Vinhos, belas paisagens e boa gastronomia estão entre os atrativos mais charmosos das vinícolas
por Por Sílvia Mascella Rosa
O crepitar das achas de lenha nas lareiras, nos fogões e nas salamandras anuncia mais uma manhã fria no sul do Brasil. O aconchego do café da manhã reforçado sobre a longa mesa de madeira e o chimarrão sorvido vagarosamente falam de um tempo de descanso como nenhum outro, um tempo para aproveitar as delicadezas do inverno, para sentir a brisa fria no rosto e o calor dos bons vinhos no corpo.
Depois de um longo e quente verão, com a colheita das uvas terminada e alguns dos vinhos ainda “nascendo” nas caves das vinícolas, o inverno impregna de cores novas e aromas frescos o sul do país. Para aproveitá-lo, não é difícil, uma vez que as temperaturas de outono já são consideravelmente mais baixas no Rio Grande do Sul que no sudeste e na região central do Brasil, por isso não é necessário esperar o mês de julho para programar uma viagem aos recantos produtores de vinhos do país.
De avião, é fácil chegar até Porto Alegre ou Caxias do Sul e depois seguir de carro até a Serra Gaúcha. Apesar de não estar precisamente no roteiro dos vinhos, uma visita até as cidades vizinhas de Gramado e Canela pode ser um bom começo para o belo roteiro de inverno, pois ambas reservam grande apelo turístico e ótima estrutura hoteleira e de alimentação.
No entanto, a região dos vinhos, especialmente os municípios vizinhos de Bento Gonçalves e Garibaldi oferecem as melhores atrações para o enoturista. Começando pelas belas paisagens, onde o verde dos vinhedos dá lugar aos tons dourados, enquanto as folhas caem e as plantas retornam ao seu sono invernal. No outono, a paisagem se cobre de uma fina névoa matutina, atravessada aos poucos pelos raios de sol do límpido céu desta época.
Enquanto o ar frio e limpo enche os pulmões, é hora de conhecer as paisagens e histórias das dezenas de descendentes de italianos que ocupam essas terras desde o final do século XIX, muitos dos quais ainda se dedicam aos ofícios de seus antepassados: a viticultura e a gastronomia.
Bento Gonçalves e Garibaldi oferecem as melhores atrações para o enoturista em passeio pela Serra Gaúcha
Existem vários tipos de viajantes, há os que gostam de se sentir parte da história local e os que apreciam a sofisticação em qualquer lugar onde estejam. Para os que pertencem ao primeiro grupo, a hospedagem ideal é o Hotel Casacurta, em Garibaldi. O estilo dos anos 1950 combina com todos os confortos do século XXI, mas a arquitetura, a paisagem que se avista da janela e o passeio pelas bem conservadas ruas da “Capital Nacional do Espumante” são um convite para uma outra época.
Garibaldi é uma cidade pequena que preserva seu casario e muitas das vinícolas históricas – que muito bem representam os espumantes nacionais – estão localizadas por lá. Vale a pena visitar as grandes como a Cooperativa Garibaldi e a Peterlongo (cujo espumante Moscatel foi premiado numa feira em 1913 e fez dele, oficialmente, o primeiro espumante brasileiro) com seus belos acervos de equipamentos e caves, e as pequenas vinícolas dos enólogos Adolfo Lona e Gilberto Pedrucci. Quando a fome bater no almoço, uma parada no RER Divino, uma pequena e charmosa “champanheria” da cidade, vai manter o tom das conversas, e o jantar imperdível deve acontecer na Trattoria Primo Camilo, onde as paredes de pedra e a decoração caprichada são apenas coadjuvantes da boa gastronomia.
O enólogo e gerente de marketing da Garibaldi, Maiquel Vignatti, explica que o hotel e o restaurante Casacurta fazem parte de um roteiro local, a Rota do Sabor, no qual é possível fazer refeições harmonizadas com vinhos da região: “Eu também gosto, neste tempo mais frio, de fazer um passeio pelas fábricas de chocolate de Gramado e de provocar o paladar parando na cervejaria Farol, em Canela”, conta.
Se o viajante tiver a chance de estar na Serra num final de semana, a Rota do Sabor oferece a possibilidade de um almoço na Osteria della Colombina, uma autêntica casa de colonos, na parte rural da cidade, em meio aos jardins e à horta orgânica. É um desses lugares bucólicos de onde não desejamos sair, ainda mais quando placidamente sentados à sombra de uma centenária árvore com uma taça de vinho na mão e o pão colonial sobre a mesa.
Hotel Casacurta, em Garibaldi, tem estilo dos anos 1950, mas com todos os confortos do século XXI
Garibaldi é uma cidade pequena que preserva seu casario e muitas das vinícolas históricas estão por lá
Assim como Vignatti indicou uma cervejaria em Canela (existem várias delas na Serra, a maioria artesanais), outro passeio imperdível para quem quer conhecer a região é a Casa do Chimarrão, no roteiro “Caminhos de Pedra”, o mais antigo de toda a região. Lá é possível ver como se faz o beneficiamento da erva mate, as diversas moagens e aquecer o corpo e preparar o estômago com um autêntico chimarrão. No mesmo roteiro, estão dezenas de casas preservadas do começo do século passado, ateliês de artistas e artesãos locais, restaurantes como a Casa Vanni, Nona Ludia e a Casa Fracalossi, além dos laticínios da Casa da Ovelha.
Se o frio apertar, uma passagem na cachaçaria Casa Bucco é a garantia para se aquecer de dentro para fora. A bela propriedade abriga também uma pequena pousada e, de seus mirantes, avista-se a bela paisagem do Vale do Rio das Antas, onde os mais ousados podem praticar esportes de aventura.
A cidade de Bento Gonçalves, antes um enorme município do qual se separaram cidades como Pinto Bandeira e Monte Belo do Sul, ainda engloba distritos como Faria Lemos e Tuiuty e é neles que se encontram outras belas atrações da Serra.
Em Faria Lemos, há o Parque Dal Pizzol, uma bela área que pertence à vinícola, com lago, restaurante, campos, o Vinhedo do Mundo (com centenas de variedades de videiras) e um Museu de Vitivinicultura, e também pequenas vinícolas familiares como a Cristófoli e a Estrelas do Brasil. Na Cristófoli, é possível agendar um bucólico piquenique no parreiral (com aquecedor, é claro) e, na Estrelas do Brasil, você pode desfrutar de um espumante contemplando uma das mais belas paisagens de vinhedos de toda a Serra Gaúcha, o Vale Aurora.
RER Divino, uma pequena e charmosa “champanheria” de Garibaldi
Nona Ludia e Casa Fracalossi (ao lado) são boas opções de parada nos “Caminhos de Pedra”
A Rota do Sabor e Caminhos de Pedra são opções de passeios para casais e famílias
Poucos quilômetros à frente de Faria Lemos, em Tuiuty, fica a sede da Vinícola Salton, cujos passeio e degustação levam o visitante não apenas através da história do vinho, como também da história dessa vinícola centenária e portentosa, que nasceu num casarão no centro da cidade, em frente à Igreja Matriz.
De volta a Bento Gonçalves, vale fazer uma parada numa das poucas churrascarias da cidade (a gastronomia na região da Serra é muito mais italiana do que gaúcha), a Ipiranga, com seu espeto corrido (o rodízio de paulistanos e cariocas) e que fica na mesma rua da sede da Vinícola Aurora, outro passeio obrigatório para quem está na cidade, com seu bem organizado tour pelas instalações octogenárias.
Para os que curtem um agito noturno, há muito vinho e música ao vivo em bares como o Ferrovia e o Bangalô, ambos na região central, perto de hotéis como o Dall’Onder e o Viverone, boas opções de hospedagem local.
No entanto, para desfrutar do bucolismo da vida entre os vinhedos, sem deixar de lado mordomias e boas opções gastronômicas, o melhor lugar é mesmo o Vale dos Vinhedos. “Meu programa preferido de inverno é me sentar nos grandes sofás à beira da lareira ou na varanda do Spa do Vinho, com uma taça na mão, e ficar observando a paisagem e as cores do pôr do sol conversando com os amigos”, revela Morgana Miolo, gerente de exportações do Miolo Wine Group. Ela, que vive na cidade, mas trabalha no Vale (a sede da Miolo é situada do outro lado da rua do Spa do Vinho), explica que, nesta época, tudo é sobre o aconchego: “A velocidade das coisas parece menor, fazemos tudo com mais calma. É delicioso sair para visitar as outras vinícolas nos finais de semana, degustar com os proprietários, escolher as diversas garrafas que queremos levar e depois provar uma a uma com uma sopa de capeletti e pão colonial”, explica.
No Vale, é possível desfrutar do bucolismo da vida entre os vinhedos, sem deixar de lado mordomias e boa gastronomia
A Miolo é apenas uma entre as muitas vinícolas para se visitar no Vale e o Spa do Vinho é, definitivamente, a hospedagem mais elegante de toda a região. É impossível não se render aos encantos do spa, ao relaxamento proporcionado pela piscina térmica com vista para os vinhedos, com as caminhadas, as quadras de tênis e a gastronomia bem elaborada. Tudo isso sem contar a especialíssima adega do local, com rótulos de todo o mundo.
Os muitos caminhos do Vale dos Vinhedos são repletos de atrações, desde uma fábrica artesanal de bolachas, a Biscotteria Itallinni, com suas delicadas preparações, e a Casa Madeira, com suas geleias especiais de frutas e de vinhos, o suco integral e os vinagres aromatizados – além de um restaurante que faz uma excelente codorna. Há também as vinícolas tradicionais como a Don Laurindo, a Marco Luigi e a Pizzato, entre tantas outras, e vários restaurantes, como o Mamma Gema e a Pizza Entre Vinhos (com pizza na pedra e ambiente despojado em que você mesmo escolhe o vinho na bancada, leva para a mesa e faz o serviço), ambos na entrada do hotel Vila Michelon. Além deles, há o pequeno e exclusivo Valle Rústico, onde o jovem chef Rodrigo Bellora oferece opções diferenciadas aos pratos típicos da Serra numa paisagem especial.
Parque Vivatto, lugar perfeito para um chocolate quente no fim de tarde
Visitar belas vinícolas é uma parte do roteiro na Serra Gaúcha
A combinação das muitas belezas do Vale acontece na Casa Valduga, onde é possível se hospedar com a visão dos vinhedos na janela (na pousada Villa Valduga), provar a gastronomia mais tradicional, porém feita com extremo apuro no restaurante Maria Valduga, tomar um café da manhã ao som do piano ao vivo, fazer um curso rápido de degustação e ainda ir a pé até as vinícolas vizinhas, como a Don Cândido e a Larentis, até o parque Vivatto para tomar um chocolate quente, uma sopa, um vinho etc.
“Tomara que você dê a sorte de comer pinhões sapecados, feitos na chapa diretamente sobre o fogo. Na minha casa, quando eu morava no Vale, sempre existia uma panela de pinhões no fogo, para nos aquecer e entreter”, relembra Morgana Miolo.
Bons vinhos, uma bela paisagem, um povo acolhedor e pinhões na chapa. Parece uma boa maneira de passar o inverno, não?