Os Super Vinhos da América do Sul

Especialistas dizem que o universo do vinho está dividido entre Novo e Velho Mundo. Conheça os Grands Crus Classés produzidos por nossos vizinhos

por Luiz Gastão Bolonhez

Piti RealiMuitas pessoas pensam que os vinhos chilenos e argentinos só fazem sucesso no Brasil e que são simples e baratos. Hoje, temos na América do Sul desde vinhos com custo acessível até verdadeiras obras-primas. O conceito "super vinho" nasceu na Toscana, Itália, na década de 70. Nessa época, muitos produtores da região romperam com o consórcio local, que não permitia o uso de uvas "estrangeiras". Mais de vinte anos depois, os americanos criaram o conceito Super Tuscan. Os "Super Toscanos" são quase sempre vinhos à base da uva Cabernet Sauvignon e, na maioria das vezes, custam mais de US$ 100 a garrafa. Aqui no Brasil temos algumas que chegam a custar US$ 900.

Esse contágio mercadológico chegou recentemente ao Chile e algumas publicações criaram o Super Chilean Wine. Prevendo essa tendência entre nossos vizinhos, ADEGA vai além e lança o conceito dos vinhos Super Sul-Americanos, englobando os rótulos TOP dos produtores da América do Sul. Antigamente, haviam poucos vinhos produzidos nesta região acima de R$ 100. Hoje há mais de 100 rótulos que passam desse valor. Alguns chegam a custar R$ 500.

Tudo começa no Chile
Em 1987, a vinícola Concha y Toro decidiu fazer um vinho de alta gama proveniente de uvas de solo chileno. Nascia o Don Melchor, um Cabernet Sauvignon elaborado com uvas provenientes do Vale do Maipo, nas cercanias da capital Santiago, mais precisamente em Puente Alto. O que impressiona nesse vinho é sua regularidade. Após 1993, os Don Melchor´s sempre apresentaram muita qualidade.

Essa visão empreendedora partiu de Eduardo Gilisasti e Alfonso Larrain, dois dos principais acionistas da hoje líder em volume de litros de vinhos produzidos no Chile, e que está entre as cinco maiores vinícolas do mundo.

Esse foi o ponto de partida para outras vinícolas do país começarem a colocar, no papel, seus projetos de produzir vinhos premium.

A Argentina e o Uruguai despertam para os vinhos premium Para a felicidade dos enófilos dos quatro cantos do mundo, a Argentina também despertou para esse conceito. Nicolas Catena Zapata colocou no mercado seu vinho premium, o CatenaZapata Estiba Reservada. Desde a safra de 1991, esse vinho é sempre destaque entre os grandes vinhos do País. Com o tempo, a demanda por vinhos premium intensificou-se e até o Uruguai entrou na briga, produzindo vinhos de garage.

Desse país, o mais antigo ícone é o Prelúdio 1995, produzido pela família Deicas, em Canelones, nas imediações de Montevidéu. Uma obra de arte que tem em seu blend a predominância da uva Tannat, a variedade emblemática do País.

Joint-ventures e parcerias dão impulso à produção de super vinhos
O solo chileno é tão promissor que foi lá que as joint-ventures começaram a atrair capital de Países com tradição vitivinícola. O primeiro grande projeto surgiu da união de Alfonso Larrain, da Concha y Toro, com Madame Philippine de Rothschild, proprietária do Chateau Mouton Rothschild, em Bordeaux, na França. Os dois produtores decidiram criar um vinho ícone mais significativo do que o próprio Don Melchor, com uvas provenientes da mesma terra. A iniciativa é até hoje uma referência em tecnologia, inovação e vinho de qualidade em terras sul-americanas.

O resultado do projeto é o Almaviva, um dos precursores da "alavancagem" do vinho premium chileno ao redor do mundo.

Concha Y Toro/divulgação
Cave do Concha y Toro: a vinícola alavancou o estilo premium chileno

Quase simultaneamente ao desenvolvimento do projeto Almaviva, Aurélio Montes, da Viña Montes, preparava o seu vinho top chamado Montes Alpha M, continuação bem sucedida da linha Montes Alpha. Ainda no Chile, Robert Mondavi, no auge de seu sucesso, investiu no projeto Seña em parceria com o empresário local, Eduardo Chadwick.

O Seña teve seu lançamento na safra 1995, um ano antes da grande tacada da Concha y Toro no projeto Almaviva.

É um vinho que até hoje está entre os melhores produzidos no Chile, mesmo em safras difíceis. O Seña 2001 é o melhor exemplar já produzido e está a altura de qualquer vinho à base da uva Cabernet Sauvignon de qualquer canto do mundo.

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Em 1999, Chadwick lançou seu próprio vinho premium, o Viñedo Chadwick, cujas uvas vêm de uma micro-região ao lado do projeto Almaviva. São vizinhos de muro. O projeto atual do empresário é transformar esse vinho no número 1 do País. Para isso, decidiu colocar o Chadwick e o Seña em uma degustação às cegas ao lado de ícones de Bordeaux, como Margaux e Latour. A prova ocorreu em 2004, em Berlim, e ficou conhecida como Cata de Berlim, posteriormente repetida em outros países do mundo, como Japão e Brasil.

No Chile, além dos investimentos de mega empresários, a presença de excelentes profissionais do vinho foi fundamental para essa arrancada. É o caso do chileno de nascença (pai francês e mãe chilena), Patrick Valette, cujos familiares foram proprietários do hoje badaladíssimo Chateau Pavie, em Saint Emilion, na França. Há quase uma década, Patrick produz o espetacular vinho El Principal. A safra 1999 é espetacular e quase imbatível em degustações às cegas. O enólogo comprou terras em Apalta, uma das melhores sub-regiões de Colchagua, ao sul de Santiago, onde há parreiras muito antigas (80 anos) de Carmenére e outras variedades. E lançou, na safra de 2003, outro vinho premium, denominado Neyen.

Essas joint-ventures continuam a todo vapor. Ultimamente houve grandes investimentos no Chile como o projeto Altair, uma parceria entre os proprietários do Chateau Dassault, de Bordeaux, e a gigante Viña San Pedro, a segunda maior vinícola do Chile. Uma adega sensacional para produzir um vinho ícone de mesmo nome, na região de Cachapoal, ao estilo Almaviva.

Com o tempo, novas regiões foram exploradas e vales, antes quase desconhecidos, começaram a produzir maravilhas. O caso de maior destaque é o da vinícola Matetic, no novíssimo Vale de Leyda (Vale de Santo Antonio, ao sul de Valparaiso), que, logo nas primeiras safras, produziu o melhor Syrah chileno. No mesmo vale, também são produzidos os melhores Pinot Noirs do País, considerados rivais dos vinhos neozelandeses dessa variedade. Atualmente a Casa Marin é responsável por colocar no mercado os melhores Pinot Noirs da América do Sul. A tendência é que eles ganhem destaque no mundo.

Os franceses do renomadíssimo Chateau Lafite Rothschild, liderados pelo empresário Eric de Rothschild, iniciaram, em 1988, uma investida no País. Para comemorar os dez anos da vinícola no Chile, lançaram o vinho premium Le Dix de Los Vascos, talvez o que mais apresente o estilo Velho Mundo dentre os TOP chilenos. O Le Dix 2001 é um dos vinhos mais herbáceos dos premiuns chilenos. Eric não parou por aí e, em 2000, lançou, com Nicolas Catena, o seu vinho TOP na Argentina, o CaRo (Catena & Rothschild), um dos rótulos argentinos de maior procura nos últimos anos.

Christian Burgos
Michel Rolland: o enólogo francês investiu no terroir argentino

Na Argentina, houve nos últimos anos uma verdadeira enxurrada de novos produtores provenientes da Europa e dos Estados Unidos. Da Europa, uma forte presença de enólogos e investidores. Da Itália, Alberto Antonini, ex-enólogo chefe de Piero Antinori, tornou- se consultor de inúmeras vinícolas em terras portenhas. A família Masi, do Veneto, Itália, investiu pesado e comprou muitas terras na Argentina. Com projetos inovadores, eles lançaram um vinho chamado CorBec, um blend de Corvina (uva clássica do Veneto e espinha dorsal dos Amarones) com a uva emblemática da Argentina, a Malbec.

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A crítica, de modo geral, está elogiando esse vinho inovador produzido a partir de uvas 'passificadas', como são feitos os Amarones.

Noemi Cinzano, do conglomerado de mesmo nome, comprou terras na Patagônia e começou a produzir o mais denso vinho à base da uva Malbec na Argentina. O Noemía é o vinho mais caro de nosso continente. Da França, veio o consultor Michel Rolland, que, no Chile, foi o idealizador do Clos Apalta, da Vinícola Lapostole, um dos vinhos premium do País mais disputados e talvez o mais cobiçado atualmente nos EUA. Na Argentina, Rolland foi além de sua consultoria e investiu em terras, fundando, em conjunto com empresários franceses, o Clos de Los Siete, onde produz vinhos muito concentrados ao seu estilo, ou seja, robustos, encorpados, com muita fruta e madeira. Dentre os destaques de Rolland na Argentina estão os Monteviejo, em parceria com a vinhateira francesa, Catherine Verge, proprietária do Chateau Le Gay em Pomerol.

Catena Zapata/divulgação
Vinícola Catena Zapata: inspiração nos templos maias e produção de ícones

Ainda da França, a gigante LVMH tem no projeto Terrazas uma grande aposta e produz vinhos cada vez melhores. Na categoria premium, o destaque da empresa é o projeto Cheval des Andes, com a supervisão de Pierre Lurton, o enólogo responsável pelo ícone Chateau Cheval Blanc. O 2002 é muito especial e o primeiro grande vinho de Pierre na Argentina. Da Espanha vieram os Fournier, da Ribera de Duero, que construíram no Vale do Uco uma vinícola de padrão internacional. Seus vinhos denominados Alpha Crux estão entre os melhores premium da Argentina.

Além de estrangeiros, há alguns destaques regionais na Argentina que decidiram há algum tempo produzir grandes vinhos. Susana Balbo (enóloga) e seu esposo Pedro Marchwesky (viticultor) deixaram a Bodega Nicolas Catena Zapata para desenvolverem um projeto solo. Juntos lançaram a vinícola Domínio del Plata. Susana tem como seu super vinho o poderoso Briso, que ela mesma denomina de Ultra-Premium. Seu marido lançou, em 2004, o BenMarco Expressivo.

Esse vinho, delicioso e muito perfumado, foi um dos destaques de nosso último Enogoumert publicado na edição nº 17.

Na Argentina, também vale destaque a Bodega Nieto Senetiner, que lançou, no meio da década de 90, seu super vinho à base da uva Malbec batizado de Cadus Malbec. Um dos mais clássicos vinhos da Argentina e já considerado, pela crítica inglesa Jancins Robinson, o melhor Malbec do mundo.

ADEGA teve o privilégio de organizar uma degustação com 36 vinhos premium do Chile e da Argentina. Os chilenos estavam em maior número, com 22 vinhos. Dessa vez, eles se saíram melhores na avaliação. Na seção Cave desta edição, estão em destaque 22 dos mais estrelados vinhos Super Sul-Americanos. Que essas comparações sirvam sempre de estímulo ao mundo vitivinícola. ADEGA torce para que a saudável competição entre Chile e Argentina esteja sempre focada na melhoria crescente da qualidade. E mais, que a 'briga' prossiga, já que os beneficiados somos nós, os amantes de bons vinhos. Viva a América do Sul e salud!

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