Em uma Itália pós-guerra, tudo o que eles queriam era se distanciar do minguante estilo do Chianti
por André De Fraia
Duas famílias, os Antinori e os Incisa della Rochettaforam, foram os responsáveis por criar esse vinho fora da lei
O nome impressiona, empodera para usar um termo atual.
Mas o que significa ser um Supertoscano?
Supertoscano foi o nome dado aos vinhos que não obedeciam às normas de produção da principal denominação de origem toscana na época, o Chianti.
E qual era o crime deles?
Utilizar castas francesas em solo italiano.
Até então, a receita básica para os vinhos Toscanos era utilizar o máximo de Sangiovese possível e, se necessário, completar com Canaiolo e Malvasia.
Porém, na década de 1960 o Chianti e seu estilo estavam em decadência. Uma Itália pós-guerra e tentando se modernizar acabou deixando o antigo estilo de produção para trás e o vinho toscano minguava.
Assim, alguns produtores não queriam ir apenas contras regras de Chianti – a denominação tinha sido criada em 1967, mas sim fugir desse estilo que passava por uma decadência.
E duas famílias, os Antinori e os Incisa della Rochetta, que no fundo são primos, foram os responsáveis por criar esse vinho fora da lei.
Niccolò Antinori testou algumas cepas francesas na Toscana no início do século 20. Mais tarde, o jovem Mario Incisa della Rocchetta também resolveu testar variedades, especialmente a Cabernet Sauvignon, na propriedade que sua esposa, Clarice della Gherardesca, havia herdado na região de Bolgheri, a Tenuta San Guido.
Para dar a cara ao vinho contaram com um enólogo chamado Giacomo Tachis.
E nascia os Supertoscanos.
Afinal, se a ideia de trazer variedades francesas para a Toscana partiu dos Antinori e dos Incisa della Rocchetta, a maneira de trabalhar o vinho, o blend e especialmente a introdução do envelhecimento em barricas deve-se, em grande parte, a Tachis. Assim, ele tem parte tanto na criação do Sassicaia quanto do Tignanello, e também do Solaia, um vinho criado como experimento, em 1978, com Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc também pelos Antinori.
Tachis é considerado o pai dos Supertoscanos.
É claro que a rebeldia dos produtores não passou em branco e, na época, seus vinhos foram rebaixados à categoria “vino di tavola” – cujos preços tendiam a ser os mais baixos do mercado. Somente em 1992 é que foi criada a Indicazione Geografica Tipica (IGT), classificação menos restritiva que abarcou esses vinhos “fora da lei”.
A fama dos Supertoscanos, contudo, veio antes disso.
Os primeiros exemplares foram bem recebidos por consumidores e críticos, mas a consagração veio mesmo em 1978, uma década após a primeira safra: Sassicaia venceu um importante concurso com exemplares de Cabernet Sauvignon do mundo todo promovido pela revista americana Decanter. Alguns anos depois foi a vez de Robert Parker dar 100 pontos para o Sassicaia da safra 1985.
Mas ele não foi o único a chamar a atenção.
Juntaram-se a ele os “primos” Tignanello e Solaia, além de Ornellaia, criado em 1985 por Ludovico Antinori. E ainda o Siepi, vindo de um vinhedo dos Mazzei plantado com Merlot nos anos 1980; o Masseto, um Merlot 100% da Tenuta dell’Ornellaia criado em 1986; o Redigaffi, outro Merlot 100% desta vez da Tenuta Tua Rita.
Vale lembrar que os vinhos considerados Supertoscanos não são somente aqueles que levam castas “proibidas” pelas denominações de origem tradicionais da Toscana, especialmente Chianti. Muitos são Sangiovese puros e, ainda assim, considerados Supertoscanos, porque desobedecem a outras regras que englobam não somente as variedades, mas os métodos de produção.
Atualmente, aliás, alguns Supertoscanos até poderiam pertencer à denominação Chianti, uma vez que, depois de algumas atualizações, ela já não obriga, por exemplo, o uso de variedades brancas no blend. E também não impede que um vinho seja 100% varietal.
Ainda assim, a revolução e a fama dos Supertoscanos abriu novas possibilidades aos produtores da região, que criaram uma saída para a crise e hoje colhem os frutos de sua ousadia.
Apesar de até hoje ter uma certa disputa entre as famílias Antinori e Incisa della Rochetta, quando se trata de quem produziu o primeiro vinho Supertoscano – um lado diz que o pioneiro foi o Sassicaia 1968, o outro rebate que o Tignanello 1970 foi o primeiro a sair no mercado – o que permanece é a revolução causada por esses vinhos, em uma época turbulenta da vitivinicultura italiana, que proporcionou grande incremento qualitativo nos anos seguintes.
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