A Copa, com vinho da África

Holandeses, ingleses, Apartheid. Vários fatores influenciaram a produção sul-africana nos últimos anos. Agora, que venha a Copa do Mundo!

por Marcelo Copello

fotos: divulgação

Natureza exuberante, rica diversidade cultural e de terrois, vinhedos banhados pelo sol e refrescados pelo vento frio de dois oceanos e a mais antiga tradição na produção de vinhos no dito Novo Mundo. Isso tudo está na África do Sul, país que se prepara para receber a Copa do Mundo de futebol em 2010 – um projeto que não deixou de fora os vinhos.

Histórico
O holandês Jan van Riebeeck, governador do Cabo, implantou vinhedos na região em 1655 e, em 2 de fevereiro de 1659, o primeiro vinho do Novo Mundo foi produzido. O lendário vinho sul-africano, Vin de Constance, por exemplo, um branco doce à base de uvas Muscat já tinha admiradores no século XVIII em todo o mundo.

A produção e exportação, contudo, só tomou impulso a partir de 1805, quando os ingleses tomaram a Cidade do Cabo. A Inglaterra – grande consumidora, mas não produtora – passou a importar vinhos sul-africanos em substituição aos da França Napoleônica, então em guerra com o Império Britânico.

A produção do país era de vinhos e destilados de baixa qualidade e só ganharia em excelência na década de 1970, depois de Estados Unidos e da Austrália já terem fama mundial. A lei de “Wine of Origin” (vinho de origem), copiada da Europa, foi elaborada em 1972 e implementada no ano seguinte. Mas, a verdadeira entrada no mercado só aconteceu após o fim da política do Apartheid, em 1992, quando os sul-africanos voltaram a participar do comércio global.

Cultura
A República da África do Sul é o país mais meridional do continente africano, com extenso litoral (2798 km), banhado pelos oceanos Atlântico e Índico. O mesmo vento frio que provocou o naufrágio de muitos navios no outrora conhecido como “Cabo das Tormentas” (nome dado pelo navegador português Bartolomeu Dias, primeiro a dobrá-lo e que depois passaria a ser chamado de “Cabo da Boa Esperança”) é a “brisa” que refresca os vinhedos do país.

A diversidade cultural, linguística e religiosa do local é única. São 11 línguas oficiais, que incluem africaner (derivado do holandês), inglês, zulu, xhosa e outros idiomas bantu. Os negros são 80% da população, mas só tiveram representação política com o fim da do sistema de segregação racial. A primeira eleição democrática ocorreu em 1994 e levou ao poder o líder Nelson Mandela. Esta diversidade se reflete na culinária, nas artes e, onde mais nos interessa, nos vinhos.

Produção
Depois que entrou em sua fase democrática, as exportações de vinho sul-africano cresceram 335% (entre 1995 e 2007). Hoje, a África do Sul é o nono produtor mundial, com cerca de 750 milhões de litros. Atualmente, no país, há 102 mil hectares de vinhedos, por volta de 4 mil viticultores e 600 produtores/engarrafadores de vinho. As exportações ultrapassam 190 milhões de litros e cerca de 60% delas se destina aos três países europeus que historicamente mais influenciam a cultura sul-africana: Inglaterra, Alemanha e Holanda.

O consumo interno, no entanto, vem caindo nas últimas décadas e, atualmente, é de apenas cerca de nove litros por habitante, o que têm motivado os produtores do país a enviar seus produtos para o exterior cada vez mais. A África do Sul exporta não só vinhos, mas também mudas. Muitos dos fermentados brasileiros, por exemplo, são feitos com mudas de lá.

Terroir
As condições gerais são bastante favoráveis à vinha, pois há ausência de pragas, muitos vinhedos irrigados (sem controle de rendimento máximo) e clima ameno. A corrente de Benguela, vinda da Antártida, torna o clima mais moderado do que a latitude sugere, mais para mediterrâneo do que para tropical. O carvalho novo é amplamente usado: francês, americano, esloveno e húngaro. Os tipos de solos são os mais variados. Só em Stellenbosch (a região mais importante) existem mais de 50 tipos de terrenos, o que proporciona uma boa gama de vinhos.

Uvas
Quanto às uvas cultivadas, a campeã (de quantidade, não de qualidade) é a Chenin Blanc, chamada localmente de Steen. Atualmente, ela ocupa 19% dos vinhedos do país (em 1990 ocupava 32%). Entre as brancas, Chardonnay e Sauvignon Blanc também marcam presença, com 9% e 8% dos vinhedos respectivamente. Há ainda a Sémillon sul-africana, que merece atenção. Apesar de ser pouco plantada, tem potencial excepcional.

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Fachada da Nederburg, fundada em 1791, e cave da Fleur Du Cap

Nas tintas, a mais plantada (13%) e mais importante para os vinhos de alta gama é a Cabernet Sauvignon, que, muitas vezes, aparece em excelentes cortes bordaleses (com Merlot, Cabernet Franc, Petit Verdot e Malbec). A grande uva em ascensão é a Syrah que, em 1990, cobria apenas 1% dos vinhedos, mas agora se estende por 10% da área plantada, gerando ótimos caldos.

Pinotage – símbolo sul-africano
A uva símbolo do país é a tinta Pinotage, criada pelo professor Abraham Perold em 1925, através de um cruzamento da Pinot Noir com a Cinsaut. Em 1959, o primeiro vinho trazendo em seu rótulo o nome “Pinotage” foi comercializado e, em 1995, foi criada a “Pinotage Association”, unindo produtores locais de vinhos desta uva. Os Pinotage possuem uma característica nota doce no aroma e no paladar, normalmente descrita como verniz. É versátil e, dependendo do tratamento, produz desde líquidos leves, até os mais encorpados, para estágio em carvalho e garrafa.

Wine of Origin
Para comprar vinhos deste país, leia no rótulo “Wine of Origin”, acrescido do nome da região. São cerca de 70 denominações reconhecidas, nos níveis “region”, “district”, “ward” e “estate”. Algumas das bem cotadas são: Stellenbosch, Paal, Tullbagh, Swartland, Constantia, Durbanville, Robertson, Klein Karoo, Olifants River, Orange River, Walker Bay e Worcerter. Aproximadamente 75 tipos de castas são autorizadas para produção de W.O. e o nome da casta pode constar no rótulo desde que 75% (85% desde 2006) do vinho seja desta uva.

Vinícolas visitadas
Nederburg
Fundada em 1791 em Paarl, por Philippus Wolvaart, a Nederburg é uma referência histórica em enologia na África do Sul. Em 1937, foi comprada por Johann Georg Graue, imigrante alemão de uma família de produtores de cerveja, que, com seu filho, Arnold, introduziu a fermentação a frio no país.

Após a morte de Arnold em um trágico acidente aéreo em 1956, o enólogo assistente, também alemão Günter Brözel, assumiu a empresa. Brözel se tornou uma grande influência na produção de vinhos de qualidade em todo o país e introduziu uma série de inovações, como a elaboração de produtos botrytizados. Desde 2001, esta camisa de peso é vestida pelo romeno Rasvan Macici, que comanda a equipe técnica da casa.


Os vinhos da Nederburg são considerados “sempre uma compra garantida”, por sua qualidade consistente e credibilidade conquistada ao longo de mais de dois séculos de história. A Nederburg é o produtor oficial dos vinhos da Copa do Mundo de 2010. A linha “Fifa Limited Edition” é composta por tinto e um rosé, ambos Cabernet Sauvignon e um branco Sauvignon Blanc.

Fleur Du Cap
Visitamos o Die Bergkelder Wine Centre, em Stellenbosch, centro de vinificação e showroom da Distell. Lá, 17 mil toneladas de uvas são processadas todos os anos. O complexo, construído em 1968, é equipado para receber turistas e oferece loja, museu do vinho, degustações e visitas guiadas. São produzidas todas as marcas de maior volume da empresa, incluindo o JC Le Roux, espumante mais vendido na África do Sul. A linha Fleur Du Cap é a menina dos olhos dos enólogos – a responsável é Andrea Freeborough – deste centro e ficou conhecida pela boa relação custo-benefício (especialmente os “Unifiltered”).

Plaisir de Merle
Localizada no Franschhoek Valley, em Paarl, a fazenda Plaisir de Merle existe desde 1687, fundada pelo francês huguenote (seguidor do protestantismo calvinista) Charles Marais. Com 974 hectares de área total, esta é uma das maiores propriedades vinícolas da região. Até 1993, o local apenas fornecia uvas para a Nederburg, mas, desde então, tem sua produção própria, de alta qualidade. O enólogochefe, Neil Bester, conta com a consultoria de um nome importante, Paul Pontalier, do Château Margaux, onde Bester trabalhou até assumir a Plaisir de Merle em 1993. A linha se mostra como o melhor conjunto de vinhos provados na visita ao país, de estilo elegante e equilibrado.

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