O chef francês Erick Jacquin apresenta criações exclusivas para harmonizar com os vinhos sugeridos por ADEGA
por Luiz Gastão Bolonhez
O premiado chef Erick Jacquin preparou o enogourmet especial de aniversário de ADEGA |
Era sábado, 26 de agosto. Estávamos iniciando os preparativos para o enogourmet de aniversário da revista ADEGA. O ponto de encontro foi o La Brasserie, Higienópolis, em São Paulo. Cheguei na hora marcada e lá estava me esperando o francês de sotaque mais engraçado do Brasil, o genial Erick Jacquin. Nascido no Vale do Loire, mais precisamente em uma pequena cidade perto de Sancerre, ele veio ao Brasil trazido pelo proprietário do Restaurante Le Coq Hardy, onde fez história. Após o Le Coq, foi comandar a cozinha do Café Antique, no qual consolidou sua marca como um dos melhores chefs da alta gastronomia no Brasil. Há dois anos, Erick assumiu o La Brasserie e agora, como ele mesmo diz: “vocês não vão me agüentar”. Um homem de personalidade forte, mas que tem como principal combustível a paixão pela culinária. Sinceramente é um privilégio para um amante da boa mesa conversar, planejar um menu e por último degustar o que esse chef pode nos propiciar de puro prazer. Naquele sábado, já fui com algumas boas idéias sobre o que iríamos fazer para celebrar o primeiro ano da revista ADEGA, ou seja, estávamos falando de um enogourmet especial, pois tínhamos pela frente uma celebração a fazer. Ao iniciarmos nossa reunião de planejamento para o jantar, que aconteceria na sexta próxima (1º de setembro), apresentei minhas idéias sobre os vinhos que havia sonhado dias antes. Sugeri começar com um champagne rosé, pois celebrar com champagne é must, mas com rosé é transcendental. Em menos de cinco segundos, Erick respondeu com aquele sotaque: “Vou fazer um Foie Gras Grelhado com molho de Champagne”. E assim aconteceu por mais seis vezes. Eu sugeria o vinho e, como uma flecha, Jacquin criava o prato. Confesso com sinceridade que essa atividade é a que mais dá prazer a quem tem a enogastronomia como paixão.
" Le Foie Gras Parfumée au Champagne" |
"Pato Assado Dr. Ricardo" |
"Le Filet de Robalo a l'Huile d' Olive" |
"Le Filet de Robalo a l'Huile d' Olive" |
Como um feliz presságio, dois dias depois daquela reunião sobre o Enogourmet com Jacquin começava a semana que antecedia nossa grande celebração. Pois bem, tanto para Erick quanto para nossa revista tivemos uma excepcional semana. Na quarta feira, 30 de julho, batemos o recorde de acesso em nossa homepage com a matéria de capa Mulheres que Fazem Vinho, e Jacquin foi aclamado o grande campeão do prêmio Paladar do Jornal Estado de São Paulo, nas categorias “Alta Cozinha França Itália” e “Sobremesa”. Um detalhe: no primeiro prêmio recebeu 10 dos 11 votos possíveis dos felizardos jurados comilões, responsáveis pela escolha do melhor restaurante em cada categoria.
Para nós, mais uma alegria, o nosso último Enogourmet, em São Paulo, foi no Vecchio Torino, vencedor no quesito “Melhor Massa”. Ficamos felizes em constatar que a revista ADEGA está sintonizada com o que há de melhor em São Paulo quando o assunto é um bom prato e um bom vinho.
Enfim, chegou o grande dia: 1º de setembro. Como aquele famoso filme Thanks God it´s Friday – traduzindo: Até que enfim é sexta-feira. Estávamos lá em uma mesa de 10 afortunados para celebrar tantas coisas boas que aconteceram ultimamente, e mais especificamente na semana que acabava.
Os felizardos eram Miguel Cui (empresário) e esposa, Ronald Sclavi (jornalista e garimpeiro de Adegas – nosso colaborador nas horas vagas), Marusia Gomez (executiva), Bia Azevedo (jornalista), Mariana Mansur (executiva), Fábio Farah (editor executivo de ADEGA), Christian Burgos (publisher de ADEGA), eu (editor de vinhos) e, por último, um dos maiores gourmets do planeta, o cantor Ed Motta.
Esse apaixonado pela enogastronomia está, para alegria dos paulistas, passando uma temporada conosco depois de uma espetacular turnê de mais de três meses pela Europa. Segundo Ed, a turnê foi das Ilhas Canárias até a Dinamarca. Para ele, a turnê foi “a maior e mais intensa de sua vida musical”.
Os convidados ao banquete de ADEGA |
Para começar a celebração, nada mais nada menos que a combinação já mencionada. “Le Foie Gras Parfumée au Champagne”. O foie gras grelhado com molho rosado ralo à base de champagne e manteiga sinalizou que teríamos uma noite absolutamente inesquecível.
O brinde abriu as comemorações. Ed comentou: “O Jacquin é mesmo uma fera quando o assunto é foie gras. Ele grelha e depois coloca por uns minutos no forno para dar uma assadinha”. São nesses pequenos detalhes que o conhecimento de Ed, tanto na cozinha quanto na adega, aparece como destaque.
A segunda emoção foi absolutamente inesquecível. Tínhamos frente a frente o “Le Filet de Robalo a l´Huile d’Olive et Sél de Guerande” e o branco do Loire, homenagem ao chef, “Savennieres Clos de Papilon Domaine des Baumard 2002”. O robalo foi preparado com uma leve espuma de manjericão e toques de azeite extra-virgem. A montagem do prato foi com folhas de manjericão roxo. Erick é um craque no cozimento de peixes. “A textura do peixe estava sensacional”, comentou Christian. O casamento do aromático prato com o austero, seco e delicioso Savennieres foi esplêndido.
"Le Carré d'Agneau Rôti" |
O terceiro encontro à mesa foi o “Pato Assado Dr. Ricardo” com o “Nuits-Saint- Georges Aux Perdrix 1999” da Domaine de Perdrix. O pato, assado lentamente em um molho delicioso do próprio pato (rôti), com um pouco de vinho branco, servido com uma casquinha de laranja, combinou perfeitamente com a força desse raçudo Pinot Noir. Marusia comentou: “Um vinho maravilhoso com um prato opulento fez desse encontro uma aula de harmonização”.
A próxima experiência foi, para Ronald, a maior experiência de sua vida no quesito harmonia e complementaridade à mesa. O prato era o “Le Carré d´Agneau Rôti, Ragout de Lentilles Vertes” e o vinho o “Chateauneuf du Pape Les Bien Aimés 2000”, da Domanine de Villeneuve. A costeleta de cordeiro foi assada e servida com um ragout de lentilhas verdes com redução de vinho. O prato era pura força e precisava de um vinho que tivesse presença e ao mesmo tempo muita personalidade. Fazer uma combinação com a marcante carne do cordeiro acompanhada pelas lentilhas, com qualquer vinho, seria um desafio.
Pois bem, o vinho, eleito por muitos o melhor da noite, se encarregou de abençoar o prato preparado pelo chef Jacquin com total perfeição.
“Le Roquefort et Pruneaux aux Vin de Porto” |
A última “salgada” etapa dessa nossa maratona foi a harmonização entre o “L´Entrecôte Argentine au Saveur de Truffe” com o explosivo dourense “Quinta do Vallado Reserva 2003”. O prato, uma novidade para muitos. A carne – um original entrecote argentino – rosada, com seu contorno tostado aromatizado com azeite de trufa, casou incrivelmente bem com exuberante Vallado. Bia Azevedo comentou: “Deliciosa combinação. A carne precisava de um vinho com muita fruta, tanto no olfato quanto no palato. Esse Vallado tem até toques doces no final, o que harmonizou muito bem com o perfume do azeite trufado”.
Os dois últimos desafios eram bem mais fáceis do ponto de vista da harmonização. O primeiro, um clássico encontro. De um lado, o “Le Roquefort et Pruneaux aux Vin de Porto”, do outro o “Quinta do Crasto Vintage Port 2000”.
O detalhe foi a mão de Jacquin, que preparou uma ameixa preta cozida ao vinho do Porto para que a combinação clássica fosse ainda mais especial. O sal do queijo mesclado com a calda grossa da ameixa fez no palato um encontro sublime, complementado pela intensidade do Porto. “Pura perfeição”, foi a frase final de Farah.
Não podíamos, depois do queijo e estando na casa de um campeão nas sobremesas, deixar de nos deliciar com a “La Mousse de Fromage Blanc au Coulis de Fruits Rouges”, acompanhada pelo opulento “Sauternes Chateau Rayne Vigneau 1990”. A sutileza do mousse de queijo branco a base de leite de vaca com o delicioso coulis – molho de frutas vermelhas –, acompanhada pela exuberância do Sauternes, finalizou a noite com uma certeza: Que jantar! Jacquin, já entre nós, comentou: “Essa sobremesa, principalmente as frutas vermelhas, combina com perfeição com esse maravilhoso Sauternes”. Ed Mota fechou o jantar dizendo: “Provei um “d´Yquem 1995” essa semana e este vinho está no mesmo nível”.
“La Mousse de Fromage Blanc au Coulis de Fruits Rouges” |
Ed Motta e eu lembramos durante o jantar de um vinho que provamos juntos em Porto Alegre, há exatamente 10 anos. Coincidentemente também foi um bordeaux 1990, o “Chateau Leoville Las Cases”. E lembrando de bons momentos e bons vinhos, brindamos pela última vez, naquela noite, com a taça do “Rayne Vigneau” nas mãos.
#Q#Antes de começarmos a análise dos vinhos do Enogourmet vale destacar a delicadeza das trufas de chocolate que degustamos com chá, no final. E principalmente pela gentileza da chef Carolina Zardi, que veio à mesa explicar como as trufas são feitas. Um must! Não deixem de experimentar.
Vinhos da Noite
Laurent-Perrier Cuvée Rosé
Champagne, França (Aurora, R$ 341,42)
Esse champagne foi o primeiro rosé da década de 60 a ser elaborado com maceração, e não pela adição de vinho tinto no blend final. Cor rosa salmão, apresentando bolhas finíssimas e abundantes. Aromas deliciosos com muita fruta vermelha (destaque para morangos e framboesas). Na boca é monumental com muita profundidade, elegância e uma acidez na medida. Sem dúvida um dos melhores champagnes rosés não safrados do mercado. Prontíssimo para ser degustado.
Savennieres Clos du Papilon 2002
Domaine des Baumard – Vale do Loire, França (Mistral, R$ 120,35) Cor translúcida com leves toques esverdeados. Aromas intrigantes com destaque para toques minerais e florais. Na boca é seco e com muita personalidade. Muito complexo com nuances de frutas secas e mel. Seu final é absolutamente espetacular e mostra que a uva Chenin Blanc pode produzir maravilhas desde que cultivadas com esse objetivo. Uma obra de arte. Delicioso hoje e com muita vida pela frente.
Nuits Saint Georges “Aux Perdrix” 1999
– Domanie de Perdrix Borgonha, França (World Wine La Pastina, R$ 272,00)
Rubi violáceo intenso. Sua cor mostra que se trata de um borgonha de mais intensidade que o normal. Seus aromas confirmam uma força acima da média para um Pinot Noir da Borgonha. Encontramos cereja negra e um carvalho com muita elegância. No palato é opulento, intenso e delicioso. Para amantes de vinhos mais encorpados e ao mesmo tempo fãs de vinhos à base da Pinot Noir, essa garrafa é uma dica especial. Mais um borgonha 1999 que mostra que essa safra foi diferenciada na região. Muito bom hoje e com mais 10 anos de boa evolução na garrafa.
Chateauneuf du Pape “Lês Bien Aimés” 2000
– Domaine de Villeneuve Rhône, França (WorlWine La Pastina, R$ 290,00)
Retinto na cor mostrando na taça bastante densidade. Para quem esperava um Chateauneuf típico, com aqueles toques terrosos, se enganou. Talvez pudéssemos levar isso em consideração, mas não é o nosso caso. Esse vinho é muito moderno apresentando aromas de fruta madura com destaque para cerejas e ameixas pretas. Tem, ainda no olfato, um leve toque de café no final. Na boca é explosivo, pois sua fruta é realmente marcante. Sua composição é 40% de Syrah com 15 anos, 40% de Grenache com 60 anos e 20% de Mourvédre de 30 anos. Esse vinho natural envelheceu durante 24 meses em barricas de carvalho francês. Uma experiência ímpar. Muito prazeroso hoje e com mais 10 anos de evidente evolução.
Vallado Reserva 2003
Quinta do Vallado, Douro, Portugal (Expand, R$ 185,00)
Lindo rubi profundo. Aromas de fruta negra e vermelha com uma maturação incrível. Isso é fruto do escaldante calor que o Douro foi acometido em 2003.
No início muita preocupação, depois só alegria, pois em 2003 foram produzidos os vinhos mais potentes que essa região já viu. Esse vinho é composto pelas seguintes uvas: Tinta Roriz, Tinta Barroca, Tinta Amarela, Touriga Nacional, Sousão e Touriga Franca. A complexidade proveniente dessa miscelânea de uvas faz desse vinho uma marca do Douro. Na boca é intenso e encorpado com um final impressionante. Pode ser degustado hoje, mas vai melhorar com mais um ano de garrafa. Pode envelhecer seguramente por mais cinco anos. Para os amantes de vinhos fortes e com muita personalidade. Um vinho com características do Novo Mundo produzido em uma das regiões de maior potencial evolutivo na Europa.
Vintage Port 2003
Quinta do Crasto – Porto – Portugal (Qualimpor, R$ 540,00, a caixa com três garrafas)
Retinto. Seu olfato é muito interessante. Fruta e madeira de boa qualidade. Também podemos encontrar couro, café, chocolate e baunilha. Na boca é vigoroso e presente. Hoje a Quinta do Crasto é um fenômeno, pois produz, além de Portos de excelente qualidade, vinhos de mesa de alta expressão. Esse porto já é muito acessível, com mais alguns anos de garrafa estará melhor. O ano de 2000 foi um grande ano para Portos Vintage.
Chateau Rayne Vignaeu 1990
Sauternes, França (Casa do Porto, R$ 480,00)
No século passado, esse Chateau era a grande sombra do Chateau d´Yquem. Infelizmente no século XX houve um descuido, mas a partir da excepcional safra de 1985 aconteceu o renascimento da propriedade. O “Rayne 1990” é, sem dúvida, um vinho de exceção. Sua cor é dourada, mostrando, logo no primeiro momento, muita viscosidade. Seus aromas são marcantes. Muito abacaxi, pêssego e mel. Na boca é impressionantemente profundo. Fruta, elegância e uma acidez na medida. A safra de 1990 foi sem dúvida uma das melhores da história para a região de Sauternes. Prontíssimo para ser degustado, finalizando com uma persistência quase infinita e muita elegância. Um grande e especial vinho doce.
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