Filha única do Barão Philippe de Rothschild, Philippine Mathilde Camille de Rothschild teve uma vida incrível e hoje o vinho em homenagem a ela mostra que é rico e único
por Redação
Em vida, Philippine Mathilde Camille de Rothschild teve quase tudo o que alguém com o seu sobrenome pode almejar, ainda que não tenha passado incólume pelos horrores da II Guerra Mundial.
Nascida em 1933, Philippine era filha única do Barão Philippe de Rothschild, dono do Mouton Rothschild, talvez o mais icônico dos cinco premiers crus classés de Bordeaux.
Perdeu a mãe, de quem o pai estava separado, quando tinha pouco mais de 10 anos. “Lili”, a mãe, foi presa e deportada da França e morreu num campo de concentração já no final da II Guerra.
A própria Philippine teria escapado do mesmo destino pelo zelo de uma empregada e porque um dos oficiais da Gestapo desistiu de levá-la junto com a mãe, sabendo qual seria o destino das duas, ao lembrar da própria filha, mais ou menos da mesma idade, que deixara na Alemanha. “Minha vida foi decidida em um segundo, como que por um milagre”, contou ela mais tarde.
Philippine estudou em um colégio interno na Inglaterra (falava inglês fluente), como fariam mais tarde seus próprios filhos. Depois, formou-se no Conservatório Nacional de Arte Dramática e tornou-se atriz na Comédie-Française, onde conviveu com nomes como Cathérine Deneuve e Jean-Paul Belmondo.
Nas peças e filmes em que atuou, usava o nome artístico Philippine Pascal, para esconder o sobrenome famoso. Casou-se com um colega de palco, com quem teve dois filhos, Camille e Philippe.
De seu casamento, em 1961, que teve lugar no próprio château Mouton Rothschild, diz a lenda que as festividades serviram, inclusive, para promover uma breve reconciliação entre o Barão Philippe e seus primos (e vizinhos) do Château Lafite Rothschild.
Na época, o Barão estava em plena cruzada para que o Mouton fosse promovido de “second” a “premier” cru, juntando-se ao próprio Lafite, Latour, Margaux e Haut-Brion, o que só ocorreria em 1973. E se dizia que a maior oposição a essa mudança na histórica classificação de 1855 era justamente dos Rothschild do Lafite.
No almoço para comemorar o casamento da filha, a que compareceram mais de 80 membros da família Rothschild, o Barão Philippe fez questão de servir, entre outros vinhos, um Lafite da rara safra 1869. Já no jantar oferecido aos noivos e convidados por seus primos no vizinho Lafite, o Barão Elie não fez por menos e serviu um Mouton da mesma safra. Vale lembrar que os vinhedos das duas famosas propriedades são separados por um estreito caminho de terra.
No início da década de 1980, Philippine começou a trabalhar com o pai no Mouton Rothschild. Foi dela, por exemplo, a ideia de montar uma exposição itinerante (“Paintings for the Label”) com as pinturas originais de nomes como Picasso, Andy Warhol, Salvador Dali e de uma constelação de artistas famosos, criadas especificamente para ilustrar o rótulo de cada safra do vinho.
Foi uma sacada genial do Barão, usada pela primeira vez para a safra de 1924, lançada em 1927, com uma imagem cubista de Jean Carlu. E permanece até hoje uma espécie de marca registrada do Mouton.
Consta que foi ela também quem convenceu o pai a plantar as tradicionais castas brancas de Bordeaux (Sauvignon Blanc e Sémillon) no precioso terroir antes reservado apenas às variedades tintas do Mouton.
Mas a própria Philippine admitiu em entrevistas que o pai não acreditava muito na capacidade gerencial das mulheres, embora fosse grande apreciador, como fica claro em suas memórias, da companhia das mesmas. Por isso, ela só passou a ter voz ativa nos negócios com a morte do Barão, em 1988, quando, além do título de Baronesa, herdou o controle da holding Baron Philippe de Rothschild SA.
Daí até a sua própria morte, em agosto de 2014, Philippine trabalhou ativamente para aumentar o legado que recebera. Entre suas principais contribuições podem ser citadas a consolidação da parceria, iniciada pelo pai, com os Mondavi, na Opus One, com a construção da cinematográfica vinícola no coração do Napa Valley; a aquisição de uma grande propriedade no Languedoc, rebatizada como Domaine de Baronarques; o lançamento do Le Petit Mouton, segundo vinho do Mouton Rothschild, e de seu único branco, o Aile d´Argent, com uvas dos vinhedos que ajudara a plantar; e a joint venture com a Concha y Toro, que resultou no lançamento do ícone chileno Almaviva.
Com tudo isso, mais um segundo casamento com o escritor Jean-Pierre de Beaumarchais, pai de seu terceiro filho, Julien, Philippine nunca teve um vinho que perpetuasse seu nome. Isso até o lançamento, no final de 2020, do Baronesa P. Um blend de cinco castas, na melhor tradição bordalesa, o Baronesa P. nasceu na Escudo Rojo, braço chileno da própria Mouton Rothschild, empreendimento criado na mesma época da joint venture com a Concha y Toro. Por sinal, Escudo Rojo nada mais é do que a expressão em espanhol do emblema que remete ao nome da família: Rote Schild, “escudo vermelho” em alemão.
Nem precisaria ser dito que, para merecer o nome que ostenta no rótulo, o Baronesa P. teria que ser um vinho cuidadosamente pensado em todos os aspectos. Segundo Emmanuel Riffaud, diretor geral e enólogo-chefe da operação chilena, determinar o estilo do vinho demandou aproximadamente 18 meses. Ainda que o corte seja semelhante ao do Escudo Rojo “Origine”, principal tinto da vinícola, o Baronesa P. foi produzido a partir dos melhores microterroirs das cinco castas que entram em sua composição (Cabernet Sauvignon, Carménère, Petit Verdot, Cabernet Franc e Syrah), cuidadosamente selecionados nos 1020 hectares de vinhedos à disposição dos enólogos.
Riffaud ressalta que a colheita, obviamente manual, leva em conta a maturidade aromática e fenólica das uvas, que passam por dupla seleção (manual e ótica) ao chegar à moderna vinícola no Maipo, inaugurada pela própria Baronesa em 2003. A vinificação foi feita em pequenos lotes e o vinho estagiou 14 meses em barricas de carvalho francês das melhores tanoarias, sendo 65% novas e 35% de segundo uso. O corte final foi decidido a partir da degustação, barrica a barrica, de todos os lotes, para determinar os melhores.
Não por acaso, 2018 foi a primeira edição do Baronesa P. Tanto no Chile como em outros países da América do Sul (o Brasil inclusive), aquele ano foi considerado uma safra excepcional, beneficiada por condições climáticas ideais ao longo de todo o ciclo da vinha. Para Riffaud, criar o Baronesa P. foi o projeto “mais apaixonante e mais carregado de emoção – e pressão”, do qual foi responsável em toda a sua vida profissional. Infelizmente, o fruto desse trabalho meticuloso e apaixonado é um privilégio reservado a poucos. Para se ter uma ideia, a alocação destinada ao mercado brasileiro foi de apenas 600 garrafas.
A safra 2018 é um blend de 76% de Cabernet Sauvignon, 7% de Carménère de Marchigüe, em Colchagua, 5% de Petit Verdot, 5% de Cabernet Franc e o restante de Syrah, com estágio de 14 meses em barricas de carvalho francês.
A safra 2019 é composta de 78% Cabernet Sauvignon, 6% Carménère, 6% Petit Verdot, 5% Cabernet Franc e 5% Syrah, com estágio de 15 meses em barricas de carvalho francês, sendo 60% novas.