Transformação na Espanha

Uma conversa com Juan Antonio Ponce

Juan Antonio Ponce resgatou uma tradição de Manchuela, transformando-a numa referência

Divulgação
Divulgação

por Christian Burgos e Eduardo Milan

A região de Manchuela, na Espanha, tradicionalmente focada em vinhos de larga escala, está ganhando destaque no cenário mundial graças a Juan Antonio Ponce. Desde 2005, Ponce tem revolucionado a vitivinicultura local, valorizando uvas típicas como a Bobal e a Albilla. Seus vinhos estão agora entre os melhores do país, atraindo a atenção de críticos globais.

Em passagem pelo Brasil, Ponce conversou com exclusividade com ADEGA. Nessa entrevista, ele contou um pouco sobre sua incrível trajetória, mas especialmente sobre a sua filosofia de trabalho e como foi capaz de transformar variedades até então pouco valorizadas em fenômenos que atraem a atenção de críticos ao redor do planeta.

Para ouvir a conversa completa clique abaixo:

  • Como começou a história da vinícola?
    A história da vinícola poderia ser resumida no sonho realizado de um rapaz de 24 anos. Comecei a estudar na mais antiga escola de Viticultura e Enologia da Espanha, em Requena, quando tinha 14 anos. Terminei com 18 e tive a grande sorte, dois anos depois, de começar a trabalhar um visionário como Telmo Rodríguez. Essa foi a minha universidade: poder trabalhar em mais de 10 áreas diferentes na Espanha, com diferentes tipos de variedades de uva etc. E é aí que começa o meu sonho. Você começa a entender que é possível mostrar o potencial do vinhedo da sua família. E em 2005 começa a primeira safra criando uma pequena vinícola em Manchuela – algo que não era normal na região, uma área de grandes vinícolas, de grandes cooperativas. 
  • E como a vinícola evoluiu desde então? 
    Antes de pensar em como seria o espaço, a adega, o principal era a filosofia. Para nós, era muito importante em princípio podermos, digamos, viver das vinhas que foram herdadas do meu avô. A ideia era trabalhar as vinhas da família, sempre com castas da zona, a nossa principal variedade Bobal, mas também Moravia Agria, uma casta muito antiga, ou Albilla para o nosso vinho branco e, pouco a pouco, alugamos um pequeno armazém, uma pequena garagem. Aos poucos a coisa foi evoluindo, sempre mantendo, desde o início, tudo fermentado em madeira. Todos os vinhos são envelhecidos em madeira, nenhum é clarificado ou filtrado, nenhuma levedura comercial é usada. Toda essa filosofia ainda hoje se mantém da mesma forma, porque, para nós, é uma grande parte do que vamos dizer dos nossos vinhos, criar a própria identidade, o próprio caráter, e poder mostrar melhor o potencial das nossas vinhas num vinho. Em 2017, construímos nossa própria vinícola em Villanueva de la Jara, uma área muito bonita de vinhedos muito antigos, variedades mediterrâneas sempre cultivadas em “vasos”, da maneira tradicional. Nenhuma vinha é irrigada, toda a vindima é feita à mão e são todas vinhas velhas com mais de 40 anos – de 40 até 100 anos.

    LEIA TAMBÉM: Entrevista com Angelo Gaja e Giovanni Gaja
  • Como é o trabalho de resgate de variedades como a Bobal? 
    Ninguém sabia o que era Manchuela, ou o que era a variedade Bobal e ninguém conhecia minha vinícola. Então tive que começar a explicar um pouco de tudo quando as pessoas vinham experimentar. É muito curioso porque, apesar de não parecer, Bobal é a segunda variedade mais cultivada na Espanha depois da Tempranillo. A história da Bobal está intimamente ligada à área, que ficou restrita a Utiel Requena, Manchuela e um pouco em Ribera del Júcar. Só nesta área Bobal é realmente cultivada e muito bem adaptada. E Manchuela é uma pequena região com uma longa tradição em vinificação, mas sempre a granel, não engarrafada. Bobal não é tão conhecida como Tempranillo, Grenache, Monastrell, Carignan, pois, em Manchuela, ninguém engarrafava Bobal. Quando cheguei, era mais fácil encontrar um Cabernet Sauvignon, um Syrah, um Merlot, um Sauvignon Blanc engarrafado do que um Bobal, que sempre foi usado para vinhos a granel, para vender para outros países, outras regiões, como coupages (blend) para adicionar cor, fornecer taninos, estrutura e acidez. E ninguém queria falar dela. Trabalhei com Telmo [Rodríguez] em Toro, Ribeira, Rioja, Galiza, Alicante, Madrid, e é uma das castas mais bem adaptadas da zona, capaz de manter o frescor, trazer equilíbrio, álcool, acidez e maturação fenólica muito completos. Não há desequilíbrios alcoólicos, a menos que o produtor procure. Então é uma variedade que funciona muito bem. Ela resiste muito bem às colheitas chuvosas porque tem uma casca muito grossa, e por isso tem tanta cor e tanto tanino. Para mim, é uma variedade que merece estar ao mesmo nível de muitas outras uvas na Espanha.  
  • É curioso que uma variedade com essas características de resistência não tenha ganhado espaço no mundo? 
    Hoje em dia temos informação e bebemos muito mais vinhos. É uma das poucas variedades que, como não se moveu nem na Espanha nem noutros países, se mantém. É uma variedade ainda muito pura. Em outras palavras, seu caráter genético varietal não foi muito modificado. Você pode comprar Garnacha em um viveiro e ela vem de Priorat, ou Aragão, ou Madrid, ou Rioja ou Manchuela, com maneiras totalmente diferentes de se comportar. Enquanto Bobal permanece apenas em duas regiões principais, Utiel e Manchuela, muito próximas e muito semelhantes. 
  • Talvez também faltou ter um Bobal de qualidade para que pudesse ganhar fama... O primeiro foi o PF? 
    Quando comecei, eu era o “menino da Bobal”. Nossa vinícola começou com os vinhos da casa, o rótulo de entrada Casilla, um vinho mais no meio da gama, e com o nosso vinho top, PF, que eram de vinhas não enxertadas, pré-filoxera e familiares. Foi o primeiro vinho que a imprensa começou a provar. E não entendiam como um jovem de 24 anos fazia um vinho tão sério. Mas, no final, é um vinho em que você como personagem representa relativamente pouco, porque a vinha é tudo. É uma vinha muito velha, que tem muito carácter, muita pureza. As vinhas de pé franco são as que melhor representam a pureza varietal, pois não são modificadas por um porta-enxerto. Esse vinho, para mim, tem aquela parte mais escura, mais complexa, com frutas pretas pequenas e você sente todas essas nuances, toda intensidade, complexidade. E é um vinho que tem 13 graus de álcool. O interessante é poder mudar essa ideia de vinho espanhol que sempre foi muito quente e ver que podem ser feitos vinhos equilibrados no sul, com boa acidez e frescor. Só precisamos nos entender: o vinhedo e o enólogo. No final, esse é o segredo. Acredito que com qualquer variedade é possível fazer um ótimo vinho. Você tem que encontrar a parcela e tem que entende-la, saber lidar com aquela uva e interpretá-la.

    LEIA TAMBÉM: Uma conversa com Alejandro Cardozo
  • Como você interpreta, especialmente o PF? 
    Você sabe que ele é um vinho com muito potencial, com um cacho muito menor, com um grão menor, com uma pele mais grossa. Além de a vinha não ser enxertada, tem mais de 100 anos, por isso seus frutos são muito diferentes. Quando levamos amostras de uva para degustar antes do início da vindima e provamos este sumo, percebemos que é muito mais intenso, com muito mais potência, mais estrutura, mais sabor – o que sente é totalmente diferente do resto das vinhas. Então, qual é o problema? O problema é a minha forma de interpretar ou fazer vinhos. Antes, nos anos 1990, era moda vinhos espanhóis muito potentes, com muito tanino, estrutura, cor, madeira nova, barricas novas, mais álcool. Então, claro, se você quiser tirar tudo isso, a Bobal tem. Tem muita cor, tanino, estrutura. Mas o tanino pode ser muito rústico, seco e difícil de polir. Nós, por outro lado, tentamos não extrair em excesso todo esse potencial. Tento tirar apenas o suficiente desse potencial para ser agradável.
  • Como?
    Todos os nossos vinhos trabalhamos 100% com engaces para extrair menos da pele. Se você quebrar a pele, há muito mais cor e muito mais tanino do que se for uva inteira. Isso permite que você controle mais essa extração. Então a gente sempre faz com muito cuidado, degustando todos os dias, trabalhando com muita delicadeza na vinícola, na fermentação, para não trazer à tona toda aquela estrutura poderosa que para mim às vezes é desagradável. É mais como uma infusão. Todos os meus vinhos fermentam e são envelhecidos em madeira, tudo para evitar clarificar, filtrar etc., porque acredito que a madeira, no final, é um material nobre que sempre esteve intimamente ligado ao vinho e que permite que os vinhos sejam refinados e estabilizados de forma natural.
  • E que madeira você usa?
    Carvalho francês. A menor capacidade que usamos na vinícola é de 600 litros, uma barrica com muita espessura. A espessura da madeira é muito importante para que ela respeite mais o vinho e a evolução seja mais lenta. Temos cubas de 4500 litros de carvalho francês para estagiar PF. Depois temos Clos Lojen em cubas de 15.000 litros de carvalho francês, onde separamos as aldeias em cada cuba para aprender a ver o caráter varietal e como se comporta em cada local. 
  • Como se fossem Villages da Borgonha?
    Sim, trabalhamos dois povoados. Há a aldeia da família, Iniesta, com os vinhedos com os quais começamos, e a aldeia da vinícola em Villanueva de la Jara, ou seja, vinhas distantes 15 quilômetros, onde o solo é totalmente diferente. Em Iniesta é argilo-calcáreo e, em Villanueva, cascalho com areia. 
  • Clos Lojen é seu primeiro rótulo?
    Começamos com o pequeno da casa. Digo pequeno porque não gosto de falar de vinho básico, e não é um vinho jovem, mas é um vinho de entrada. É o primeiro vinho e parece-me que tem um papel muito importante, porque pode mostrar de uma forma muito simples, muito pura, muito honesta, com uma qualidade muito boa, o caráter da Bobal. Então acho que esta gama de vinhos, Clos Lojen e Depaula, que é Monastrell, mostra um pouco da nossa interpretação da variedade. Em Clos Lojen selecionamos vinhas muito antigas, entre 40 e 60 anos, é vinificado 100% com engace, fermenta em cubas de madeira. Cada aldeia está em uma cuba de 15.000 litros, são duas cubas idênticas, igualmente antigas, o que permite ver a evolução de cada uma das vinhas em cada aldeia. Você encontra surpresas muito grandes em Iniesta, onde há um esqueleto maior, uma fruta mais vermelha. Villanueva de la Jara tem uma parte mais floral, mais fresca, um tanino mais fino, mais elegante. Clos Lojen então tem aquelas sensações de um coupage onde você sente um pouco de fruta, que é agradável, que é fácil de entender, mas ao mesmo tempo não é um vinho jovem, tem muita profundidade na boca, muita substância. 
  • A que atribui isso?
    Trabalho com a minha família desde criança e acho que há muita coisa para descobrir, porque nós, por exemplo, temos vinhas que estão separadas por um pequeno caminho de três metros, plantadas pelo meu pai há mais de 40 anos e, no entanto, quando começa o processo de vinificação, são totalmente diferentes, mesmo sendo muito próximas. No caso de Iniesta e Villanueva de la Jara, há uma grande influência do solo. No final, temos vinhos mais fluidos talvez em Villanueva de la Jara, porque o solo mais rico permite obter vinhos com mais profundidade e menos estrutura. E em Iniesta são uvas que dão um esqueleto muito bom e fornecem o apoio necessário para que Clos Lojen possa ser armazenado e apreciado 10 anos depois tranquilamente, com uma evolução semelhante até mesmo ao PF ou Casilla... 
  • O próximo na linha então é Casilla?
    Quando começamos, fizemos 10.000 garrafas de Clos Lojen, 4000 garrafas de Casilla, que era o vinho central, e PF apenas um pequeno lote para realmente ver se havia diferença no tipo de vinhedo. Quando entramos em Casilla, mudamos de solos. Estamos em Iniesta, solos mais calcários com menos profundidade e cercados por mata. É um vinho que mostra muito bem a paisagem mediterrânea. Para mim, o Mediterrâneo pode ser uma área muito mais fria do que muitas vezes se pensa. As pessoas costumam pensar em vinhos mais maduros, com mais frutas, mais compota. Eu penso que o Mediterrâneo também é fresco. Você também pode obter vinhos muito aromáticos, com plantas aromáticas como tomilho, alecrim, lavanda. Para mim, Casilla é isso: três pequenas parcelas cercadas por matagal, o típico Mediterrâneo onde você tem uma sensação muito mais balsâmica e também complexidade. Tem uma parte que você consegue entender e desfrutar simplesmente. 
  • E depois?
    E depois passaríamos para o PF, que é um dos vinhos mais importantes por nos ter colocado no mercado. É muito agradável mesmo em uma safra muito jovem. Você tem a opção de poder guardar garrafas para evoluir, mas para mim é muito importante – quando os vinhos chegam ao mercado – a pessoa ter a oportunidade de apreciá-los no momento. Ele tem um pouco mais de complexidade, mais mineralidade. Você sente aquele solo muito mais profundo, aquela raiz mais profunda, é um vinhedo muito mais velho. E aquela concentração e pureza que só as uvas é pé franco têm. 
  • Por fim há as parcelas? 
    Em 2007, começámos a fazer Pino e Estrecha. Isso nasceu desde o primeiro ano e hoje continuamos a elaborar parcela por parcela. Elas fermentam separadamente. Trabalhamos 50 parcelas diferentes em uma área de superfície total média de 1,3 hectares, ou seja, são todas parcelas muito pequenas e as cubas foram pensadas na produção média que temos por hectare. Isso nos permite acompanhar a evolução de cada uma das nossas vinhas, mesmo que depois existam vinhos como Clos Lojen de vinhas mistas, mas, na altura da fermentação, podemos sentir cada parcela de forma diferente e selecionar. Assim nasceram esses vinhos, pois você sente que esses dois vinhedos têm características muito diferentes do resto. No caso de Pino, era um vinho mais preciso, intenso, sério. Um solo muito calcário, muito rochoso, raso, a raiz sofre um pouco para abrir um vão entre a rocha. É uma parcela com uma personalidade muito marcante. 
  • Qual a diferença para Estrecha?
    Pino foi criado como seriedade e Estrecha como elegância. O lote de Estrecha é o oposto, é uma vinha como Manchuela foi até aos anos 1970, uma mistura de castas, principalmente Bobal, depois um bocadinho de Grenache, um bocadinho de Morávia, um bocadinho de brancas e é uma parcela que tem uma magia especial. Quando você começa a elaborar, vê que todas essas uvas juntas alcançam nuances, equilíbrio, sensações que muitas vezes os varietais 100% não têm. Aquele equilíbrio mais fino, elegante, profundo de taninos. 
  • E o rótulo Ponce? 
    A última coisa (e também a primeira) foi Ponce. Foi a primeira coisa, porque o rótulo com sobrenome foi possivelmente o primeiro que tinha certeza de colocar em um vinho, um pouco para agradecer a toda a minha família. Era um vinho que eu estava buscando, mas queria que chegasse por conta própria. Precisava de um vinho que tivesse aquela magia, energia, que realmente fizesse sentir que era diferente, nem melhor nem pior que os outros, mas diferente, e acima de tudo, egoisticamente falando, o vinho do meu gosto como consumidor. Ou seja, não precisa ser o mais sofisticado, nem o mais especial. Acho que é o contrário. Considero-me uma pessoa muito simples e, na verdade, o que queria naquele vinho é que pudesse mostrar a simplicidade, pureza e honestidade de como era a região até os anos 1980, quando eu era muito jovem. Eram vinhos de Bobal muito mais finos, mais frescos e sem aquele tanino tão marcado, com menos álcool, com uma mistura de variedades. E, acima de tudo, queria fugir do momento de abrir um bom vinho. Compramos muito vinho, mas você nunca sabe quando abrir. “Este é só com comida”. “Está muito quente para beber esse vinho”. E eu estava procurando um vinho que pudesse abrir lendo um livro, assistindo a um filme enquanto cozinhava, em um churrasco. O que é melhor do que compartilhar momentos com amigos ou familiares? O vinho, para mim, tem que ser desfrutado e estar nos momentos de maior prazer ou até mesmo em momentos tristes – que ajude um pouco a carregar esses momentos. Então, estava procurando um vinho que fosse em um nível mais alto, mas que não perdesse aquela proximidade com a pessoa, que fosse fácil de abrir a qualquer momento, com qualquer refeição e de desfrutar de uma forma simples. 
  • Como ele é feito?
    Duas uvas, Bobal e Moravia, esta última uma variedade com menos cor, menos álcool e mais acidez. Elas convivem há quase 60 anos na mesma parcela. Quando faço um vinho de lote único, tento abranger toda a parcela, então o vinho está em um único recipiente. Acho que é muito importante, se você quer mostrar o potencial de um vinhedo, manter todo ele unido. E nós fizemos isso. 
  • Como foi a aceitação dos vinhos no início?
    Era impossível abrir uma garrafa e dar para alguém provar quando dizia que era Bobal... “Bobal, não estou interessado. Não gosto, sinto muito. Você não tem outras variedades? Syrah?” Não, mas eu faço com uma antiga vinha da família. “Mas eu simplesmente não gosto. Não estou interessado”. E ninguém sequer abria a garrafa. Então o mercado americano deu essa oportunidade, pois é um mercado muito mais aberto, maduro, onde as pessoas provam. 
  • Provando seus vinhos, eles parecem ter uma evolução a cada ano...
    Desde que construímos a nova vinícola, temos novas ferramentas. No final, é como um cozinheiro. Você pode comprar peixe, carne, frutos do mar muito bons, mas se não tiver as ferramentas na cozinha para poder trabalhar essa matéria-prima, mesmo que você seja muito bom, nunca vai tirar o máximo proveito disso. Então realmente acho que estamos naquele momento em que a cada safra refinamos mais, obtemos mais precisão.  
  • O que mudou?
    Tínhamos seis tonéis de madeira para fermentação. Começávamos Clos Lojen com 12 graus, mas tínhamos que esvaziar, reabastecer com uvas e os últimos Clos Lojen tinham 13,5 graus, porque não tínhamos cubas suficientes para colher na hora certa. Agora temos 15 tonéis, podemos colher quase 15.000 quilos por dia, então podemos colher todos os Clos Lojen em três ou quatro dias nas diferentes aldeias. Então você leva todas as uvas na hora certa, com um bom nível de álcool, de acidez, que permite fazer vinhos equilibrados. A mesma coisa em PF, que costumava ser sobre uvas que eram alinhadas depois, porque não tínhamos tonéis, mas agora pode entrar, então pode obter aquela precisão que às vezes nos faltava antes. Antes, havia safras em que você tinha vinhos que eram muito bons e outros não tão bons. Eu sempre dou o mesmo exemplo. Se você tem uma grelha e tem que fazer carne, frutos do mar, tudo ao mesmo tempo, no final algo vai dar errado. Mas se você tem três fogões, uma grelha etc., pode fazer tudo na hora.  
  • As mudanças climáticas impactam?
    Nessas duas últimas safras quase não choveu. As chuvas, típicas, normal em setembro, para nós sempre foi bom, porque tínhamos a colheita dividida como que em duas partes. Isso acontece cada vez menos, as colheitas são mais secas, o grau alcoólico não para de subir. Então vai chegar um momento de manter essa precisão de novo, porque o vinhedo, graças a Deus, está funcionando bem, mas vamos ter que fazer uma ampliação e ter mais tonéis de madeira para fermentar. A gente investe muito no campo, trabalhamos 70 hectares, sendo 50 que pertencem à família, espalhados por 50, 51 lotes diferentes, e os outros 20 são alugados, por dez anos. Agora estamos no momento de comprar as vinhas que alugamos e, ao mesmo tempo, plantar algumas vinhas novas para podermos manter os nossos antigos vinhedos. Não queremos arrancar as vinhas que nos fizeram o que somos. Faz parte do nosso patrimônio e da nossa história, e acreditamos que é um valor. Um dos maiores trunfos que temos na vinícola são os vinhedos. Então agora estamos plantando alguns vinhedos novos em solos semelhantes ao nosso vinhedo mais antigo para ter uma margem de 10, 15 anos. Vamos trabalhar nisso, aprender, estudar sobre as vinhas. E amanhã, quando as nossas vinhas velhas produzirem muito pouco, ou se simplesmente morrerem, ter um revezamento de vinhedo já trabalhado. E também deixar para meus filhos, pois, se eu não plantar, quando meus filhos vierem, estará quase tudo morto, ou muito menos produtivo. Então, este é um pouco o momento de precisão. Acredito que, no campo, as pessoas que trabalham nas suas próprias vinhas vão realmente começar a notar isso muito mais do que antes. Agora vai ser muito importante a forma como a vinha é trabalhada, quem a trabalha e se as uvas são suas, para manter a qualidade do vinho, porque vai ser cada vez mais difícil ter uvas de qualidade com estes anos quentes, com pouca chuva etc. 
  • E o branco, como surgiu?
    A Albilla tem uma história curiosa. Em toda Manchuela, só é cultivada em uma aldeia, Villamalea. Em fins de 1800, início de 1900, um veterinário vindo de fora comprou uma pequena fazenda e plantou. Até então, não havia cooperativas e as uvas eram vendidas para pequenos comerciantes e eles pagavam no ato da entrega. Albilla era a uva que costumava amadurecer antes do início da colheita de Bobal. Então teve um momento em que se plantou muito, começaram a pegar plantas daquele homem e cultivar, porque era uma forma de colher antes e ter dinheiro para as festas da aldeia. E então, depois da festa, começava a colheita da Bobal. Mas chega-se ao problema das cooperativas. Se um gerente precisa vender um branco fácil, é mais fácil vender Viura ou Macabeo, do que Albilla. E depois não podemos esquecer que a Manchuela está muito perto de Cava e, nessa altura, muitas coisas foram feitas a granel para vinhos base para Cava. Então você começa a remover toda a Albilla e troca por Macabeo. Na verdade, existe Macabeo na minha área e funciona muito bem, com vinhas com 50 anos. Mas a Albilla desapareceu, porque não era interessante. 
  • E como chegou até a Albilla?
    Lembro-me dos meus primeiros anos. Diziam que, pela forma como fazia Bobal, podia ser melhor produtor para brancos do que para tintos. Mas vai ser difícil provar isso na minha área, porque Macabeo era uma vinha interessante, mas o resto das vinhas não me parecia muito interessante. E a minha filosofia era fazer vinhos com uvas da região. Até que um dia um homem me disse: “Ei, você nunca fez vinho com essa uva nesta cidade”. Fui uma manhã, vi vinhedos com ele e, em 2010, fizemos o primeiro teste com dois barris. No primeiro ano, colhemos atrasados, não tive tempo de preparar tudo. Tinha que ter colhido “antes da festa da aldeia”, jamais esquecerei isso. Mas isso me ajudou a ver que era uma uva que tinha um bom caráter, personalidade, que não tinha frutas muito óbvias, porque eu queria fugir desse perfil. 
  • Como trabalha o branco?
    Os brancos são trabalhados de forma pura. Eles são um dos vinhos que melhor podem mostrar o potencial das áreas, porque a pele interfere menos ou esconde menos coisas. Pode haver mais pureza, às vezes num branco do que num tinto. Então começamos a vinificar em foudre, a fazer diferentes parcelas no ano seguinte, a aprender a fermentar melhor dentro da câmara fria. Para nós é muito importante a dinâmica da fermentação em todos os momentos, mas ainda mais nos brancos, para que seja uma fermentação muito limpa, contínua, com poucas paradas. No fim das contas, são paradas ou desvios que depois acabam sendo notados no futuro, ainda mais para quem, como nós, trabalha com leveduras totalmente indígenas. Então o que a gente faz é colocar os barris dentro da câmara, programa a temperatura, vê densidade, temperatura. Cada barril é um processo diferente, mas você obtém a fermentação muito mais limpa, precisa, com menos paradas.  
  • Vai mudar de nome?
    Sim, passará a se chamar Ponce Blanco. Foi chamado de Reto porque foi um desafio e tanto para nós [reto significa desafio em espanhol]. A vinha não era nossa. Nunca tínhamos trabalhado aquela uva, não sabíamos de nada. E na safra 2022 mudamos para Ponce Blanco porque passa a ter os vinhedos que plantamos em nossa propriedade, com seleções enxertadas por nós, ganhando muito mais profundidade, mineralidade, mais frescor, mais precisão.

palavras chave

Notícias relacionadas