Vinícolas do mundo

Heitz Cellar: “Robert Parker, você deve ter pego um resfriado”

A frase faz parte da carta enviada para o crítico americano, quando ele disse que o vinho de um dos produtores mais aclamados do Napa não tinha aroma

por Redação

A Heitz Cellar nasceu em 1961 com Joe e Alice Heitz

Joe Heitz sempre foi um homem reservado, de poucas palavras, mas muitas atitudes.

Talvez por isso alguns de seus principais negócios foram fechados apenas com apertos de mãos após uma breve conversa.

Joe nasceu e cresceu em uma fazenda em Illinois, onde seus pais e avós às vezes faziam vinhos com uvas selvagens.

Ele, porém, foi se dedicar à veterinária, que abandonou tão logo eclodiu a II Guerra Mundial. Alistado na Força Aérea, serviu na cidade californiana de Fresno e lá acabou ficando assim que os conflitos cessaram.

Em 1948, formou-se em enologia pela prestigiada UC Davis e logo foi trabalhar na vinícola Gallo – uma potência até hoje. Nos anos 1950, contudo, tornou-se o braço direito de ninguém menos que Andre Tchelistcheff – o grande revolucionário da vitivinicultura norte-americana – na Beaulieu Vineyards. 

Joe Heitz iniciou a Heitz Cellar com pouco mais de 3 hectares

Sua primeira propriedade foi comprada em 1961, quando ele e sua esposa, Alice, adquiriram pouco mais de 3 hectares de Leon Brendel em Santa Helena, onde se cultivava a variedade Grignolino – que até hoje é vinificada e oferecida como bebida de boas-vindas na vinícola. 

Nascia aí a Heitz Cellar.  

Uva dos outros

Nos primeiros anos, a Heitz Cellar apenas colocava seu nome em vinhos de outros produtores, como um Pinot Noir de 1959 da Hanzell Vineyards, de Sonoma, por exemplo.

Quando Harold Zellerback, fundador da Hanzell, faleceu em 1963, sua esposa liquidou o estoque da vinícola vendendo todo para Joe. Heitz também comprou e engarrafou Cabernet Sauvignon da Christian Brothers Winery. 

A grande mudança ocorreu em 1964 quando Joe e Alice foram visitar Fred Holt, dono do Rancho Rossi (que na época não tinha uma única videira plantada, apenas a vinícola de pedra existia) e fecharam negócio com um aperto de mãos.

Martha's Vineyard nasceu em 1965 em um aperto de mão

Diz-se que, dias depois, Holt teria recebido uma oferta maior pela propriedade e recusado, honrando seu compromisso com Joe. Mas o acordo mais importante certamente foi selado no ano seguinte quando ele foi conhecer o vinhedo de um casal amigo da família. 

Martha’s Vineyard

Mas o fato mais marcante aconteceu um ano antes em 1963, quando o casal Tom e Martha May comprou uma casa e um vinhedo em um local que se tornaria um dos maiores terrois do mundo, Oakville.

O proprietário anterior deixou para eles duas garrafas de vinho da Heitz Cellar como presente.

Impressionados com o vinho, decidiram visitar a vinícola e desenvolveram uma amizade com Joe e Alice. Esse episódio fortuito seria o início de uma das relações mais relevantes da vitivinicultura do Napa. 

Durante a visita ao amigo em 1965, Joe conheceu o que Tom tinha jocosamente batizado de “Martha’s Vineyard” em homenagem a sua esposa.

Vinhedos e sede da Heitz Cellar na década de 1970

Joe, no entanto, ficou encantado com a primeira colheita de Cabernet Sauvignon e se ofereceu para comprar as uvas. Mais um aperto de mãos selou o negócio que perdura até hoje. 

O primeiro Single Vineyard

O entusiasmo com o vinho feito com as uvas daquele vinhedo foi tanto que, em 1966, Joe e Tom decidiram colocar o nome Martha’s Vineyard na garrafa, criando assim o que se considera o primeiro Single Vineyard de Cabernet Sauvignon do Napa Valley. 

Joe lançou o vinho com preços bem mais altos do que os comumente praticados na época, causando espanto, mas, em pouco tempo, seu Cabernet passou a ser reconhecido como um dos melhores dos Estados Unidos. 

“Ele era um artista que não cobrava pelo custo da tinta e da tela, mas pelo que criava. O preço tinha a ver com o custo do que foi investido, sua contribuição e o lugar de onde as uvas vieram. Um vinho de mais de US$ 9! As pessoas diziam que havia um pouco de insanidade. Mas ele se manteve firme e aumentou os preços e aumentou a conscientização e as pessoas fizeram longas filas quando pelas últimas safras”, disse uma vez Warren Winiarski, outra lenda do vinho californiano, que criou Stag’s Leap. 

Martha's Vineyard tem 13,7 hectares de declive suave no lado oeste do vale do Napa ao sul de Oakville e é um dos primeiros vinhedos cultivados organicamente na região.

Martha's Vineyard tem 13,7 cultivados organicamente

Lá se cultiva um clone exclusivo de Cabernet (chamado clone Martha), famoso por produzir frutas pequenas com uma tonalidade roxa intensa, sabor concentrado e um toque de menta e eucalipto, sua marca registrada. 

O vinho só é lançado após cinco anos, com estágio de três em barricas de carvalho francês. 

O vinhedo continua com a família May que também continua cedendo as uvas exclusivamente para a Heitz Cellar, mesmo após a morte de Joe, em 2001, e mesmo agora quando a vinícola já não é mais da família. 

Em abril de 2018, a Heitz Cellar foi vendida para Gaylon Lawrence Jr.

A venda incluiu cerca de 170 hectares de vinhedos – a maioria orgânicos e biodinâmicos certificados –, a vinícola no final da Taplin Road e a sala de degustação na Highway 29, ao sul de Santa Helena. The Lawrence Group é uma das maiores empresas agrícolas do país, com propriedades em Napa Valley, mas também na Flórida, Illinois, Missouri, Arkansas e Mississippi. Antes de a família Lawrence mergulhar no mundo do vinho, seu foco era principalmente em algodão, soja, arroz e frutas cítricas na parte sudeste dos Estados Unidos. Hoje, a enologia está a cargo de Brittany Sherwood, que que trabalhou em estreita colaboração com o enólogo, David Heitz, filho de Joe, desde 2012. 

Parker resfriado?

Em uma entrevista em 2007, David Heitz, lembra que a fama do Cabernet de Martha’s Vineyard nunca se apoiou em qualquer avaliação do mais famoso crítico do planeta, Robert Parker. “Não recebemos avaliações particularmente boas de Parker. Anos atrás, meu pai teve uma grande discussão com ele. Tinha algo a ver com os comentários de Parker e meu pai se opôs a isso. Ele disse que Martha’s não tinha aroma. Papai enviou a ele uma caixa de lenços porque ele disse, ‘você deve ter pegado um resfriado’”, recordou.

Ainda assim, o vinho perdurou e é um fenômeno do Napa.  

Além de Martha

Apesar de o Cabernet Sauvignon de Martha’s Vineyard ser o grande nome da Heitz Cellar, outros vinhos e vinhedos se destacam como os outros dois Cabernet single Vineyard de Trailside Vineyard e Linda Falls Vineyard, por exemplo.

A Heitz tem uma gama que vai além do seu ícone Martha's Vineyard

Mas eles produzem ainda o seu curioso e histórico Grignolino e também um “Port” não safrado feito com uvas portuguesas plantadas no Ink Grade Vineyard.  

Rótulo

Quando seu pai perguntou como deveriam ser os rótulos dos vinhos da família, David Heitz, então com 10 anos na época, desenhou um homem com bastões básics segurando uma taça de vinho emoldurada por barris de vinho ao fundo.

O clássico rótulo da Heitz Cellar

Joe achou interessante e levou a ideia para o célebre pintor, gravador, muralista e ilustrador Mallette Dean, que então ajustou o desenho original e criou um mosaico com o rótulo Heitz Cellar está pendurado na parede externa do antigo chalé. 

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