Laurent Delassus é o vice-presidente de marketing da vinícola e conta como Opus One olha cada vez mais atento para o mercado brasileiro
por Christian Burgos
Fevereiro de 2019 marcou uma data muito especial para a vinícola Opus One, a célebre propriedade californiana que nasceu da junção de esforços do Barão Philippe de Rothschild e Robert Mondavi, dois dos maiores nomes do vinho de todos os tempos. E essa data marcante deveu-se uma prova monumental com então todas as safras de Opus One da história, realizada pela primeira vez fora da vinícola. Onde? No Brasil.
Desde então, os gestores de Opus One ficaram mais atentos ao mercado brasileiro. Laurent Delassus, vice-presidente de marketing da vinícola do Napa – que estava presente naquela degustação –, conta que passaram a estudar o mercado para entender como poderiam ser melhor representados, pois talvez o sistema de négociants (como Opus One é tradicionalmente distribuído em quase todo o mundo) não fosse o melhor para o Brasil.
Foi então que decidiram selecionar um importador (a Mistral) “depois de muitas discussões e reuniões de reflexão”.
Novamente no Brasil após três anos, Delassus veio para apresentar a nova safra de Opus One e contou o que levou a empresa a voltar seus olhos para o Brasil.
“Temos vários brasileiros indo visitar a vinícola. Sabemos que os brasileiros compram de lojas famosas como Sherry-Lehmann e outras. Sabemos que há muitas coisas acontecendo nas mídias sociais também, pois há muita atividade. Então, é por isso que sabemos que há potencial, há grande paixão pelos vinhos. Então decidimos que precisávamos muito prestar atenção nesse mercado”, diz.
Confira a conversa que ADEGA teve com Delassus a seguir e clique aqui para conferir todas as safras Opus One já degustados por ADEGA. Se preferir pode assistir a esse bate-papo na TV ADEGA ou ainda ouvir no formato de Podcast.
Laurent Delassus: É uma história de pessoas, Robert Mondavi e o Barão Philippe de Rothschild. Na época, o barão era casado com uma americana [Pauline] e estava viajando para os Estados Unidos, para a Califórnia, muitas vezes na década de 1970. E ele percebeu que havia um grande potencial nos vinhos do Napa.
Então começou a sair por aí conversando e tentando ver quais projetos poderia fazer. E o nome que vinha o tempo todo à mesa era Robert Mondavi, que era um grande promotor do vinho local. Mas ele havia sido expulso do negócio de sua família. E quando se encontrou com o barão, tiveram a mesma visão. A discussão começou no início dos anos 1970, e em 1976 o barão disse: ‘Adoraria que você viesse me visitar em Bordeaux. Tenho um projeto que gostaria de discutir’.
Não disse qualquer palavra do que se tratava. Então o Robert veio com sua filha para Pauillac. Eles tiveram grandes encontros primeiro, mas eram eventos sociais, degustação, jantar, vinho, mas nada de negócios.
Finalmente, eles se encontraram pela manhã e tiveram uma reunião de uma hora em que realmente decidiram que fariam um projeto juntos. ‘Vamos criar um novo vinho no Napa, que será o equivalente a um Premier Cru Classé de Cabernet Sauvignon’.
O barão enviou Lucien Sionneau, enólogo do Château Mouton Rothschild, de 55 anos, que não falava uma palavra de inglês e nunca tinha viajado para fora. Ele deveria se encontrar com Tim Mondavi, de 25 anos, recém-formado na UC Davis.
Aqueles dois homens tiveram que se entender. Pegaram as melhores barricas de Mondavi e começaram a misturar o vinho, para materializar a visão do barão e de Robert.
Depois de um dia, eles não concordaram sobre o estilo que deveriam fazer, então tiveram que voltar para um segundo dia. No segundo dia ainda foi um desastre. Você pode imaginar como as pessoas estavam chamando umas às outras e pensando: ‘O que vamos fazer agora?’
E finalmente, no terceiro dia, que aparentemente não foi muito longo, – pelo menos essa é a lenda –, eles voltaram com uma garrafa, colocaram-na no meio da mesa e dizem que ia ser assim.
O nome Opus One não existia na época. Havia sugestões de nomes malucos como Napamedoc ou coisas diferentes. Levou muitos anos para construir o nome Opus One.
O barão era um grande fã de música e ele disse: ‘Devemos chamá-lo de Opus’. E, conversando novamente com Robert Mondavi, disse que precisava fazer apenas um vinho. ‘Então, devemos chamar de Opus One’. Esse foi o começo da história.
Em 1979, eles fizeram essa seleção, como disse, das barricas, mas super pequenas. Então voltaram com uma segunda safra em 1980.
Quando em 1984, começaram a vender o vinho para o mercado, tinham um número tão limitado de garrafas de 79 que decidiram fazer uma caixa mista. Eram duas garrafas de 79 e quatro de 80. Você pode encontrar caixas completas de 80, mas nunca encontrará de 79.
O barão faleceu em 1988 e madame Philippine Rothschild aos poucos estava pronta para se envolver no projeto. E, com Robert Mondavi, juntos perceberam que se quisessem continuar, precisavam construir o conceito de château, o que significa que você precisa de um vinhedo dedicado e precisa também de uma vinícola para fazer o vinho.
Então começou a construir a vinícola em 1988, e a primeira safra foi a de 1991. No vinhedo, há duas partes. Uma que fica ao lado da vinícola, que não foi comprada de Mondavi na época, e outra do outro lado da estrada, que veio de algumas das melhores parcelas de Mondavi.
Provavelmente é verdade porque quando ela veio para Bordeaux – saindo de Paris, pois, como se sabe, ela era uma artista – provavelmente ela não podia mudar as coisas rapidamente.
E então ela percebeu no Napa o jeito americano de fazer o negócio. Com um visionário como Robert Mondavi, ela poderia fazer um projeto. Então ela realmente abraçou o projeto.
É verdade, pois no início pensaram que ninguém iria visitar a vinícola. Então ela tinha um quarto. Mas aos poucos, a vinícola mudou e agora estamos recebendo muitas pessoas. No início, era um verdadeiro conceito de château familiar, com identidade muito particular.
Foi uma longa discussão. O rótulo foi feito por uma agência sediada em São Francisco. Susan Pate fez vários projetos, mas no final, ela veio com a ideia de representar as duas famílias, com as duas cabeças. Você tem as cabeças do barão, olhando para o leste, e Robert Mondavi olhando para o oeste. A cabeça do barão está um pouco mais alta que de Robert.
A assinatura de Robert será um pouco mais alta que o barão, para gerar uma simetria e um equilíbrio originais. Esse rótulo nunca foi alterado desde o início. Ele mostra dois homens influenciando no vinho e uma herança forte. Temos muito respeito por isso. E tudo o que fazemos é a continuação do que foi decidido naquele famoso dia em que eles se encontraram pela manhã por uma hora no quarto.
Temos um segundo vinho chamado Overture, mas está realmente ligado ao primeiro. É uma seleção que vem dos 69 hectares que temos.
Muito pouca, cerca de 10 a 15% de Opus One. Acreditamos que nosso vinhedo pode produzir 100% de Opus One. Mas a realidade é diferente porque você precisa replantar, tem algumas diferenças de um ano para outro. Então, sim, algumas uvas, talvez não consigam chegar a Opus One todo ano, mas é muito limitado.
Acreditamos que a maioria do vinhedo pode produzir essas uvas, e termos Overture não é para abarcar o tipo de uva que não queremos. Pois ele nos representa também e tem uma certa visão, obviamente. Então, mesmo em pequena quantidade, ainda é um nível alto.
No início, não oferecemos Overture à Mistral [importadora] porque, durante três anos, com a pandemia, concentramo-nos em Opus One, mas pudemos sentir que há uma demanda. Então isso significa que, na mente das pessoas, os dois vinhos estão conectados. Não é apenas um Opus mais barato, há uma conexão.
É um conceito muito específico, porque fazemos um multivintage, o que significa que estamos misturando duas ou três safras muito recentes. O último lançamento, por exemplo, é 2017 e 2018. Queremos fazer um Overture que seja acessível, que as pessoas possam ter um feedback instantâneo.
Eles realmente estavam fazendo um vinho que era um estilo de Bordeaux e acho que talvez Tim Mondavi estivesse pressionando para obter essa liberdade, para tornar um vinho um pouco mais local, com muito frescor. Acho que esse frescor está lá desde 2001, ele representa a imagem de cada safra.
Fugimos um pouco desse estilo de vinho que é apenas para guardar. Trabalhamos muito o frescor, o equilíbrio. Colhemos, na maior parte do tempo, com duas ou três semanas de antecedência em relação aos nossos vizinhos. Fazemos a colheita à noite, entre 3h e 7h, mais ou menos, da manhã. Vamos trazendo aos poucos as uvas, fechamos a porta e fazemos o processo de vinificação. O frescor é o ponto chave.
E você tem um vinho muito mais elegante no início dos anos 2000. E ainda mais depois de 2010, quando comecei a sentir que vinho se move estilisticamente em uma nova direção, sem perder a conexão com o que há de melhor. Sente-se mais frescor e um vinho mais apto a ser bebido mais cedo sem perder a oportunidade de envelhecer.
Desejamos manter esse equilíbrio o tempo todo. A safra 2018, por exemplo, podemos beber lindamente hoje, um vinho jovem, sim, mas você também pode envelhecer. Acho que essa é uma das belezas do Opus One, manter esse equilíbrio entre beber jovem e envelhecer muito bem, algo que nem todo mundo oferece.
Você tem grandes vinhos em todo o mundo, mas às vezes tem que esperar. Quanto tempo você deve esperar? Não sabe. E este é um dos pontos mágicos.
É sempre bom esperar. Falando francamente, temos que esperar um pouco.
No passado, diríamos 20 ou 30 anos, mas com 10 anos acho que você realmente aprecia essa evolução. A safra 2017 está jovem. Agradável se bebida sozinha. Perfeita. Se comparar com outras mais antigas, penso que deve esperar um pouco.
Nesta safra o Opus One foi produzido a partir de 80% Cabernet Sauvignon, 9% Petit Verdot e parcelas de Merlot, Cabernet Franc e Malbec, com estágio de 17 meses em barricas novas de carvalho francês. Ainda fechado, precisa de algum tempo na taça para começar a apresentar seu famoso ar sedutor. Nessa safra, é notada uma mudança sutil para um estilo de maior verticalidade, menos potente, menos concentrado e de menor influencia da madeira, quando comparado a safras anteriores.
Composto a partir de 80% Cabernet Sauvignon, 7% Petit Verdot, 6% Cabernet Franc, 5% Merlot e 2% Malbec, com estágio de 18 meses em barricas novas de carvalho francês. Muito bem feito em seu estilo de maior madurez e de maior concentração. Apesar da pouca quantidade de Merlot, ela mostra sua cara, aportando untuosidade, notas florais e uma fruta negra acolhedora e sedutora. Exuberante nos aromas e nos sabores, tem taninos finíssimos, acidez na medida e final cheio e persistente.