Sucesso na década de 1970, os vinhos verdes evoluíram e tornaram-se uma opção refrescante e sofisticada para o nosso verão tropical
por Sergio Inglez De Sousa (*)
O vinho verde é um velho conhecido da gente. Aprendemos a gostar de sua natureza franca, que oferece tipicidade própria de um vinho leve e aromático, condimentado com incisivo toque acídulo e uma natureza discretamente frisantina, que marca sua presença inconfundível ao pinicar nossa boca.
Para a elaboração do tradicional vinho verde, as práticas centenárias começavam no vinhedo com a condução das videiras subindo agarradas em árvores ou em cruzetas altas, numa forma conhecida como enforcado. Dizia-se que as características presentes no vinho verde decorriam, em boa parte, da condição de uvas colhidas a mais de cinco metros acima do solo...
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Na vinificação, os vinhos eram engarrafados após a fermentação alcoólica e, algum tempo depois, sofriam uma segunda fermentação espontânea, a malolática, que consiste na transformação do ácido málico em ácido láctico, com formação de gás carbônico. Estando o vinho engarrafado, o gás gerado ficava aprisionado e era responsável pela pressão de "um quilo" na garrafa, e pelo aumento da agulha no céu da boca . Outro ponto específico eram as baixas graduações alcoólicas, que determinavam o consumo do vinho no mais curto prazo possível. Neste detalhe, em um jantar entre amigos na pequena Monção, apreciando rojões à moda do Minho harmonizados com um caseiro Alvarinho de produção recente, não contive elogios. Ao agradecê-los, meu anfitrião alertou: vinho verde, em seu melhor potencial, só se toma no Minho! Coisas do vinho verde tradicional.
Por que o nome de vinho verde?
O vinho não tem predominantemente a cor verde. Sua característica tradicional de vinho para ser tomado dentro de um prazo curto após a elaboração poderia até sugerir tratar-se de vinho verde em contraposição ao vinho maduro. Esta versão não é apoiada pelos minhotos. A terra dos vinhos verdes é a região do Minho e do Entre Douro, na parte noroeste de Portugal. Vista do alto, ela mostra um enorme manto de vegetação verde que escorrega desde as encostas das serras mais a leste, espraia-se pelos vales interiores, prolonga-se pelas planícies, estendendo- se por fim às margens do Atlântico. Dizem alguns que desta monocromia verde veio o nome do vinho.
Apesar da vitivinicultura na região decorrer das andanças romanas há mais de dois mil anos, a história recente do vinho verde soma cerca de quatrocentos anos. Durante metade deste período foi consumido praticamente dentro de Portugal. Já em meados do século XIX, houve grande procura estrangeira por este vinho, especialmente pelos franceses e outros povos cujos vinhedos sofreram o flagelo da filoxera.
Rompendo os anos 1900, o Vinho Verde consolidou-se como um produto de exportação, refrescando meio mundo, inclusive o Brasil. Na Carta de Lei de 1908, a região dos Vinhos Verdes foi demarcada.
Numa primeira etapa, grupos estrangeiros de exportação atuaram na abertura de novos mercados e no resgate dos chamados "mercados da saudade", núcleos de imigrantes portugueses espalhados mundo afora. Mas o grande salto comercial é coisa recente, ocorrido a partir da criação da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, em 1926 e aprimorada em 1987, transformando-se em pessoa coletiva de direito privado, o que ampliou as ações no mercado mundial.
O que mudou nos vinhos verdes ?
O vinho verde que muito se consumiu nos verões, principalmente do litoral paulista até as capitais do Norte, na década de 70, era um Casal Garcia, um Calamares ou um Gatão, branco e frisantino, vez por outra tinto. O vinho verde tinto permaneceu regalo de certas áreas minhotas. Mas as coisas estão mudando radicalmente nos anos recentes.
Estudos de seleção de castas têm sido realizados entre as 65 existentes, juntamente com trabalhos de especialistas para conferir um perfil moderno aos vinhos verdes, destacando-se o desenvolvimento clonal das brancas Loureiro e Trajadura, e das tintas Borraçal e Vinhão.
No seio das mais de cem mil pequenas propriedades vinícolas, a modernidade avança e as formas de condução das videiras alteram-se para garantir níveis maiores de qualidade. Com uvas superiores, a vinicultura minhota trabalha para manter os predicados da fruta através da alteração de aspectos tradicionais de processamento.
Um dos pontos-chave foi a exclusão da fermentação malolática na garrafa, tornando os vinhos verdes tranqüilos. Apesar disso, eles mantêm o caráter picante na boca por conta da acidez saliente que caracteriza as uvas daqueles terroirs. Para os rótulos mais populares pode ser acrescentado gás carbônico para gerar a característica frisantina.
Vinho verde moderno, portanto, é o vinho encorpado e caracteristicamente picante. Vale a pena degustar os vinhos verdes que amadureceram para a modernidade!
(*)Sergio Inglez de Sousa é colaborador de ADEGA e responsável pelo site www.todovinho. com.br
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