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Você sabe por que o vinho é a bebida mais querida do mundo?

por Christian Burgos

O vinho não conhece limites. Suas características e elementos são capazes de combinar-se compondo infinitos conceitos e interpretações, personalidades e retratos. Mais do que sua vastidão, porém, o que nos cativa a cada degustação é a profundidade. Quanto mais fundo mergulhamos, mais longe nos percebemos de desvendá-lo por completo.

Vale lembrar que a história desta bebida se entrelaça à história da própria civilização. Ao estudarmos a videira, encontramos uma planta universal, rústica e capaz de suportar quase qualquer condição climática, do calor extremo às temperaturas congelantes, da aridez às chuvas abundantes, uma companheira perfeita para o homem durante sua “conquista do mundo”.

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O fato de alimentar tanto com seu fruto quanto com seu suco – que, fermentado, originava na antiguidade um líquido mais são do que a água – permitiu ao vinho se tornar um parceiro da jornada humana. Fenícios e romanos já transportavam as vinhas e os vinhos no seu esforço desbravador e “civilizatório”. No período das grandes navegações, novamente estavam lá o vinho e a vinha.

Alimento saudável

De alimento e fonte energética dos trabalhadores do campo no mundo pré-industrial, o papel benéfico do vinho na ração diária do homem ganhou a infalibilidade científica quando, já na idade contemporânea, buscou-se entender como os franceses – que, notoriamente, fumavam e eram sedentários – apresentavam índices impressionantemente mais baixos de doenças cardiovasculares.

O que ficou conhecido como Paradoxo Francês viria a comprovar que o vinho ingerido diariamente, e com moderação, reduz significativamente o risco de problemas cardiovasculares. A esse estudo se somaram, nos últimos 30 anos, centenas, senão milhares, de outros trabalhos científicos comprovando que o vinho ingerido diariamente e sem excessos, é capaz de reduzir o risco de inúmeras enfermidades.

Insaciável em seu afã de chegar a uma resposta definitiva sobre tudo, a ciência passou a investigar o que o vinho tinha de tão especial e descobriu que o mosto da uva continha quantidades elevadas de antioxidantes, com destaque para o hoje famoso resveratrol. E que, combinado com o teor alcoólico moderado do vinho, potencializa seu efeito benéfico à saúde do homem.

A conquista do tempo

O que a ciência não conseguiu explicar em seu esforço de decomposição do vinho foram seus componentes metafísicos. Os elementos químicos são incapazes de explicar a personalidade do vinho do mesmo modo que o sequenciamento genético ainda não conseguiu decifrar a última dimensão da natureza humana, isso é, sua consciência.

Se já não bastasse sua característica única de fazer bem à saúde e proporcionar prazer, o vinho ainda nos cativa por outras nuanças. Afinal, revela-se como uma fotografia engarrafada. Seu líquido reflete um local específico em um tempo igualmente específico. Na taça, visitamos (ou revisitamos) alguns dos mais diversos e belos lugares do globo e, ao abrir a garrafa, liberamos o espírito de um tempo singular, como se fosse o negativo de todos os acontecimentos de uma determinada colheita ou safra. Essa colheita está impregnada do clima de um determinado ano, mas, também, é um reflexo do espírito humano daquele ano manifestado pelas mãos do homem que cultivou a videira e transformou a uva em vinho.

O vinho encanta de diferentes formas

O estilo de cada época, ou a interpretação do enólogo sobre o que era ou deveria ser o ideal do homem em cada tempo, aparece claramente em cada vinho e, assim como na arte, da garrafa brota a personalidade de seu criador. Quanto mais temos o privilégio de degustar com quem faz o vinho, mais claro fica que vinho e enólogo se espelham um no outro, e que, se assim não for, há algo de muito errado.

Aprisionar o tempo na garrafa é, portanto, uma das coisas que tornam o vinho absolutamente especial. Tomar um vinho do ano do próprio nascimento é algo que marca, assim como poder saborear o líquido do ano do nascimento de um filho ou o tempo uma grande conquista. Adegas inteiras estão devotadas a estes caprichos. E, se vencer o tempo e almejar a eternidade já não fossem conquistas suficiente, melhorar com o tempo – que é a vitória máxima do espírito humano – é uma característica determinante dos grandes vinhos.

Ninguém se esquece do vinho mais antigo que já degustou (em boas condições, é claro!). Ser capaz de provar o fruto do trabalho de alguém (que muitas vezes já não está entre nós) é sempre emocionante, e gera um fio condutor que nos une a pessoas que não conhecemos, mas que se dedicaram a construir uma cápsula de tempo, numa estrada que, muitas vezes, leva-nos até antes de nosso nascimento.

Dessa maneira, temos no hábito de beber vinho o privilégio de visitar milhares de locais e momentos, e poder compartilhá-los com pessoas que nos são especiais.

Partilha

A emoção e o prazer do momento tornam etéreo o líquido, cuja experiência sensorial do vinho se impregna na memória daquele momento. Não por acaso tantas pessoas elegem como “o vinho mais especial de sua vida” não aquele que é aclamado como o melhor dos vinhos, mas, sim, o degustado no momento mais especial e na melhor companhia.Aliás, compartilhar é a essência do colecionador de vinhos. Grandes vinhos são obras de arte que ficam guardadas em locais fechados, esperando o efêmero momento de serem apresentadas e, no processo de sua apreciação, destruídas irreparavelmente. Nesse decurso, adicionam-se à força criadora da natureza e ao trabalho do produtor, a paciência e a generosidade de quem compartilha o vinho com seus amigos e familiares.

Assim, o vinho ajudou a pavimentar a história do homem da mesma forma que ajuda a marcar o passo de nossa própria existência, acrescentando aromas e sabores às memórias de nossos encontros e interações. Essa capacidade de transfiguração do vinho também explica seu protagonismo nas artes de forma geral, seja como elemento inspirador, seja como protagonista de eventos fictícios ou históricos.

Por tudo isso é fácil entender por que o vinho, que há séculos é capaz de encantar o homem e desafiar o próprio tempo, certamente não encontra um “igual” entre as bebidas.

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