''A oposição entre Velho e Novo Mundo é falsa"

Jonathan Nossiter, diretor do polêmico documentário Mondovino, revisita a sua obra e fala sobre a virulência de Michel Rolland

por Fernando Roveri

"Vinho é amizade entre as pessoas", diz Nossiter

Se George W. Bush tem um grande inimigo no cinema, como Michael Moore, diretor de Fahrenheit 11 de Setembro, o mercado vitivinícola tem uma personalidade que se encaixa no mesmo quesito: o cineasta Jonathan Nossiter. Lançado em 2004, o documentário Mondovino, que alerta para a padronização dos vinhos, é tão vasto que virou uma série de dez capítulos de 60 minutos cada, disponível, na França, em quatro DVDs. Enquanto trabalha em uma comédia sobre os "gringos", gravada no Rio de Janeiro, onde vive com a esposa, o diretor não deixa de lado a paixão pelos vinhos. Ele acaba de assinar a carta do restaurante Aprazível, seguindo critérios pessoais. Em entrevista à ADEGA, ele fala sobre o confronto entre os estilos de vinho do Velho e do Novo Mundo. E contraataca as críticas de Michel Rolland, o enólogo francês mais famoso e requisitado do mundo.

As suas opiniões, expressas em Mondovino, mudaram após o lançamento do documentário, em 2004?
Muito, mas foram mudanças mais complexas sobre esse assunto. O filme tem uma visão tolerante, com lugar para todas as opiniões, inclusive com um lado polêmico. Mesmo porque no mundo do vinho há opiniões diferentes. Houve uma grande repercussão após o lançamento, do Japão até a França, de Buenos Aires até os Estados Unidos.

Achei isso muito interessante. Algumas pessoas ficaram insatisfeitas e disseram que fiz uma análise muito dura.

De que forma o filme ainda repercute em sua vida?
Recebi o presente mais lindo que o mundo do vinho poderia me trazer: amigos. O filme me colocou em contato com artistas da terra e da natureza de todo o mundo. Tenho amizades em mais de trinta países, incluindo viticultores que gostaram do "batepapo" que foi o Mondovino. Para mim, vinho é isso, a amizade entre as pessoas.

Qual foi o inimigo mais virulento?
Infelizmente, a pessoa que reagiu com uma violência incrível foi Michel Rolland. Ele fez muitas ameaças e ameaçou me processar, pois disse que houve manipulação. Ele se sentiu incomodado sobre o uso do poder que ele tem, sobretudo na América Latina, onde o impacto de seu trabalho, na Argentina, no Chile, e também no Brasil, é muito grande.

Na sua opinião, Michel Rolland descaracteriza o terroir?
Ele faz "vinhos-geléia", muito alcoólicos e doces. Fiquei assustado quando vi que, em avaliações de vinhos brasileiros, os vinhos de Michel Rolland sempre eram considerados os melhores, quando, na minha opinião, verdade havia outros muito superiores.

Descobri que há vinhos maravilhosos feitos por pequenos produtores no sul do país, com baixo teor alcoólico e acidez na medida certa, como o Cabernet Sauvignon da Cave Amadeu, por exemplo, ou os vinhos produzidos por Luiz Henrique Zanini. Na minha opinião, eles representam a expressão da viticultura brasileira, e o que é melhor, harmonizam muito bem com a comida.

#Q#

Como foi o encontro pessoal de vocês após o lançamento de Mondovino?
Eu o vi duas vezes, em dois eventos. Ele foi hostil. Soube que algumas pessoas disseram a ele: "Michel, foi você que disse tudo aquilo, não o diretor". Em um desses eventos, em Paris, ele disse aos jornalistas que foi enganado. E ameaçou me processar. Mas, depois, percebeu que não era possível, pois as palavras saíram da boca dele. Não houve qualquer tipo de manipulação, eu apenas coloquei suas palavras no documentário. As pessoas ainda não estão prontas para aceitar uma imposição contra essa visão monolítica do poder no mundo do vinho.

"Vinho é amizade entre as pessoas", diz Nossiter

Você acaba de assinar a carta de vinhos do restaurante Aprazível, no Rio de Janeiro. Qual foi o critério de escolha dos produtos?
Durante a gravação de Mondovino, conheci muitos produtores em todo o mundo, inclusive no Brasil, e fiz muitos amigos. Toda semana, chegava, em minha casa, garrafas de pequenos produtores brasileiros. Foram nesses produtores que resolvi focar a seleção da carta.

Se algum dono de restaurante lhe solicitasse, você montaria uma carta de vinhos com os critérios de avaliação de Robert Parker?
Obviamente não (risos). Para mim, fazer uma carta de vinho é uma expressão pessoal, que envolve o dono do restaurante, o cozinheiro e a pessoa que escolhe o vinho, como foi o meu caso na seleção do Aprazível. E certamente com Robert Parker não daria certo. Para mim, ele está virando o George Bush do vinho.

O que o senhor acha da disputa de mercado entre os vinhos do Velho e os do Novo Mundo?
Isso é uma oposição falsa, não existe. Para mim, há uma oposição de vinhos de marketing padronizados, produzidos em ambos os lugares. Há vinhos feitos em pequenas e grandes quantidades no Velho e no Novo Mundo. O que o do Velho Mundo tem é um grau de complexidade maior, pois há mais história, mais tempo de vida. A Borgonha, por exemplo, tem dois mil anos, com um tipo de expressão não encontrado nos vinhos do Uruguai. Isso não quer dizer que os vinhos do Velho Mundo são melhores. São diferentes e não há como comparar. O Velho Mundo já foi Novo Mundo durante o Império Grego. Foram os romanos que plantaram as primeiras videiras. Se essa tal guerra existe, ela é entre vinhos finos padronizados e vinhos finos que têm uma relação de amor à natureza.

Para o senhor, qual é o posicionamento do Brasil no mercado internacional?
Acho que o mercado brasileiro está bastante representativo. Há, no entanto, os pequenos produtores com uma força de resistência, orgulho e identidade cultural. Mas a responsabilidade é também do consumidor, que precisa descobrir essas preciosidades e fugir da dominação de mercado. Há, também, um sério problema: os impostos altíssimos. São um castigo para o consumidor brasileiro. Minha esperança é de que um dia os produtores unam-se aos importadores e juntos possam quebrar esse ciclo de castigo.

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