O grego

Castas de nomes difíceis, conduções de vinha singulares, teorias sobre leveduras, bactérias e outros detalhes da enologia... Yiannis Paraskevopoulos revela as particularidades dos vinhos da Grécia, o “Novo Velho Mundo”

por Por Arnaldo Grizzo e Eduardo Milan

Yiannis Paraskevopoulos

"Senti mais uma vez o quão simples é a felicidade: uma taça de vinho, uma castanha assada, um pequeno braseiro, o som do mar. Nada mais. E tudo o que é necessário para sentir que aqui e agora está a felicidade em um coração simples e frugal”. A frase do livro “Zorba, o grego” parece definir o espírito dos cidadãos daquele país, assim como a cena final do filme (de 1964) baseado no mesmo romance e eternizada por Anthony Quinn e Alan Bates, em que seus personagens, diante da total desolação, decidem coreografar a sirtaki, uma tradicional dança grega, em um momento de catarse.

Essa foi a imagem da Grécia mundo afora durante muito tempo e ainda perdura na mente de muitos. No país berço da filosofia (e também da vitivinicultura), seus cidadãos, ao mesmo tempo que dão a impressão de teorizar todos os assuntos (há sempre “grandes questões”), parecem, ao final, viver uma elegia da simplicidade. Quando se conversa com Yiannis Paraskevopoulos certamente tem-se essa impressão.

Há 20 anos, ele e seu sócio Leon Karatsalos criaram a Gaía Wines e têm ajudado a recolocar a Grécia no mapa do mundo do vinho. Nascido em Atenas, Paraskevopoulos, de certa forma, lembra a figura de um típico estivador grego, por seu porte, mas um estivador filósofo, como se provou. Sua rapidez de raciocínio e com as palavras certamente têm uma consoante na retórica aristotélica. Ele é mais do que enólogo, é PhD especialista em microbiologia ligada à enologia, ou seja, cada pequeno detalhe é um grande tópico e leva a “intermináveis” discussões. No entanto, ainda assim, seus intrincados pensamentos parecem sempre levar a conclusões que remetem a situações em que a simplicidade impera ou deve imperar.

Nesta entrevista exclusiva, Paraskevopoulos dá uma aula sobre vinho grego e conceitos de enologia. “Há muitos vinhos no mundo e muitas baboseiras, mas há algumas histórias sobre coisas genuínas e elas merecem contadas ao público”, começa.

Como você entrou no mundo do vinho?

Começamos a Gaía Wines em 1994, ou seja, tem 20 anos apenas. Mas tem sido uma grande aventura. Sou um agrônomo, assim como meu sócio, Leon Karatsalos. Ambos crescemos em Atenas e não temos relação com vinhas ou mesmo com Santorini ou Nemea (regiões onde estão suas vinícolas). Ambos estudamos agronomia e houve um momento em que precisava escolher um campo. Então, escolhi o vinho, fui para a França, estudei por cinco anos, fiz o diploma básico de enologia até o PhD, peguei todos os diplomas possíveis. Voltei para a Grécia, trabalhei para um grande companhia até ser sacado. Fiquei desempregado. Assim, decidimos, tendo um “grande capital” – cada um de nós tinha 5 mil euros – começar o projeto. Tínhamos uma visão, que era trabalhar com as variedade gregas e, baseados nelas, tentar exportar nossos vinhos. Agora, temos duas vinícolas e exportamos a maioria do que fazemos. A melhor coisa é que ambos temos um hibridismo, temos total liberdade para escolher o que consideramos as mais proeminentes, promissoras e interessantes castas para trabalhar. Então, fomos para Santorini, onde começamos nosso primeiro vinho. Alugamos uma cuba na vinícola de outra pessoa e fizemos 7 mil garrafas. Dois anos depois, começamos a construir nossa vinícola no Peloponeso, na região de Nemea, e passamos a fazer tintos, em 1997. Em 1999, adquirimos uma vinícola em Santorini, que não é ruim... [mostra a imagem ao lado]. É o que chamamos de escritório de verão...


“Em 1999, adquirimos uma vinícola em Santorini, que não é ruim... É o que chamamos de escritório de verão...”

Santorini é uma ilha de muito turismo e tempos atrás ouvimos histórias de que havia uma batalha entre viticultores e os empreendimentos imobiliários, que estavam derrubando vinhas para construir. Como está essa situação hoje?

Foi até pior do que isso, mas agora não é mais. Houve uma época em que pensamos que perderíamos as vinhas. Mas os cidadãos de Santorini perceberam que essa é uma forma sustentável de ganhar a vida. Passamos leis que não permitem a ninguém tirar vinhas e construir. Com o preço que o quilo do Assyrtiko alcançou hoje, cerca de 2 euros, os viticultores agora são fervorosos em preservar. Mas eles perceberam isso muito recentemente. Cerca de cinco anos antes, eles queriam tirar tudo e construir hotéis. Acho que tivemos êxito em preservar a vinha, que é mais antiga do planeta.

Mas o turismo de certa forma não acaba sendo importante também para vocês?

Não sobrevivemos do turismo, mas ajuda a promover algo que é nosso.

Como você definiria a Grécia no mundo do vinho hoje?

Somos tratamos como se fôssemos Novo Mundo no negócio do vinho. Não! Somos provavelmente os mais velhos do Velho Mundo. Nós propagamos a vinha no resto da Europa. O que aconteceu é que, por muitos e muitos anos, ficamos totalmente escondidos em nosso país. Só recentemente estamos expondo novamente os rótulos para o mercado internacional.

Por que só agora?

Nós exportávamos nosso vinho, mas era mais como um transporte de gregos para gregos – de gregos da Grécia para gregos que vivem no exterior –, em vez de uma exportação de verdade. Então, estão nos descobrindo agora e nos consideram Novo Mundo. Jancis Robinson disse que a Grécia é o Novo Velho Mundo. E acho que isso é correto.

As vinícolas de Gaía ficam em Nemea e Santorini

"Somos tratamos como se fôssemos Novo Mundo no negócio do vinho. Não! Somos provavelmente os mais velhos do Velho Mundo. Nós propagamos a vinha no resto da Europa"

E quais as particularidades que fazem com que a Grécia possa estar na mira do consumidor internacional?

Em algumas áreas do país, como Santorini, mantivemos – pelo menos no lado da viticultura e condução das vinhas – originalidades e particularidades que você não encontra em lugar algum. Por exemplo, esse sistema de poda das vinhas [na foto da página 12]. Lá é um ambiente com vento extremo e há muito sol. Se tivéssemos um sistema normal, nossas uvas terminariam no mar ou ficariam tostadas. Essa condução protege do vento, mas também proporciona sombra. Mas a coisa mais interessante é que somos um vulcão ativo, assim, o solo é estritamente poeira vulcânica e, por isso, não há filoxera. É totalmente a livre da filoxera. Mesmo que você a introduza, ela não vai sobreviver. Isso significa que jamais replantamos as vinhas.

Em um ambiente tão hostil, como elas sobrevivem?

As raízes vão muito profundamente procurando por água, que nunca vão encontrar, porque não chove. A única chuva que temos é a névoa da manhã. Dessa forma, nessas vinhas de 100 anos, os elementos que vêm do solo não conseguem alcançar a fruta, pois essa espiral tem muitos e muitos metros. Então, o rendimento, que já é baixo, torna-se ainda mais baixo. O que fazemos é cortar as vinhas, decapitá-las, ao nível do solo, em média a cada 80 anos. Assim, a mesma raiz, que fica no solo, regenera em uma nova planta. Fazemos isso, em média, cinco vezes por planta, isso dá cerca de 400 anos. Por que isso é importante? Por causa da história ou do marketing? Não. Todo mundo elogia, pelo menos nos brancos, a mineralidade. Todo mundo escreve sobre mineralidade, mas me pergunto se eles sabem o que é a mineralidade realmente.

“Minerais existem em todos os solos, obviamente que nos vulcânicos muito mais, mas você precisa ter um sistema de raízes muito maduro para se aproveitar desses minerais. É uma questão de idade realmente”

Para você, o que é mineralidade?

Da forma como vejo as coisas, é como a planta consegue aproveitar os minerais do solo e expressá-los no vinho. Minerais existem em todos os solos, obviamente que nos vulcânicos muito mais, mas você precisa ter um sistema de raízes muito maduro para aproveitar esses minerais. É uma questão de idade realmente. Nesse caso, os vinhos de Santorini – baseados nesse variedade fabulosa de Assyrtiko – combina ambas as coisas: solos extremamente ricos em minerais e um sistema de raízes muito maduro. Dessa forma, acabamos com vinhos campeões, pelo menos em termos de mineralidade. Vinhos de vulcões são interessantes, porque cada vulcão tem uma configuração de minerais diferente. O monte Fuji, de variedades muito antigas, tem essa mesma linha, esse approach mineral, vinhos ácidos, crocantes, não muito frutados, com muita estrutura. Isso é uma das particularidades do meu país, mas não a única. O que os gregos dizem hoje para o público é algo muito simples. Somos apenas um país pequeno que faz vinhos muito diferentes, pois são baseados em variedades distintas; vinhos que são bons, muito consistentes. Então, no único dia do ano em que você não quiser provar outro vinho italiano ou espanhol, pode ter uma opção grega.

"Em algumas áreas do país, como Santorini, mantivemos – pelo menos no lado da viticultura e condução das vinhas – originalidades e particularidades que você não encontra em lugar algum"

“Nossa vinícola em Nemea fica a 500 metros de altitude, perto de montanhas cobertas de neve no topo, o que explica parcialmente essa finesse europeia e por que não podemos produzir grandes ‘blockbusters’ tintos”

“Mercados evoluídos sabem que a madeira deve estar lá como uma base na qual o vinho evolui. Em nenhuma circunstância, ela deve ter um papel predominante”

O que esperar dos vinhos gregos?

Você sempre acha que a Grécia fica nos trópicos (devido às ilhas), mas é um país muito pequeno e 70% da superfície é de montanhas altas. Então, a maioria dos vinhos gregos tem uma alta acidez e uma finesse que vem do cal, pois há calcário em todo lugar, mas também da altitude. Nossa vinícola em Nemea fica a 500 metros de altitude, perto de montanhas cobertas de neve no topo, o que explica parcialmente essa finesse europeia e por que não podemos produzir grandes “blockbusters” tintos. Nós tentamos, assim como todo mundo no começo, pois estávamos encantados com o estilo australiano, mas felizmente nossas duas variedades não suportam isso. Então, ficamos com a elegância europeia, alta acidez, principalmente por causa da elevação. Mas não pense nisso, pois a Grécia é uma ilha, com mar azul, céu ensolarado, tempo quente... Não é o caso aqui.

Como vocês trabalham com a madeira e o que pensa de como ela deve ser usada?

Madeira é uma complicação fácil... A madeira segue a moda... 30 anos atrás éramos todos primitivos. Os consumidores no mundo todo queriam sentir a madeira porque podiam relacionar a algo, se referir a algo. “Uhm... O carvalho... É perfeito...”. Assim conseguiam ter uma opinião sobre o vinho. Agora, mercados evoluídos sabem que a madeira deve estar lá como uma base na qual o vinho evolui. Em nenhuma circunstância, a madeira deve ter um papel predominante. Todos sabemos disso. Pelo menos sabemos levar o vinho a usar a madeira nessa direção, numa base sólida para que ele evolua. O que estamos tentando dar aos consumidores é fruta, vinho, variedades, não extrato de madeira. Preparar extratos de madeira é fácil e chato.

Mas e as leveduras?

Levedura é a grande questão. É o grande tópico. Acho que o começo dessa discussão foi gerada pela imprensa, mas não importa como começou, a questão é o que temos feito. Sou PhD em microbiologia, podemos discutir o tópico por horas, mas posso dizer que, nesse ponto, é exatamente como na discussão das barricas. Passamos de uma dimensão muito estática e monolítica lá atrás, quando um enólogo podia achar um tipo de barrica e comprar apenas esse tipo. Ele podia ter um bom vinho, mas era muito “quadrado”. Não havia pluralismo. Com a levedura, ocorria o mesmo. Ninguém usava levedura e agora todo mundo usa, e tentam refinar uma espécie para fazer o trabalho. Agora sabemos que isso não funciona. E estamos tentando imitar a natureza no que chamamos de fermentação com levedura natural, mas usando mais de uma espécie, inoculada – mesmo com espécies que anos atrás você não consideraria sequer tocar, consideradas más. Tenho feito fermentação com leveduras naturais em um dos meus vinhos, mas é nervoso, é uma tortura na hora de fazer, porque elas simplesmente não fazem o que você quer que façam. Mas, por outro lado, também faço fermentação usando uma série de espécies diferentes que, para nós, são consideradas “selvagens”. Todo mundo se atenta à levedura, mas ninguém se liga na coisa mais importante na biologia relacionada à enologia: a bactéria.

Yiannis Paraskevopoulos e Leon Karatsalos
Yiannis Paraskevopoulos e Leon Karatsalos

"Todo mundo se atenta à levedura, mas ninguém se liga na coisa mais importante na biologia relacionada à enologia: a bactéria"

Por que não?

Porque eles não sabem. Essa é uma grande questão. Como você se submete, como conduz sua fermentação malolática? As pessoas não falam disso, mas é um grande erro na minha opinião. É mais importante, pelo menos para os tintos, do que a levedura. A fermentação malolática é extremamente importante em tintos que envelhecem. A questão é que, no mundo da levedura, há mecanismos que, mesmo quando você não faz nada, há uma grande chance de uma boa espécie prevalecer. Aí, você tem um vinho decente. No mundo bacteriológico, esse mecanismo não existe. Tudo morre, bom ou ruim, e funcionarão juntos e darão resultados péssimos no final. Mas isso eles não sabem porque muitos são relutantes em usar bactérias selecionadas. A discussão está aberta e vamos discutir por muitos anos. Vamos mudar o uso como já fizemos, indo para frente e para trás, com selecionadas ou selvagens. Em termos de bactéria, a questão está fechada para mim: apenas bactérias selecionadas.

Falando sobre as castas gregas, quais as que mais se destacam?

Podemos falar de quatro variedades interessantes, duas brancas e duas tintas. Em branco Assyrtiko, em Santorini, e Moschofilero, no Peloponeso, um tipo de Gewürztraminer, mas menos apimentado. Nos tintos, Agiorgitiko, no sul da Grécia, onde é mais tradicional, e Xinomavro, no norte. Essas quatro variedades são as principais. Todas são autenticas, gregas, originais e tendo a acreditar que Assyrtiko é que fez ruptura. É a única variedade grega que vemos plantada em outros países, como na Austrália, Líbano, Israel, Califórnia, África do Sul. Jancis Robinson, na apresentação de seu livro de castas foi perguntada sobre qual variedade escolheria entre todas as de seu livro, e ela escolheu Assyrtiko. Isso dá uma ideia sobre o que a Assyrtiko pode alcançar. Experimentei um vinho de Assyrtiko em 2000, que tinha sido engarrafado em 1847, e ele estava muito vivo. Você nunca espera encontrar uma variedade branca dessa latitude, muito próximo da África, com pH menor que 2,9, como um Riesling do Reno. É um monstro.

"São como tintos sem cor, são ácidos, minerais, fenólicos, muito estruturados, longos... São vinhos com muita personalidade. [...] Ou se ama ou se odeia. Não há meio termo"

Como definiria a Assyrtiko para quem está começando no mundo do vinho?

Assyrtiko não é para iniciantes. Esses vinhos fingem ser tintos. São como tintos sem cor, são ácidos, minerais, fenólicos, muito estruturados, longos... São vinhos com muita personalidade, que alguns consumidores não conseguem acessar. É como as pessoas, quando há alguém de grande personalidade, ou se ama ou se odeia. Não há meio termo. Assyrtiko é assim, e você vai se apaixonar por ele se for um conhecedor ou olhar para a sua profundidade. Mesmo para os iniciantes é óbvio que Assyrtiko tem uma virtude, pois é dirigido pela fruta e, durante um jantar, esses vinhos brancos não são delicados, são muito intensos, do começo ao fim. Com isso, mesmo os iniciantes podem se relacionar.

Vinhos avaliados

90 pontos
AGIORGITIKO BY GAÍA 2011
Gaía, Nemea, Grécia (Mistral US$ 53). Tinto elaborado a partir de Agiorgitiko, com passagem por barricas de carvalho. Mostra fruta de ótima qualidade tanto no nariz quanto na boca, acidez vibrante e taninos de ótima textura. Consegue aliar frescor e profundidade, com toques salinos no final, o que o torna muito gostoso de beber. EM

91 pontos
ASSYRTICO WILD FERMENTED 2013
Gaía, Santorini, Grécia (Mistral US$ 55). Branco elaborado com Assyrtiko fermentado parcialmente em barricas de carvalho francês e americano e em barricas de acácia, todas de 225 litros, somente com leveduras indígenas. Os aromas lembram frutas cítricas maduras envoltos por notas especiadas e minerais. Mas é na boca que merece atenção, com sua excelente acidez e textura sedosa e aveludada. EM

90 pontos
NÓTIOS WHITE 2013
Gaía, Peloponeso, Grécia (Mistral US$ 35). Branco feito com duas variedades brancas de casca rosada, Moschofilero e Roditis, sem passagem por madeira. Surpreende pela eletricidade e vibração do conjunto, tudo num contexto de acidez e mineralidade. Um vinho cristalino em todos os sentidos, pleno de frutas cítricas e notas florais. Gostoso de beber, ótima opção como aperitivo. EM

AD 89 pontos
Nótios Red 2010
Gaía, Peloponeso, Grécia (Mistral US$ 42). Aromas delicados de frutas vermelhas com notas de chocolate muito atraentes. Na boca, o frescor mostra sua potencialidade com boa acidez. Seu corpo médio e taninos suaves também estão bem equilibrados permanecendo por longo tempo na boca. Gostoso e fácil de beber, harmoniza com carnes vermelhas. É um ótimo tinto para conhecer e desfrutar da cepa Agiorgitiko e se aventurar no mundo grego. HSK

AD 91 pontos
Thalassitis 2012
Gaía, Santorini, Grécia (Mistral US$ 56). Branco da cepa Assyrtiko de vinhas de 80 anos da região vulcânica de Santorini. O complexo aroma de mineral com notas de mel é impressionante e provocativo. Acidez e corpo estão elegantemente balanceados permanecendo por longo tempo na boca. Harmoniza com frutos do mar, peixes e até com carnes brancas. É recomendável decantar por uma hora antes de servir para que se possa desfrutar desse branco em sua plenitude. HSK

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