O economista Orley Ashenfelter afirma que modelo matemático pode antecipar evolução dos vinhos e seus preços
por Arnaldo Grizzo
Orley Clark Ashenfelter é um professor de economia da prestigiada universidade de Princeton, Estados Unidos. Mas também é um amante de vinhos. Nos anos 1980, percebendo que precisava compreender melhor os preços dos seus vinhos preferidos (Bordeaux) para que coubessem dentro de seu orçamento, ele resolveu colocar a matemática a seu favor para tentar prever o valor futuro e saber em quais rótulos realmente apostar.
“Como os vinhos de Bordeaux têm um sabor melhor quando mais velhos, há um incentivo óbvio para armazená-los até atingirem a maioridade. Como resultado, existe um mercado ativo para vinhos mais jovens e mais velhos. Mas não é tão óbvio saber quão bom será um vinho quando amadurecer. Essa ambiguidade deixa espaço para especulação e, como resultado, o preço do vinho em sua juventude muitas vezes não corresponde ao preço quando amadurece. Sendo assim, meu objetivo é estudar como o preço dos vinhos maduros pode ser previsto a partir dos dados disponíveis quando as uvas são colhidas, e depois explorar o efeito que isso tem nos preços iniciais e finais desses vinhos”, escreveu Ashenfelter.
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Mas como fazer isso sem provar os vinhos? Na época, não seria melhor “ouvir” o que os críticos como Robert Parker estavam falando, acompanhar suas notas e previsões? Para ele, isso não era suficiente e, confiando nas estatísticas, decidiu verificar os padrões e criar uma fórmula. Sendo assim, passou a estudar a relação entre o clima durante a estação de crescimento das uvas e a qualidade do vinho que elas produzem.
Ashenfelter começou então a juntar dados. Em um primeiro momento, ao analisar dados de seis importantes châteaux (Lafite, Latour, Cheval Blanc, Cos d’Estournel, Montrose e Pichon Lalande) sobre os valores iniciais de suas garrafas das safras da década de 1960 e depois em leilões nos anos 1990, concluiu que “boas safras produzem bons vinhos em todos os vinhedos e os melhores vinhos são produzidos nos melhores vinhedos em todas as safras” [seria o dilema Tostines aplicado ao vinho?].
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“Uma análise estatística mais avançada revela que apenas as informações sobre o château e a safra explicam mais de 90% da variação dos preços. Em suma, não há muito espaço para outros fatores desempenharem um papel muito importante na determinação de preços”, apontou.
Em sua análise, o economista atestou, obviamente, que “quanto mais velho um vinho, maior é o seu valor”, mas havia variações “nos preços médios entre safras que não são explicados”. Segundo ele, contudo, a análise dos efeitos da idade por si só produz um modelo que explica apenas pouco mais de 20% da variação do preço médio das safras de vinho de Bordeaux, sugerindo que o clima é um determinante extremamente importante da qualidade de uma safra e o preço do vinho na maturidade.
Então, ele se focou no clima. Apesar de saber que “o efeito do clima na qualidade e no preço do vinho deveria ser testado com um experimento controlado em laboratório, mas isso obviamente não é viável, pois não há como controlar o clima na França”, ele teve que confiar nos chamados “experimentos naturais”.
Um experimento natural é um conjunto de circunstâncias que ocorre naturalmente (ou pelo menos é externo ao nosso controle) e exibe variação suficiente nas variáveis que estão sendo testadas para que seus verdadeiros efeitos possam ser extraídos. O caso do clima em Bordeaux apresenta um experimento natural “muito bom”, pois difere bastante de ano para ano e a qualidade das uvas é registrada o suficiente (através dos preços dos vinhos) para medir os verdadeiros efeitos do clima na qualidade.
Em sua análise, Ashenfelter criou um modelo que inclui quatro variáveis, a idade da colheita, a temperatura média ao longo da estação de crescimento (abril-setembro), a quantidade de chuva em setembro e agosto, e a quantidade de chuva nos meses anteriores à vindima (outubro-março). Para ele, isso explicaria cerca de 80% da variação do preço médio das safras de Bordeaux.
Depois de algum tempo, toda a sua análise resultou em uma fórmula:
Qualidade do vinho = 12,145 / (0,00117 * Precipitação de Inverno) + (0,0614 * Temperatura Média da Estação de Crescimento) — (0,00386 * Precipitação da Colheita)
Na época, a maioria, obviamente, zombou de Ashenfelter. Parker chegou a dizer que a fórmula era “ridícula e absurda” e que “odiaria ser convidado à casa dele para beber vinho”. Mas outros matemáticos, como o prêmio Nobel Daniel Kahneman, acharam a proposta interessante. “A fórmula de Ashenfelter é extremamente precisa. A correlação entre suas previsões e os preços está acima de 0,90”, disse na época. Ou seja, a fórmula funciona 90% das vezes.
“Com base em dois testes informais, decidi em 1991 prever que as safras de 1989 e 1990 em Bordeaux provavelmente seriam excelentes. Muitos críticos de vinho não concordaram com essa previsão na época. Nos anos que se seguiram, os pensamentos mudaram; e agora há um acordo praticamente unânime de que 1989 e 1990 são duas das safras mais notáveis dos últimos 50 anos”, conta Ashenfelter.
Apesar de ridicularizado por alguns, ele fez as previsões e um grupo 600 investidores apostaram em sua fórmula. “Ele riu por último porque ganhou muito dinheiro para seus investidores em ‘futuros de vinhos’ apostando contra a casa”, escreveu a evista Forbes em 2014. Ainda assim, sua fórmula segue sendo questionada.
Como ele explica, por exemplo, safras como 1982, que são um fenômeno até hoje? “Foi um ano quente, embora não especialmente seco, e os vinhos devem ser bons. No entanto, o que aconteceu com esses vinhos é bastante notável, com seus preços praticamente ganhando vida própria.
Hoje, os vinhos desta safra custam o dobro e o triplo das safras superiores de 1989 e 1990, e não há indicação de que haverá alguma correção. Isso sugere que o mercado de leilões pode ter evoluído para incluir duas classes de compradores, aqueles que compram pelo vinho e aqueles que simplesmente procuram um símbolo de status.
Os vendedores da década de 1982 são os primeiros, enquanto os compradores são os últimos. O fenômeno da safra de 1982 traz sérios problemas para quem gostaria de investir em vinho, mas não o consumir. Como prever que uma safra se tornará um símbolo de status?
Para aqueles que consomem seus vinhos, anomalias como 1982 não causam problemas – eles simplesmente compram os vinhos com base em fundamentos, e depois bebem os vinhos que não valorizam e vendem os que valorizam. Os investidores em vinho, infelizmente, não têm a metade mais agradável dessas duas opções”, relata.
Por fim, Ashenfelter questiona: “Por que os compradores ignoraram a evidência de que o clima durante a estação vitivinícola é um determinante fundamental e facilmente mensurável da qualidade dos vinhos maduros?”.
Mas o professor parece não se importar com o que os outros pensam ou deixam de pensar. Ele criou uma associação de economistas do vinho – a American Association of Wine Economics, da qual é presidente – e decidiu produzir seus próprios rótulos ao comprar vinhedos em Nova Jersey.
Ele estudou o clima e concluiu que poderia reproduzir os vinhos de estilo Bordeaux por lá. Atualmente, ele vende suas uvas para a vinícola Cedar Rose, que fez uma cuvée chamada Ashenfelter Vineyards, um Cabernet Sauvignon que custa US$ 35 na safra 2019. Quando ele valerá no futuro?