Nascimento de clones na viticultura surgiu através de técnicas de enxertia praticada há séculos
por Arnaldo Grizzo
Há muitos séculos não se cultiva um vinhedo deixando as videiras ao léu, por polinização, por exemplo. Com o tempo, os viticultores perceberam que há métodos mais eficazes de multiplicar uma vinha e logo descobriram as vantagens também da enxertia, que é basicamente podar uma parte de uma planta e integrá-la a outra. Foi assim que nasceram os clones.
As videiras são seres heterozigotos, ou seja, apresentam dois alelos diferentes em seus genes. O que quer dizer que, como nós, cada um é um indivíduo único diferente de seus pais (que cederam um gene cada um) e também de seus irmãos, pois as manifestações genéticas, como sabemos, podem ser diferentes de indivíduo para indivíduo mesmo que os pais sejam os mesmos.
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Historicamente, viticultores reconheciam e selecionavam videiras que apresentavam características desejáveis e propagavam vegetativamente essas variedades. Até meados do século passado, quando um viticultor pretendia implantar um novo vinhedo, recolhia brotos das melhores vinhas dos vinhedos circundantes para propagação.
O resultado disso é chamado de seleção de campo, pois são selecionadas diferentes vinhas individuais entre as muitas que crescem em uma parcela do vinhedo. Essas vinhas podem ser de uma única variedade em cada parcela, mas também podem ser muitas variedades diferentes misturadas.
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Ao longo do tempo, constatou-se que as vinhas individuais de uma casta podiam apresentar ligeiras variações devido a mutações somáticas naturais (cachos mais soltos ou maiores, bagos maiores ou menores, pouca ou nenhuma cor nas cascas, hábitos de crescimento diferentes, etc.).
Assim, uma variação que fosse interessante para o viticultor podia ser propagada. E, como o passar dos anos, estas mutações resultaram em populações únicas de videiras dentro de determinadas variedades, muitas vezes específicas de uma região ou vila.
O avanço exponencial da viticultura fez com que produtores e também entidades governamentais analisassem variedades de uvas e categorizassem suas variações genéticas.
Se uma variação ou seleção específica fosse considerada digna de ser reconhecida como única, superior ou adequada para um uso específico, ela era mantida separada para propagação. As vinhas propagadas a partir dessas seleções individuais são chamadas de clones; pois todas vêm de uma videira mãe original.
Essas plantas consideradas especiais por algumas de suas qualidades (que podem ir desde o rendimento em determinados tipos de clima até a época do amadurecimento, por exemplo) começaram a ser disseminadas em vinhedos circundantes e, em certos casos, reproduzidas em viveiros e posteriormente até exportadas para outros países.
Mas, ao selecionar uma única planta para ser reproduzida, uma das desvantagens pode ser a propagação sistemática de doenças virais, por exemplo. Se uma videira doente for usada para propagação, a “descendência” resultante também carregará o vírus. Atualmente, contudo, cientistas testam e tratam as mudas de variedades de clones potencialmente interessantes para a viticultura em busca de doenças antes de serem liberadas aos produtores. Esse processo pode levar anos.
Um caso clássico, por exemplo, foi de um clone de Chardonnay americano chamado Wente (pois era usado pela Wente Vineyards no início do século 20). Antes de ser adquirido pela Foundation Plant Services (FPS) da Universidade da Califórnia, Davis, o clone Wente era conhecido por uma alta porcentagem de frutos subdimensionados e pouco maduros em cada cacho.
Quando a FPS recebeu alguns cortes de Wente na década de 1960, os cientistas eliminaram seus vírus e a seleção clonal saudável passou a ser chamada de clone 4. Quando os vírus foram removidos, reduziu-se a tendência de frutos de tamanho menor. Hoje, o clone é conhecido por cachos de uvas pesadas e de maturação tardia que levam a altos rendimentos.
Existem diferentes clones disponíveis para quase todas as variedades de uva. Entre as uvas mais plantadas do planeta, como Pinot Noir (que além de tudo tem uma grande tendência a sofrer mutações genéticas), por exemplo, há um grande número de plantas catalogadas. Então, conforme as características desejadas, ou melhor, as características intrínsecas do terroir onde as mudas serão plantadas, o produtor escolhe o tipo de clone que pretende cultivar.
Vale lembrar que plantar um vinhedo não é barato, portanto, os produtores procuram minimizar riscos ao cultivar indivíduos que já se provaram eficientes em determinados ambientes. Ainda assim, nem sempre os produtores colocam todas as suas fichas em um só clone.
Boa parte escolhe uma mistura de muitos clones diferentes dentro de cada variedade para, de certa forma, imitar as seleções de campo e ter diferentes possibilidades dentro de um mesmo vinhedo, já que cada planta pode se comportar de uma determinada maneira diante de situações climáticas ou então mostrar maior ou menor resiliência diante do surgimento de doenças.
Portanto, os clones são fundamentais na vitivinicultura. Seu uso consciente tem sido essencial para estabelecer uma estrutura saudável para o cultivo da vinha, permitindo um crescimento mais consistente e de alta qualidade.
Segundo os cientistas, eles serão uma das chaves para o futuro do vinho diante das mudanças climáticas, pois encontrar variedades capazes de se adaptar está entre os principais desafios dos últimos anos.