Uma tradição grega, os vinhos retsina estão entre os primeiros já produzidos no mundo
por Arnaldo Grizzo
Muitas vezes nos perguntamos como teriam sido feitos os primeiros vinhos do mundo? Obviamente seriam brancos – pois o processo de maceração com as cascas que gera cor só seria entendido mais tarde – e provavelmente com notas oxidativas – controlar o contato da bebida com o oxigênio, seja na produção, seja no armazenamento, não era tarefa simples na época. Além disso, muitos desses primeiros vinhos talvez tivessem aromas e sabores de resina.
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Por quê? Os principais recipientes, tanto para fermentar quanto para armazenar o vinho, foram as ânforas de barro, ou dolias como chamavam os romanos. Os primeiros vitivinicultores logo perceberam que o contato com o ar fazia com que a bebida estragasse rapidamente.
Como as ânforas permitiam uma grande interação do oxigênio com o vinho, era preciso criar uma forma de vedá-las. Assim, passaram a usar resina de pinheiro, de terebinto ou lentisco (dito mástique) para selar os recipientes.
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Logo perceberam que o vinho ganhava aromas e sabores pronunciados de seiva e terebintina, ou aguarrás. Alguns descreveriam como piche. Isso, sem sombra de dúvida, graças ao contato do líquido com a resina. Essa técnica também dava ao vinho uma pungente adstringência, assim como tons amargos.
Por tudo isso, ele se tornou extremamente capaz de resistir ao tempo. A esse tipo de vinho, cuja origem provavelmente é grega, deu-se o sugestivo nome de retsina, uma variação do latim resinae.
Lucius Junius Moderatus Columella, o mais importante escritor sobre agricultura do Império Romano, foi o primeiro a citar vinhos “resinados” em seu mais famoso trabalho “De Re Rustica” (Da agricultura).
Ele chega a dizer quais tipos de resina podem ser usadas para selar os vinhos e também ser misturadas a eles. Entre suas recomendações, contudo, afirma que os melhores vinhos não deveriam ter adição de resina.
Outro importante escritor romano, Plínio, O Velho, também se refere aos vinhos resinados em seu clássico “Historia Naturalis”. Ele recomenda a adição de resina ao mosto fermentado, acrescentando que a resina de regiões montanhosas seria melhor do que a das planícies.
Outro historiador dessa época, Plutarco, aponta que esse tipo de bebida vinha especialmente da ilha de Eubeia, na Grécia, e do vale do rio Pó, na Itália. Plínio aponta que a Ligúria produzia os resinados e há notícias de que ele também era feito em Roma. Diversos historiadores citam o retsina como sendo um vinho medicinal, mas, ainda assim, ele caiu no gosto do povo da época.Resistente
Não demorou muito, porém, para que as primeiras barricas fossem inventadas e passassem a substituir as ânforas, ainda no Império Romano. Apesar disso, a parte oriental do império, a região bizantina especialmente, manteve a tradição e desenvolveu o gosto pelos retsina.
A parte ocidental, contudo, passou a evitar esses vinhos e essa técnica. O historiador Liutprando de Cremona chega a dizer que, em visita à corte do Império Bizantino, foi servido com um “vinho intragável, misturado com resina, piche e gesso”.
Ainda assim, os retsina continuaram a ser produzidos na região. Durante a Idade Média, na época das Cruzadas, um nobre italiano chamado Pietro Casola, em sua jornada de peregrinação a Jerusalém, afirma ter provado diversos vinhos bons pelo caminho, com exceção do “forte e resinado vinho com odor desagradável”.
Há quem diga, porém, que o retsina foi criado pelos gregos não apenas para tornar o vinho mais durável, mas especialmente para desagradar o paladar dos romanos que, durante a invasão e conquista da Grécia, teriam pilhado seus vinhos.
Um sobrevivente dos primórdios da vitivinicultura, Retsina hoje é uma denominação de origem controlada que, na verdade, espalha-se por diversas regiões da Grécia – ou seja, estaria mais para um “modo de produção controlado” – com maior ênfase em Ática. A mais tradicional uva usada para os retsina é a Savatiano, muitas vezes junto com Assyrtiko e Rhoditis, além de outras variedades gregas.
Esses vinhos podem ser brancos ou rosés e devem levar pequenas quantidades (muito menos do que na antiguidade, pois hoje a ideia não é mais proteger o vinho da oxidação precoce com essa técnica) de resina de pinheiro no mosto durante a fermentação. Essa resina forma uma fina película de óleo sobre a superfície do líquido, que depois é removida.
Os retsina de hoje já não possuem os aromas tão pungentes de terebintina, sendo muito mais palatáveis. Os gregos mais tradicionalistas defendem que esses vinhos são os melhores para acompanhar alguns pratos típicos da culinária do país, desde os embutidos mais potentes, como a pastirma, por exemplo, até frutos do mar, mas especialmente com os famosos mezes, pequenos pratos de tipo aperitivo servidos com bebidas alcoólicas.
Até pouco tempo atrás, os retsina eram produtos bastante marginalizados e mal vistos, porém, atualmente alguns produtores importantes têm feito esses tradicionais vinhos resinados de uma maneira mais moderna e agradável. E vinhos resinados ainda são feitos em outras partes do mundo, como na Austrália, por exemplo, apesar de não poderem levar o nome retsina.
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