Política, amor e rebeldia dão o tom perfeito para essa lenda do século 18
por Silvia Mascella Rosa
Era uma vez, um povoado da época medieval ao sul da Espanha, conhecido por Requena. As casas da cidade possuíam vinhedos e hortas. Dentro delas existiam portas que se abriam para escadas que levavam a uma construção subterrânea, onde os moradores armazenavam alimentos e faziam vinho.
O jovem Nicolás era filho de um proprietário de grandes vinhedos, conhecido como Marquês Andrés. Nicolás havia estudado enologia e passado um tempo na França. Tentava, sem sucesso, convencer seu pai a fazer seu próprio vinho e não a vender as uvas. O pai não cedia.
Nesses tempos, no século 18, o rapaz se apaixonou pela filha do prefeito da cidade, inimigo político de seu pai. Diante do amor impossível, Nicolás decidiu sair, nas noites sem lua, com uma capa negra para visitar sua amada. E decidiu, também, colher as melhores uvas de seu pai nas noites enluaradas e fazer seu próprio vinho.
Mas em pequenas cidades, quem pouco vê diz que muito sabe. E passou a correr uma história de que havia um fantasma que saia nas noites sem lua para caçar almas rebeldes e nas noites enluaradas para roubar uvas dos vinhedos. Deram a ele primeiro o nome de Ladrão de Uvas e depois de Ladrão de Luas.
O pai de Nicolás, sem saber das atividades do filho, montou uma emboscada com homens de confiança, pois achava que eram funcionários de seu adversário (o prefeito e pai da amada de Nicolás) que roubavam as uvas para prejudicá-lo. Numa noite de lua cheia, num mês de setembro, Nicolás estava feliz, pois havia provado do vinho novo e estava satisfeito com o resultado.
Decidido a ir ver sua amada, aproveitou-se que a lua estava encoberta para ir até a casa dela. Mas era um eclipse. Quando a lua reapareceu, os homens de seu pai viram o vulto na rua e atiraram sem fazer perguntas.
Depois do enterro de Nicolás, seu pai, tomado de profunda tristeza, não saiu mais de casa. Até que foi informado sobre o descobrimento de uma cave subterrânea, sob a casa de seu filho. Lá chegando, descobriu que no local existiam doze tinas de barro de dois metros de altura cada. Dentro delas, o melhor vinho que ele já havia provado em sua vida. Nesse momento, o Marquês decidiu que faria seus próprios vinhos em homenagem à memória de seu filho.
A lenda circula livre, como Nicolás, até hoje na cidade de Requena, mas a verdade é que a bodega subterrânea existe e está aberta para visitação. Chama-se Bodega Honda e fica no centro histórico da cidade. Quem a administra é a Vinícola Ladrón de Lunas, fundada no começo do século 20, localizada na Denominação de Origem de Utiel-Requena, perto de Valência. Vale a viagem tanto pela lenda quanto pelo passeio histórico e degustação.