Os segundos dos primeiros

Os segundos vinhos dos Châteaux Premiers Grands Crus de Bordeaux se tornaram uma opção para provar os terroirs mais importantes do mundo a preços mais acessíveis

por Luiz Gastão Bolonhez

Os vinhos produzidos nos suntuosos castelos de Bordeaux, muitos com mais de 300 anos, foram classificados em 1855 em cinco categorias que, desde então, só teve uma mudança: em 1973. Foi quando promoveram o lendário Château Mouton Rothschild a Premier Grand Cru Classé. O Mouton era um Deuxième Cru, mas seu proprietário o Barão Philippe de Rothschild nunca se contentou em ver seu vinho nessa posição.

Os primeiros vinhos da classificação, os Premiers Grands Crus Classés, continuam sendo os principais expoentes de Bordeaux, e estão entre os vinhos mais fascinantes, longevos e disputados do planeta. Estamos falando dos Châteaux: Lafite Rothschild, Mouton Rothschild, Latour, Margaux e Haut Brion. Os três primeiros são da pequena comuna de Pauillac, a "Meca" do vinho do Médoc, enquanto o Margaux fica na região de mesmo nome, e o Haut Brion é o único não Médoc dos cinco, pois fica localizado na grande Bordeaux, mais precisamente em Péssac.

QUANTIDADE DE GRAN VIN E DEUXIÈME VIN PRODUZIDO

Gran Vin do Premier Grand Cru Classé/AOC/Localidade/média de garrafas produzidas por ano Deuxième Vin/média de garrafas produzidas por ano
Château Lafite Rothschild/Pauillac/Médoc/220.000 Carruades de Lafite/24.000
Château Mouton Rothschild/Pauillac/Médoc/300.000 Le Petit Mouton/30.000 (muito variável)
Château Latour/Pauillac/Médoc/220.000 Les Forts de Latour/140.000
Château Margaux/Margaux/Margaux/200.000 Pavillon Rouge de Château Margaux/40.000
Château Haut-Brion/Péssac/Bordeaux/240.000 Bahans-Haut-Brion (Le Clarence)/48.000
Château Cheval Blanc/Saint-Émilion/120.000 Le Petit Cheval/80.000
Château Ausone/Saint-Émilion/18.000 Chapelle d'Ausone/5.000

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História dos Deuxième Vin não é nova, mas essa tendência se proliferou durante a década de 1980

Além dessas sub-regiões (Pauillac, Margaux e Péssac), ainda temos em Bordeaux dois verdadeiros berços de vinhos espetaculares com prestígio de Premier Grand Cru Classé, que são: Saint-Émilion e Pomerol. Em Saint-Émilion temos uma classificação diversa da de 1855, que ordena os vinhos em Gran Vin A e B, e somente duas propriedades são classificadas como A: Château Cheval Blanc e Château Ausone. Já em Pomerol não há classificação regulamentada, mas são de lá vinhos como Pétrus, Le Pin, La Conseilante, L'Evangile, dentre outros.


Deuxième Vin e Deuxième Cru

A grande maioria dos Châteaux de Bordeaux (sejam Premier, Deuxième, Troisième e assim por diante) produz um segundo vinho, ou "Deuxième Vin", abaixo do seu "Gran Vin". Nesse caso, vale ressaltar que não podemos confundi-lo um Deuxième Cru da Classificação de 1855. Por exemplo, o Deuxième Vin do Premier Grand Cru Classé Château Lafite Rothschild é o Carruades de Lafite, enquanto que os espetaculares Château Léoville-Las Cases e Château Cos d'Estournel são Deuxièmes Crus da Classificação de 1855.

HISTÓRIA

Ter um segundo vinho não é algo recente nos châteaux de Bordeaux. Em 1904, Léoville-Las Cases fez o seu segundo rótulo (Clos du Marquis) e quatro anos depois foi a vez do Château Margaux desenvolver o Le Pavillon Rouge. No entanto, até a década de 1980, a maioria dos enófilos só conseguiam encontrar no mercado o Les Forts de Latour, o Pavillon Rouge e talvez o Moulin de Carruades (antigo nome do Carruades de Lafite). Atualmente, contudo, quase todos châteaux, mesmo alguns sem classificação, possuem um segundo vinho.

Essa tendência ocorreu nos anos 80 especialmente devido às colheitas abundantes daquela década. Alguns, contudo, afirmam que esse fenômeno aconteceu para que os Châteaux mantivessem os preços de seus primeiros vinhos em um patamar elevado. Porém, outros atestam que isso gerou uma melhor qualidade nos rótulos principais.

Um dos grandes incentivadores dos proprietários de Bordeaux para a produção dos segundos vinhos foi o professor Emile Peynaud. Assim, durante a década de 1990, o número de segundos vinhos cresceu mais de dez vezes. E alguns Châteaux chegaram a produzir até mesmo um terceiro rótulo.

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Diferença de preço do primeiro para o segundo vinho pode ser de até 10 vezes

Com isso esclarecido, vamos ao conceito de Deuxième Vin, que começou no século XIX e é simples: "engarrafar o vinho que foi rejeitado tecnicamente pelo time técnico do Château para ser o Gran Vin, que é sempre o vinho top de uma casa. Essa definição, que tem certa complexidade mercadológica, ficou "parada" durante mais de cem anos e foi revitalizada no inicio do século XX pelo Château Lafite Rothschild.

COMPARAÇÃO DE PREÇOS NAS SAFRAS 2000 E 2006 (MERCADO DOS EUA)

Preço de uma garrafa de Gran Vin =
Lafite Rothschild 2000
Lafite Rothschild 2006.
Mouton Rothschild 2000
Mouton Rothschild 2006
Château Latour 2000
Château Latour 2006
Château Margaux 2000
Château Margaux 2006
Château Haut-Brion 2000
Château Haut-Brion 2006
Château Cheval Blanc 2000
Château Cheval Blanc 2006
Château Ausone 2000
Château Ausone 2006
* média de preço do lançamento

X vezes o preço de uma garrafa do Deuxième Vin
10 x Carruades de Lafite 2000
4,5 x Carruades de Lafite 2006
4,7 x Le Petit Mouton 2000
9,5 x Le Petit Mouton 2006
1,5 x Les Forts de Latour 2000
2,1 x Les Forts de Latour 2006
6,5 x Pavillon Rouge de Château Margaux 2006
8,6 x Pavillon Rouge de Château Margaux 2006
10,6 x Bahans-Haut-Brion 2000
9,7 x Bahans-Haut-Brion 2006
8,1 x Le Petit Cheval 2000
5,7 x Le Petit Cheval 2006
2,1 x Chapelle d'Ausone 2000
4,6 x Chapelle d'Ausone 2006

Mesmo assim, esses segundos vinhos enfrentaram dificuldades de mercado até os anos de 1980. O motivo desse fenômeno foi o aumento da competição entre os Gran Vin e, com isso, um direcionamento mais profundo na seleção dos lotes. Então, os lotes que não atingem a qualidade para ser Gran Vin são transferidos para o Deuxième Vin do Château - que, em alguns casos, possuem até um terceiro vinho, como o Château Latour, por exemplo.

Como são feitos os Deuxième Vin
A maioria dos Deuxième Vin dos Premiers Grands Crus são compostos por vinhas mais jovens que não alcançam a qualidade exigida para ser engarrafado como o vinho principal. O fenômeno Deuxième Vin fica mais evidente em safras difíceis, em que as quantidades do Gran Vin diminuem transferindo mais litros para o Deuxième Vin. Em alguns casos, o Gran Vin chega a não ser produzido e, com isso, toda a produção fica para o segundo vinho.

Esses vinhos não são excitantes em safras de qualidade média/baixa e, em safras boas e excelentes, podem ser uma grande oportunidade de custo-benefício. O mercado desses vinhos foi tão alavancado nos últimos anos, que acreditamos que essa máxima da qualidade duvidosa está caindo em descrédito, ou seja, quase sempre o Deuxième Vin dos grandes Châteaux tem tido qualidade boa ou excelente, dependendo do produtor. Além disso, os preços dos segundos vinhos dos Premiers Grands Crus têm subido nas mesma proporções dos principais vinhos.

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Em safras boas, segundos vinhos podem ser uma oportunidade de custo-benefício

Como qualidade é puxada por qualidade, ou seja, como os Gran Vin, a cada dia, ficam mais disputados e o mercado dos Deuxième Vin está crescente. Outro ponto que vale ressaltar é que os segundos vinhos são produtos sempre mais prontos para consumo que seus irmãos mais afamados e que expressam de qualquer maneira o terroir de cada Château.

De todos os Deuxième Vin dos Premier Grand Cru Classe, os mais destacados são o Les Forts de Latour, o Carruades de Lafite e o Pavillon Rouge de Château Margaux. Mas todos podem servir de uma espécie de vestibular para quem aprecia vinhos de Bordeaux, apesar de seus preços estarem indo para as alturas.

DEUXIÈME VIN DEGUSTADOS POR ADEGA

Carruades de Lafite 1999 - Um vinho cheio de vida. Surpreende que seja um vinho com muita madeira. Tem boa longevidade pela frente. Um mini Lafite de verdade, repleto de estilo e com o toque animal que é marca registrada em todos os Lafite, que se prezam.

Pavillon Rouge de Château Margaux 1999 - Delicioso, pois é um Bordeaux de estirpe, mas com um corpo mais light. O estilo desse vinho é sempre assim, puxando para algo mais leve e mais fácil de beber. O mais importante é que os estilo Margaux de ser está presente.

Les Forts de Latour 1997 - Um vinho que foi degustado em 1999 no Château e 2010 em uma grande degustação de Bordeaux 1997. Por ser de uma safra mais difícil, sempre as vinhas do Château Latour se portam melhor, pois possuem raízes mais profundas. Foi superior a muitos outros Gran Vin nesse tasting. Delicioso e maduro. Taninos de boa formação com uma elegância impressionante. Está pronto para consumo.

TEM UM GOSTINHO DO VINHO PRINCIPAL?

Muita gente costuma pensar que os segundos vinhos têm o sabor dos primeiros, mas por metade ou um terço do preço. Segundo Robert Parker, há pouca verdade nisso. "Acho que a maioria dos segundos rótulos possuem apenas uma vaga semelhança com seus irmãos mais famosos. A maioria é produto de tudo o que é descartado na produção do vinho principal", aponta em seu tradicional guia de compras. Para o crítico norte-americano, o Les Forts de Latour e o Bahans-Haut- Brion (atualmente Le Clarence de Haut-Brion) são verdadeiramente excelentes e podem, às vezes, parecer com o estilo e a personalidade dos vinhos principais.

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