Como um brasileiro entrou na família e no projeto dos irmãos Cotarella?
por Por Arnaldo Grizzo e Eduardo Milan
A cena é típica do Poderoso Chefão. Família reunida em volta da mesa no domingo. Neste caso, contudo, não há apenas um “padrinho”, mas dois, Riccardo e Renzo, os irmãos Cotarella – dois nomes de peso da vitivinicultura italiana.
Riccardo, o mais velho, com 65 anos, fez carreira prestando consultoria enológica para inúmeras vinícolas mundo afora e, ainda hoje, é responsável pela enologia de cerca de 60 empresas espalhadas pela Itália, Estados Unidos e até em Israel. Já Renzo, mais novo, com 60 anos, é nada menos do que o CEO da Antinori, um dos maiores nomes do vinho italiano.
Eles cresceram juntos, moraram sempre na mesma casa, na região do Lazio, centro da Itália, perto de Roma, e hoje fazem questão de ter toda a família em torno de si. Riccardo tem apenas uma filha, Dominga. Já Renzo, tem duas, Marta e Enrica. “É uma família muito unida, que tem hábitos muito particulares. São dois irmãos que sempre moraram juntos, na mesma casa, um quarto ao lado do outro. As filhas também moravam na mesma casa. À medida que foram se casando, mudaram-se, mas, no verão, todo mundo vai para lá. Eles só tem uma conta corrente para a família inteira. São muito ligados e passam essa tradição para as filhas e para os netos. No domingo, estamos sempre juntos na mesa durante o almoço e tem sempre o lugar certo para se sentar. O Riccardo, mais velho, senta na frente, com o irmão do lado”, revela o brasileiro Paulo de Carvalho, que também tem um lugar nessa mesa.
Ele é responsável por boa parte da exportação da vinícola familiar assim como também parte do mercado interno italiano. Um digno representante dos Cotarella no mundo. Seu trajeto rumo à uma posição na “famiglia” começou ainda aos 15 anos, quando, descendente de italianos, conseguiu a cidadania. Natural de Belo Horizonte, ele passou então a estudar na Fundação Torino, liceu fundado pelos gerentes da Fiat no Brasil para que seus filhos seguissem o currículo escolar italiano. Tendo cidadania e estudado em uma escola italiana, o jovem decidiu seguir para a Itália estudar Administração e Economia em Bolonha, em Forlì, em 2000. Tão logo se formou, o destino fez com que conhecesse Marta, filha de Renzo.
“Decidimos nos casar. Quando a família soube da decisão, os dois irmãos me chamaram para entrar na empresa, pois precisavam de alguém para desenvolver alguns mercados, especialmente América do Sul”, conta Carvalho. “Tive muita sorte, pois consegui achar pessoas que me acolheram quase como um filho”, admite o genro de Renzo, grato pela oportunidade de entrar nos negócios da família: “Tudo o que sei de vinho foi o que eles puderam me ensinar”.
Apesar de a família já estar ligada ao vinho, foi só em 1979 que os irmãos decidiram estabelecer uma empresa conjunta, a Falesco. “Eles são de Orvieto, na Úmbria, a mais ou menos 45 minutos de Roma. Lá perto existe uma área de produção que é Est! Est!! Est!!! di Montefiascone. Na época, final dos anos 1970, o Marquês Piero Antinori produzia um vinho nessa DOC e já existia um bom relacionamento com as duas famílias Cotarella. O Marquês decidiu não produzir mais e chamou os dois irmãos. ‘Se quiserem, podem continuar, posso até dar o meu rótulo para vocês’, disse. Riccardo e Renzo decidiram iniciar dessa maneira. Primeiro com o Est! Est!! Est!!!!, com uvas que compravam, e, à medida que foi crescendo, começaram a comprar os vinhedos ao redor da vinícola, especialmente perto do lago de Bolsena, e expandiram a produção. Tanto que hoje a vinícola é dividida em duas regiões, no Lazio e na Úmbria. Ela está bem na ponta do Lazio, perto da fronteira Úmbria, Lazio e Toscana”, conta Carvalho. Atualmente a empresa tem cerca de 170 hectares de vinhedos.
Apesar de Falesco ser projeto dos dois irmãos, é Riccardo quem toma as rédeas com mais frequência já que seu irmão costuma ter mais preocupações com a Antinori. “É o Riccardo quem cuida da enologia, quem faz os cortes finais dos produtos, mas o Renzo sempre procura estar por perto, provar, dar suas opiniões”, diz Carvalho. A experiência dos Cotarella foi essencial para o desenvolvimento de uma empresa localizada em uma região pouco conhecida da Itália. Acostumados a trabalhar em Denominações de Origem de mais prestígio, mas também em negócios visionários, como Antinori – um dos que rompeu com as tradições toscanas –, eles têm sempre um toque de ousadia em seus produtos.
“A qualidade do vinho provem principalmente do amor pelo que você faz. Não é só o fato de estar no Piemonte ou na Toscana. Não é só questão do terreno. Se o Gaia tivesse nascido no Lazio, teria feito um vinho ruim? Certamente não. Depende muito de quem está por trás e investe na paixão do trabalho”, acredita Carvalho, defensor da filosofia dos Cotarella.
De 70 mil garrafas de Est! Est!! Est!!! no início, hoje a produção chega a 2,5 milhões contando todas as linhas, sendo o ícone seu Montiano, um Merlot 100%, considerado um dos grandes Merlot do mundo.
“Tem que ter coragem em dar algumas pílulas de inovação em tudo o que se faz “, diz Paulo de Carvalho
“Montiano nasceu de uma ideia do Riccardo. Na primeira vez que ele foi a Bordeaux, o que mais admirou não foi a qualidade do vinho (que ele já conhecia), mas também a mentalidade das pessoas. Em Bordeaux, uma criança de 5 anos pode conversar com você sobre vinho. ‘Quero levar essa mentalidade, fazer algo que possa estimular ainda mais a produção’, pensou. E ele também se apaixonou pela Merlot, que, em suas palavras, é a uva que mais consegue dar ‘doçura’ a um vinho, com qualidade de fruta e taninos sedosos”, lembra Carvalho.
Riccardo, então, foi em busca de um terroir propício. “Achou um terreno único naquela região, pois, estando nas costas do lago de Bolsena, um lago vulcânico, ele passa uma mineralidade para o vinho que é única na Itália. É um Merlot com notas de grafite e fruto íntegro, que nasceu em uma região de produção de brancos e passou a ser considerado um dos tintos mais importantes da Itália. Foi uma revolução. A primeira safra foi 1993”, diz o genro de Renzo.
Aliás, foi outra ousadia dos Cotarella que fez renascer uma uva esquecida no Lazio, a Roscetto. Ela era tradicionalmente usada nos Est! Est!! Est!!! de antigamente, mas foi sendo relegada com o tempo. Riccardo e Renzo a resgataram e, com ela, criaram seu principal branco, o Ferentano. “Este vinho nasceu da pesquisa no Est! Est!! Est!!! Conseguimos isolar a Roscetto, analisamos o DNA da uva, que pertence à família da Greco. Então, ela tem a capacidade de produzir vinhos mais importantes, estruturados, brancos que podem durar no tempo, por volta de 10 anos”, diz Carvalho, lembrando que levou 10 anos para entender o Ferentano, para saber o que fazer com a Roscetto.
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Outra aposta dos Cotarella é a Syrah, que hoje resulta no rótulo Tellus – cujo desenho, por sinal, foi feito por 300 pessoas reunidas no Castelo Sant’Angelo que degustaram o vinho e o descreveram para que artistas pudessem criar uma imagem. “Temos um vinhedo experimental com castas completamente diferentes. Tentamos uvas que nunca foram utilizadas naquela região e que ninguém pensaria em usar como Negroamaro, Aglianico e até Barbera. Tudo para estudar”, conta Carvalho.
Mesmo os vinhos mais tradicionais da Falesco costumam ir mudando aos poucos com o tempo, sofrendo adaptações, mas isso faz parte da filosofia dos Cotarella. “Tem que ter coragem em dar algumas pílulas de inovação em tudo o que se faz. Antes de tudo, vou fazer um vinho que respeita o meu território, minhas diretrizes. Mas não posso esquecer do mercado. As pessoas têm que ser estimuladas”, atesta Carvalho, ou seria Cotarella...
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