Intensidade de sabores

O desafio de harmonizar vinhos e cozinha de bistrô revelou algumas surpresas no banquete de Adega

por Luiz Gastão Bolonhez

fotos: Piti Reali
“Roastbeef de Salmão e Creme de Porcini com Trufas”

Há vários sinônimos para bistrô, tais como cordialidade, família, cozinha rica e condimentada, criatividade e simplicidade. São palavras que remetem à alegria e generosidade dessa cozinha, sucesso em todo mundo.

Já há algum tempo, queríamos visitar um dos bons bistrôs paulistanos. O escolhido foi o consagrado Le Chef Rouge, propriedade de Vanessa Fiuza e sua sócia, Renata Braune, também chef da cozinha do restaurante.

Em todas as outras elaborações do enogourmet, eu tinha feito uma visita prévia e discutido com o chef in loco. Dessa vez, como Renata estava em Belém, utilizamos a tecnologia para nos aproximar. Por meio da internet trocamos inúmeros e-mails e, dessa forma prática e ágil, fechamos o menu que acompanharia os seis vinhos escolhidos para a noite.

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Entre os convidados para o banquete, na terça 31 de outubro, no Le Chef Rouge da Bela Cintra (a casa tem uma filial no Shopping Morumbi), estavam Priscilla Andrade, chef de cozinha com planos para abrir seu restaurante, Jacqueline Furrier, Monica Ribeiro, ambas advogadas, Roberto Prisco Ramos, executivo da indústria petroquímica, Marcelo Moraes, executivo do setor financeiro, Eduardo Gama, executivo da indústria automobilística, Christian Burgos, publisher de ADEGA, a restauranter e orgulhosa proprietária do Restaurante, Vanessa, e eu, editor de vinhos de Adega.

fotos: Piti Realifotos: Piti Reali
Menu do banquete“Mini Canapé au Chévre”

fotos: Piti Realifotos: Piti Reali
“Filet Mignon com molho rôti, foie gras e batatas gratinadas”“Vol au Vent au Fruits de Mer”

O primeiro encontro foi com o “Mini Canapé au Chévre” acompanhado por um Jerez recém chegado ao Brasil do produtor Fernando Rey de Castilha. O queijo de cabra com toques de nozes ficou perfeito com o bem seco Fino (nome mais adequado para definir esse vinho). À mesa iniciamos um agradável debate sobre essa maravilhosa bebida, que no Brasil é muito pouco difundida. O Jerez/Fino/Manzanilla está entre os mais adequados vinhos para iniciar uma bela refeição. Essa afirmação foi corroborada por Roberto Ramos que preferir, em muitas ocasiões, a família Jerez para abrir uma refeição, ao invés dos Champagnes, que são indiscutivelmente uma grande pedida para o início de uma aventura enogastronômica.

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fotos: Piti Reali
“Ragout de Pato”

fotos: Piti Reali
"Biscuit de Amêndoas com Creme de Chocolate"

A segunda criação de Renata se revelou uma unanimidade entre os felizardos gourmets. Como seria a combinação de um “Roastbeef de Salmão e Creme de Porcini com Trufas” com o Champagne Grand Cru do produtor Egly-Ouriet? “Uma experiência sensacional”, comentou Vanessa. A intensidade do pequeno filet de salmão quase cru – foi ligeiramente colocado em uma chapa quente –, acompanhado de um molho à base de creme de leite com cor ocre salpicado por pequenos pedacinhos de porcini, contraposto com a elegância e ao mesmo tempo força do crispy (crocante) da Champagne, fez dessa combinação a maior sensação da noite. Essa corajosa combinação nos levou a duas conclusões. A primeira é que, com critério, a Champagne tem sempre lugar em uma refeição acompanhando pratos, não apenas como aperitivo, como estamos acostumados. O segunda foi a confirmação de que cozinha de bistrô é realmente calcada em molhos intensos que geralmente fazem a diferença nos pratos desse estilo de cozinha.

fotos: Piti RealiO terceiro encontro foi o “Vol au Vent au Fruits de Mer” com o mais consagrado vinho branco dos Bistrôs de Paris e de Beaune, na Borgonha, o Saint Veran, elaborado com 100% da uva Chardonnay. Normalmente os Saint Verans são vinhos de médio corpo, com toques minerais e geralmente fáceis de serem apreciados.

Nesse caso, o prato tinha muita força com um molho à base de leite e massa folhada de média para alta intensidade. A polêmica ficou em torno da harmonização. A maioria comentou que para acompanhar o condimentado “Vol au Vent” seria necessário um vinho com mais corpo e intensidade. De qualquer maneira, para esse prato, um Chardonnay continuaria sendo a melhor indicação, mas com um pouco mais de estrutura. A conclusão de Eduardo é que com um Mersault ou com um bom Chardonnay chileno estaríamos melhor acompanhados.

A quarta harmonização foi uma experiência riquíssima. De um lado um “Ragout de Pato” cobrindo um creme de semolino e de outro um tinto da Borgonha, mais precisamente um Pommard. O pato cozido no próprio molho e desfiado cobria uma linda cama branca do creme de semolino, aparentando uma polenta branca na textura e no paladar. Esse prato casou perfeitamente com o jovem Pommard Les Vignots do negociante Nicolas Potel. Apesar de ainda muito novo, o vinho se portou bem ao lado do ragout, pois a untuosidade do prato foi equilibrada pelos taninos desse vigoroso Pinot Noir.

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fotos: Piti Reali
Detalhes da decoração

A última etapa, antes da sobremesa, foi o encontro entre o potente e encorpado Almaviva 2001 com um “Filet Mignon” acompanhado por um denso molho rôti com uma fatia de foie gras e batatas gratinadas ao forno com um leve toque de parmesão. O encontro foi equilibrado pois de ambos os lados havia muita força e personalidade. Priscila Andrade, fã confessa do Almaviva, elogiou a harmonização e a ordem crescente de intensidade dos pratos.

A sobremesa, um biscuit de amêndoas com creme de chocolate, foi acompanhada pelo fenomenal Porto Pintas Vintage 2003. O biscuit, uma espécie de bolo cremoso generoso do chocolate às amêndoas, precisava de um vinho de muita estrutura para acompanhá-lo. Todos nós sabemos que combinação entre vinho e chocolate é sempre um desafio. Depois dos Banyuls do Sul da Franca e dos Pedro Ximenez da Espanha, os vinhos do Porto são uma excelente pedida para fazer companhia ao chocolate.

Tudo deu certo e fechamos a noite suspirando, pois o equilíbrio dessa última combinação foi um dos grandes momentos desse memorável jantar.

fotos: Piti Reali
Vinhos selecionados para o jantar

Vinhos da Noite Classic Dry-Sec Fino Sherry

Bodegas Fernando Rey de Castilla, Jerez – Espanha (Casa Flora R$ 39,00). Uma verdadeira sensação para abrir uma refeição. Seus aromas são minerais e com muita fruta seca (amêndoas, nozes e cia). O primeiro ataque no nariz lembra até um borgonha de estirpe. Na boca é uma explosão de sabores com um delicioso final. Seus 15% de álcool estão totalmente integrados com uma acidez deliciosa e uma sensação de frescor. Esse produtor é uma das grandes revelações da região de Jerez de la Frontera. Prontíssimo para ser degustado.

Brut Traditionon Grand Cru

Egly-Ouriet, Champagne – França (WorldWIne La Pastina R$ 250,00). De perlage finíssima. O ataque no nariz mostra um champagne crocante e muito presente. Seus aromas têm predominância de pêras maduras e pão torrado. No palato é diferente dos champagnes corriqueiros, disponíveis no mercado. Muita intensidade e um equilíbrio marcante entre a fruta, o álcool e a acidez, que é perfeita para um Champagne. Esse produtor pode ser consagrado como um “champanheiro de garagem” por elaborar tão diversificados e sensacionais produtos.

Saint Véran 2003 – Chateau de Fuissé

Borgonha – França (Expand R$ 98,00) Amarelo pálido com toques de evolução. No nariz é gostoso, porém já apresenta um certo cansaço. Nota-se que o toque mineral requerido ainda está bem presente. Na boca confirmase que o vinho está em fase de declínio, mas ainda apresenta bom corpo e final interessante. Consumo imediato.

Pommard Les Vignots 2004

Nicolas Potel, Borgonha – França (Premium R$ 208,00). Nicolas Potel é filho de Gerard Potel, ex-proprietário da Domaine La Pousse D’or, que já fez muito sucesso dentre os grandes da Borgonha. Nicolas se dedica a encontrar as melhores uvas na Côte de Beaune para em seguida transformá-las em excelentes vinhos. Cor rubi. Seus aromas são de morangos, toques de framboesas e uma deliciosa madeira. Por ser jovem, seus taninos ainda estão muito selvagens, o que lhe tirou pontos em elegância. Muita vida pela frente. Recomenda-se abri-lo daqui a um ano.

Almaviva 2001

Baron Philippe de Rothschild e Viña Concha y Toro, Puente Alto – Chile (Casa do Porto R$ 360,00). Mozart ficaria orgulhoso em saber que seu personagem das Bodas de Figaro, o Conde de Almaviva, foi a inspiração para o nome de um dos vinhos mais importantes de nosso continente. O conceito desse vinho é o de “premier grand cru”. Pois bem, esse premier 2001 tem aromas marcantes de frutas (destaque para cassis e amoras negras) com toques de baunilha. Na boca é presente e aveludado, com um final delicioso. A sensação é de se degustar um vinho chileno com sotaque francês. Para amantes de vinhos à base de Cabernet Sauvignon e de estilo bordolês, é uma grande pedida. Delicioso hoje e com mais dez anos de evolução na garrafa.

Vintage Port 2003

Pintas, Pinhão – Portugal (Mistral US$ 139,50). Cor rubi violeta profundo. Densidade impressionante. Aromas deliciosos lembrando uma infusão de frutas negras (ameixas e cerejas) com toques pronunciados de chocolate, baunilha e flores (violetas). Na boca, confirma que 2003 foi uma das melhores safras de todos os tempos para vinhos do porto que devem ser apreciados ainda jovens. Ainda no palato dá para sentir claramente as cerejas negras e o chocolate. Uma potência de vinho com muita personalidade e um final quase infinito. Pode-se abrir hoje uma garrafa, mas em dez anos estará melhor e em 40 anos, muito vivo.

Tabela de notas
Extraordinário ( de 95 a 100 pontos)
(93 a 94)
Excelente (90 a 92)
(88 a 89)

Muito Bom

(85 a 87)
(83 a 84)
Bom (80 a 82)
(76 a 79)
Médio (70 a 79)(70 a 75)
-Fraco (50 a 69)(50 a 69)
= Beber
= Beber ou Guardar
= Guardar
Obs: preços aproximados no varejo, sujeitos à variação.

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