Mergulhe na história sagrada do Sagrantino de Montefalco, uma celebração da fé de São Francisco de Assis
por Arnaldo Grizzo
Explorando a origem e a evolução da casta Sagrantino, uma jornada que remonta aos frades franciscanos e se entrelaça com o legado de São Francisco de Assis. Desde sua primeira menção no século XVI até se tornar a estrela dos vinhos de Montefalco, Sagrantino evoluiu de um vinho cerimonial para se destacar entre os tintos italianos de renome mundial.
Giovanni di Pietro di Bernardoni nasceu e morreu em Assis, uma cidadezinha da Úmbria, na Itália. Foi ele, que depois ficou conhecido como São Francisco de Assis, quem tornou essa pequena vila famosa e alvo de peregrinação até hoje.
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E reza a lenda que foram seus seguidores que deram vida ao vinho que hoje marca a região e carrega o nome de uma outra pequena vila nas proximidades, o Sagrantino de Montefalco.
Nos arquivos notariais de Assis, há um documento do século XVI que menciona pela primeira vez a casta Sagrantino. Mas, acredita-se que a verdadeira origem da uva remonta aos frades franciscanos que a utilizavam para produzir um vinho doce, o passito, usado em cerimônias religiosas.
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A uva, assim batizada de Sagrantino, derivava seu nome da palavra "sagra", que significa sagrado, refletindo seu propósito espiritual. Desde a primeira metade do século XIV, as autoridades locais já percebiam o valor das vinhas e do vinho de Montefalco, estabelecendo leis e regulamentos para proteger essa dádiva.
Em 1540, um decreto municipal fixou oficialmente a data de início da colheita. Este evento, até hoje celebrado em setembro, reúne moradores e turistas na praça para a leitura do anúncio histórico e a celebração da colheita.
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Em 1622, o cardeal Boncompagni de Perugia demonstrou a importância da Sagrantino ao ameaçar severas sanções, incluindo a pena de morte (“à forca se alguém cortar a videira”), para quem fosse pego roubando uma videira.
Esse zelo protegeu a casta, permitindo que sobrevivesse às dificuldades e chegasse ao século XIX, quando o historiador Serafino Calindri elogiou a região de Montefalco pela produção de alguns dos melhores vinhos do Estado Pontifício.
Apesar de sua aclamação, a Sagrantino quase desapareceu durante as guerras subsequentes. No entanto, na década de 1960, um grupo de enólogos visionários ressuscitou a casta, tornando-a novamente o orgulho de Montefalco e de toda a Úmbria. Em 1979, recebeu a certificação DOC e, em 1992, o status DOCG. Em 1981, foi criado um consórcio para proteger a uva e sua produção.
A casta Sagrantino tornou-se um símbolo do terroir de Montefalco, uma expressão pura da terra e da tradição franciscana. Diz-se que Benozzo Gozzoli, o pintor florentino, aludiu à Sagrantino ao retratar uma garrafa de vinho tinto na mesa do cavaleiro de Celano em seus afrescos sobre a vida de São Francisco, pintados em 1451.
O primeiro documento em que a uva "Sagrantina", é mencionada data de 1549. Teria sido uma encomenda de mosto de Sagrantino ao judeu Guglielmo e sua esposa Stella, confirmando a existência da casta. A isso se segue um caderno do notário assisiano Giovan Maria Nuti, datado de 1598, que relata o costume difundido em Foligno de misturar Sagrantino com mostos para dar-lhes aroma e sabor.
Em 1899, Sagrantino foi reconhecida oficialmente na Exposição da Úmbria como um vinho de “sobremesa ou refeição superior”. Em 1908, S. Martini escreveu sobre o padre Tiburzi, um pioneiro da viticultura moderna em Montefalco no início do século XIX, que impulsionou a renovação das vinhas.
Em 1915, Franzi narrou a história antiga de Sagrantino, afirmando que ela foi selecionada nos jardins fechados do convento pelos primeiros seguidores de São Francisco. A versão seca mais recente do Sagrantino, no entanto, consagrou o vinho como um dos grandes tintos italianos, destacando-se pela sua intensidade, potência e longevidade extraordinária.
A área geográfica de produção de Montefalco abrange todo o território municipal que lhe dá nome e partes de Bevagna, Giano dell'Umbria, Gualdo Cattaneo, Castel Ritaldi, todos na província de Perugia, no centro da Úmbria.
Trata-se de uma área de produção muito pequena, com terrenos que descem suavemente ao longo de perfis montanhosos dominados por antigas aldeias medievais. Os solos da área de produção de Montefalco são, em sua maioria, de matriz argilo-calcária clara. A faixa de altitude de cultivo varia de 220 a 472 metros nas encostas mais altas.
A área de produção do Sagrantino de Montefalco caracteriza-se, do ponto de vista pedológico, por quatro subáreas distintas. Primeiramente, os conglomerados fluviais-lacustres, formados por areias amarelas com níveis de conglomerados por vezes cimentados, datam do Plio-Pleistoceno. Afloramentos notáveis dessas formações podem ser encontrados em Montefalco, especialmente em locais como S. Clemente, Camiano, Turrita, Cerrete, Pietrauta, il Vallo e S. Quirico.
Em segundo lugar, as argilas e areias lacustres, também do Plio-Pleistoceno, localizam-se abaixo de Limigiano, a sudoeste de Bevagna, em Bastardo, Cantinone e ao sul de Turrita, estendendo-se até Torregrosso.
Os terrenos aluvionais, a terceira subárea, consistem em depósitos atuais e recentes predominantemente arenosos e seixosos do Holocénico.
Estes coincidem com superfícies planas que se estendem transversalmente por algumas centenas de metros a alguns quilômetros, como em Cantalupo, Bevagna e La Bruna. Há também depósitos mais antigos de terraços elevados, entre 5 a 50 metros, no leito atual do rio do Pleistoceno, bem como a sudoeste de Montefalco, na área de Madonna della Stella.
Por fim, a quarta subárea é composta por margas. Vastas áreas apresentam afloramentos de rochas do Mioceno, destacando-se arenitos amarelados e margas siltosas acinzentadas, geralmente alternando regularmente, típicas da formação margosa-arenácea do Tortoniano-Langhiano.
Outras formações incluem arenitos da formação Macigno do Langhiano-Oligocénico, além de níveis e lentes de extensão e espessura variáveis de argilas siltosas acinzentadas, margas tipo xistos policromados, calcários, calcarenitos e calciruditos tipo nummulítico.
O clima apresenta características essencialmente mediterrâneas - subcontinentais, com verões quentes, mas não abafados, e invernos bastante frios e moderadamente chuvosos. As temperaturas médias no verão estão entre 18 e 23°C e as temperaturas no inverno estão entre 4 e 6°C; a precipitação média anual está entre 750 e 1300 milímetros, com mínimo de verão e máximo de outono.
Ao redor da vila de Montefalco, distinguem-se três denominações de origem. Duas delas com relação direita com a Sagrantino e a terceira ligada aos vinhos brancos de Trebbiano.
A DOCG Sagrantino de Montefalco representa a essência dessa uva no terroir local, obrigando os vinhos assim denominados a terem 100% da casta, ficando 37 meses em estágio, sendo 12 deles em barrica. Há também o clássico Sagrantino Passito, feito de uvas passificadas.
Já o Montefalco DOC diz que de 60 a 80% do vinho deve ser feito com Sangiovese, e a Sagrantino deve representar de 10 a 25%, sendo possível completar com outras outras uvas até 30%. Os tintos devem estagiar por 18 meses e os Riserva por 30, sendo 12 em madeira.
Nessa denominação há também os brancos, que devem ter 50% de Trebbiano Spoletino e podem ser completados por outras castas. E há ainda o Montefalco Grechetto DOC, que obviamente contempla essa variedade, obrigando a ter ao menos 85% de Grechetto na mistura.
A DOC Spoleto por sua vez se divide em quatro tipos de vinho. O primeiro é o branco com mínimo de 50% de Trebbiano Spoletino, o segundo é o Trebbiano Spoletino DOC, que solicita ao menos 85% da variedade na mescla, a terceira é o Spumanti e, por fim, o Passito, ambos também com 85% de Trebbiano.