A relação entre a alternância de temperatura como vista recentemente pode levar a deterioração precoce do vinho
por Arnaldo Grizzo
Quando falamos em evitar a deterioração de uma garrafa, a recomendação básica é: armazenar em local fresco e escuro, longe da luz solar direta e de outras fontes de calor. Mas há um fator que muitos esquecem ou ignoram, e pode comprometer a qualidade do vinho: a alternância de temperatura.
Diversos estudos mostram que flutuações frequentes de temperatura podem levar à deterioração precoce, fazendo com que o vinho perca sabores e aromas com o tempo. Quando o vinho é exposto a altas temperaturas, isso pode acelerar o processo de envelhecimento e potencialmente estragá-lo.
Por outro lado, quando o vinho é exposto a temperaturas muito baixas, isso até pode retardar o processo de maturação, mas também pode resultar em algo ruim. Idealmente, o vinho deve ser armazenado a uma temperatura constante, abaixo de 15°C, com pouca ou nenhuma variação.
Um estudo de 2014 de três cientistas (Fulvio Mattivi, Panagiotis Arapitsas e Daniele Perenzoni) denominado “Influence of Storage Conditions on the Composition of Red Wines”, apontou que “os resultados da análise multivariada mostraram claramente que os vinhos armazenados em adega mudaram pouco mesmo após dois anos de armazenamento, enquanto os vinhos armazenados em condições domésticas típicas evoluíram aproximadamente três ou quatro vezes mais rápido”. Ou seja, garrafas deixadas em ambientes não adequados podem estragar facilmente.
Para isso, eles analisaram 400 garrafas de 20 diferentes tintos feitos de Sangiovese. As garrafas de cada vinho foram divididas e armazenadas por 24 meses nas seguintes condições: metade foi armazenada em condições ótimas de 15 a 17°C, temperatura constante, 70% de umidade, horizontalmente e dentro de caixas, enquanto a outra metade foi deixada de forma a imitar os armazenamentos comuns em uma casa ou apartamento, com uma temperatura de 20 a 27 °C, ou seja, flutuando com a estações do ano e umidade também variável durante o ano, longe de qualquer sistema de aquecimento ou maus cheiros, na horizontal e dentro de caixas.
A cada seis meses duas garrafas de cada foram testadas. “O envelhecimento em condições domésticas parece induzir uma diminuição acelerada das antocianinas nativas [tornando o vinho mais claro].
Curiosamente, observamos uma via dependente da temperatura envolvendo a adição de bissulfito aos flavonóides e levando à formação de vários sulfonatos de catequinas e proantocianidinas, juntamente com reações de hidrólise envolvendo vários fenólicos, incluindo flavonóis [gerando sedimentos indesejados no vinho].
Dois metabólitos principais foram estruturalmente elucidados por meio de medidas de ressonâncias magnéticas e confirmados como correspondentes aos produtos encontrados em vinhos envelhecidos em condições domésticas”, apontaram os cientistas.
Segundo eles, “a primeira indicação prática que se pode deduzir é que a ‘idade química’ de um vinho tinto armazenado em condições domésticas pode diferir da idade escrita no rótulo da garrafa: o armazenamento em casa leva a uma espécie de ‘envelhecimento acelerado’ indesejado”. Ou seja, em condições não ideais, e mais especificamente, em condições de temperaturas flutuantes, em menos de dois anos vinhos tintos apresentavam uma evolução pouco convidativa.
O estudo de 2014 foi feito com vinhos comuns, teoricamente feitos para serem apreciados em sua juventude. Mas uma pesquisa mais recente, de 2022, que reuniu diversos cientistas portugueses – publicada na seção Foods do site MDPI – revelou uma análise envolvendo Vinhos do Porto Vintage, ou seja, alguns dos vinhos mais longevos do planeta, e encontrou resultados semelhantes.
Garrafas de Porto Vintage da safra 2014 foram armazenadas em duas adegas distintas: uma com temperatura e umidade controladas (adega A) e outra teoricamente representativa de uma casa tradicional, com temperatura e umidade não controladas (adega B).
O impacto da orientação das garrafas também foi estudado na adega A, onde as garrafas foram armazenadas nas posições horizontal e vertical. A composição fenólica e volátil do vinho foi analisada após 6, 15 e 44 meses.
“Este estudo revelou que um Vinho do Porto Vintage 2014 armazenado em adega tradicional (adega B) sob maiores amplitudes térmicas ao longo do ano apresentou mais tons de amarelo, menor adstringência (menor atividade específica dos taninos), menores níveis de acetato de feniletilo, e níveis mais elevados de marcadores de oxidação (furfural e 5-metilfurfural) contribuindo para aromas tostados e caramelados, quando comparado com o mesmo vinho armazenado em cave com temperatura controlada (adega A)”, diz a conclusão.
“É importante ressaltar que o impacto de amplitudes térmicas maiores na atividade específica do tanino e nos níveis de acetato de feniletila do Vinho do Porto foi observado pela primeira vez neste trabalho.
Além disso, o Porto Vintage armazenado na posição horizontal apresentou pela primeira vez, tanto quanto sabemos, níveis mais elevados de proantocianidinas totais, estruturas mais complexas e adstringentes (atividade específica taninosa mais elevada), a presença de um composto derivado da reação do vinho e componentes da cortiça (Corklin) e menores teores de benzaldeído, quando comparado com o mesmo vinho armazenado na posição vertical. No geral, esses achados foram mais evidentes 44 meses após o engarrafamento”, foram outros resultados interessantes.
Ou seja, mesmo para vinhos que teoricamente suportam muito bem a passagem do tempo, não devemos nos descuidar de sua conservação durante o tempo de guarda. Manter uma temperatura constante e relativamente baixa está mais do que provado que contribui para não termos surpresas desagradáveis quando abrirmos nossas garrafas no futuro.
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