sutis que o vinho principal, muitas vezes devido às vinhas mais jovens. Dito isso, muitos tornam a bebida atraente com frutas agradáveis e taninos mais macios após uma maceração pós-fermentativa mais curta do que o Grand Vin. Obviamente, os segundos vinhos dos Premier Crus são mais caros e atraem algum interesse dos colecionadores, mas, na maioria das vezes, os consumidores compram segundos vinhos para consumo imediato”, aponta Christopher Cannan, proprietário do Clos Figueras, mas que atuou no mercado de négociants de Bordeaux por muitos anos.
Índices de preços da Liv-ex mostram que alguns segundos vinhos, em especial Carruades de Lafite, Petit Mouton, Pavillon Rouge du Château Margaux, vêm aumentando de preço consideravelmente nos últimos anos. Mas seriam interessantes financeiramente?
“O único problema para os segundos vinhos é que há limites para seu desempenho de preço, pois eles nunca podem exceder o valor do vinho principal ou de uma propriedade de status semelhante. Por que comprar Carruades de Lafite se você pode comprar uma caixa de Haut-Brion? Os preços dos Grand Vins e seus segundos vinhos são como extremidades positivas de um ímã: quanto mais se aproximam, mais se repelem”, diz Rupert Millar, da Liv-ex. “Em 2007, era possível comprar 6,6 garrafas de um segundo vinho para cada garrafa de Grand Vin. Hoje isso foi reduzido para 2,8 garrafas”, complementa.
Enfim, um segundo vinho serve basicamente de introdução ao Grand Vin, mas em um nível de preço mais acessível. Eles oferecem uma oportunidade de comprar ótimos vinhos por uma fração do preço do ícone da propriedade.
Atualmente, com uma seleção melhor e mais rigorosa, bem como volumes menores dos principais vinhos sendo produzidos, os segundos estão cada vez melhores – alguns inclusive podem superar os principais vinhos de propriedades menos badaladas como apontou Vianna. Além de serem mais acessíveis financeiramente falando, também costumam ser em termos gustativos, pois tendem a estar em seu auge mais cedo.
Sobre recomendações, a maioria dos especialistas aponta que, além dos cinco Premier Grand Cru Classé – cujos preços dos segundos vinhos tendem atualmente a estarem muito elevados –, os principais rótulos “secundários” estão em propriedades Sécond e Troisième Cru.
Em Pauillac, por exemplo, destacam-se Reserve de la Comtesse de Pichon-Lalande e Les Tourelles de Longueville de Pichon-Baron.
Em Saint-Julien, Clos du Marquis do Château Leoville Las-Cases, que nem é tratado como um segundo vinho, mas uma marca separada, é outra boa opção, assim como Les Fiefs de Lagrange do Château Lagrange.
Em Margaux, Alter Ego de Palmer, do Château Palmer, e Segla, do Château Rauzan Segla, são expoentes. Outras boas opções são La Petit Eglise de Denis Durantou do Château l'Eglise-Clinet, La Chapelle d'Ausone do Château Ausone, Le Blason de l'Evangile do Chateau l'Evangile e Carillon d' Angelus do Château l'Angelus, Les Pagodes de Cos do Château Cos d’Estournel, La Dame de Montrose do Château Montrose, Haut Bages Averous do Château Lynch Bages, Moulin Riche do Château Leoville Poyferre, La Croix de Beaucaillou do Château Ducru Beaucaillou, La Chapelle de la Mission Haut Brion do Château La Mission Haut-Brion, Le Petit Cheval do Château Cheval Blanc, entre outros.
E vale lembrar que esse fenômeno dos segundos vinhos não ocorre somente em Bordeaux. Ele se proliferou pelo mundo, com vinícolas célebres de diversos países criando “segundas seleções”, como Ornellaia, na Itália, que criou o Le Serre Nuove e também o Le Volte.
Na Espanha, Pingus tem o Flor de Pingus e o PSI como segundo e terceiro vinhos, por exemplo. Nos Estados Unidos, Opus One tem o Overture, no Chile, Almaviva apresenta o Epu etc.
Todos eles valem como investimento? Depende do tipo de investimento que você está imaginando. Talvez não valha como uma escolha financeira, mas provavelmente fará sentido se você quer se aproximar do estilo dessas grandes marcas sem gastar tanto em um primeiro momento. Quem sabe esses vinhos podem abrir portas no futuro.