Brunello di Montalcino: entenda a fama

O que faz o Brunello di Montalcino, feito de Sangiovese, uva típica da Toscana, se diferenciar?

Por Arnaldo Grizzo Publicado em 19/07/2016, às 11h00 - Atualizado em 30/03/2019, às 16h13

Uma mera menção ao nome já causa alvoroço entre os enófilos, dos iniciantes aos mais experientes. Não há quem fique indiferente diante de uma garrafa do que muitos consideram um monumento italiano. Um vinho criado para ser grandioso, no melhor estilo ancestral, quando o conceito de tempo era diferente da pressa de hoje.

É curioso, mas Brunello di Montalcino, um dos mais famosos vinhos da Itália, é um fenômeno bastante recente na cena vitivinícola mundial. Diferentemente de outras regiões europeias, apesar de o vinho lá também ser produzido há séculos, o prestígio da marca só surgiu dos anos 1980 para cá. Mais do que isso, o conceito do Brunello foi criado apenas em meados do século XIX por Clementi Santi, um dos ancestrais da família Biondi Santi.

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Clementi, um farmacêutico de formação, começou a estudar mais cuidadosamente as variedades de uvas da Toscana e seus clones, assim como as técnicas de vinificação.

Entre suas premiadas garrafas mundo afora estava o Vino Scelto (algo como “Vinho Escolhido”), de 1865, feito de um clone de Sangiovese Grosso, conhecido nos arredores de Montalcino como Brunello ou Brunellino, devido à cor escura dos bagos (brune significa marrom em italiano), cujos vinhos apresentavam uma extrema capacidade de guarda. Nos anos seguintes, ele teve enorme sucesso em concursos dentro e fora da Itália.

Vista do Castello Banfi, um dos maiores produtores da região

 

O fenômeno Brunello di Montalcino é recente. A Denominação de Origem, por exemplo, foi criada apenas em 1966.

Contra a corrente

Na época, a região de Montalcino, assim como outras tantas no mundo, estava prestes a passar por um período de provação – após o ataque da filoxera. Ferruccio Biondi Santi, neto de Clementi, foi quem enfrentou a praga e decidiu continuar o legado do avô.

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Seus vinhedos na fazenda Greppo foram devastados. Mas, ao contrário de seguir a tendência naquela situação de crise (fazer algo rápido e fácil para gerar dinheiro com vinhedos recém-plantados), ele queria selecionar a melhor casta para criar um tinto longevo.

Em 1876, um relatório de uma comissão ampelográfica de Siena analisou um Brunello de 1843, afirmando que suas características permaneciam imutáveis após mais de 30 anos conservado perfeitamente. Era um sinal.

Sendo assim, Ferruccio, assim como Clementi, apostou no Brunello, promovendo uma seleção massal ainda mais rigorosa.

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“A partir do início de 1800, a minha família sempre estudou e utilizou uma única vinha, a Sangiovese. Os efeitos devastadores da filoxera, na metade do século XIX, forçou meus antepassados, Clemente, Jacopo, Ferruccio, Tancredi e finalmente meu pai, Franco, a se concentrarem também na seleção clonal dessa vinha toscana que, aqui na Greppo, foi identificada por volta dos anos 1970 como BBS11 – Brunello Biondi Santi, vite nr. 11”, aponta Jacopo Biondi Santi, herdeiro da família.

Para fazer o vinho, Ferruccio se utilizou de uma longa fermentação e, diante de um mosto tão concentrado, deixou-o longo período (décadas) envelhecendo tanto em grandes tonéis de carvalho quanto posteriormente em garrafa.

Em 1932, ele chegou a ser descrito como o inventor do conceito de Brunello di Montalcino. “Desde sempre minha família utilizou uvas da sua propriedade, nunca colocou leveduras selecionadas e previu maturação em grandes botti de carvalho da Slavonia para tornar a evolução o mais natural possível sem a utilização de elementos externos que pudessem, de alguma forma, acelerar esse processo”, conta Jacopo.

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Regras da produção do Brunello di Montalcino

Região de produção: Comuna de Montalcino
Vinha: Sangiovese (denominado, em Montalcino, “Brunello”)
Rendimento máximo de uva: 8 toneladas por hectare
Rendimento de uva no vinho: 68%
Afinamento mínimo em madeira: 2 anos em carvalho
Afinamento mínimo em garrafa: 4 meses (6 para o Riserva)
Grau alcoólico mínimo: 12,5%
Engarrafamento: só pode ser efetuado na zona de produção
Lançamento: depois de 5 anos da colheita (6 para o Riserva)
Embalagem: só pode ser comercializado em garrafas de forma bordalesa

Clementi Santi, pioneiro em Montalcino

 

Durante anos, porém, os Brunellos (ou Brunelli, no plural em italiano) permaneceram como uma raridade. Além de ser um vinho para entendedores, poucos tinham acesso a ele devido ao preço altíssimo (resultado de pequena produção e tantos e tantos anos de maturação). Essa situação começou a mudar na década de 1960, quando a DOC Brunello di Montalcino foi estabelecida.

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Em 1966, criaram-se as regras para a obtenção desse vinho (veja box). Em 1980, a região foi alçada à categoria DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida), a primeira da Itália. Nesse período de pujança econômica americana, Brunello se tornou sinônimo de sofisticação e apareceu na mesa de celebridades mundiais, desde grandes empresários até artistas, que se deixaram seduzir pelo poderoso e longevo – e também caro – vinho toscano.

Um clone diferente?

O que faz com que o Brunello di Montalcino, sendo feito de Sangiovese, a uva típica da Toscana, consiga se diferenciar de seus pares na região? Seria o clone diferente do usado em outras áreas?

“Existe uma diferença clonal entre o Sangiovese ‘Brunello’ e os outros Sangiovese na Itália. A diferenciação entre o Sangiovese Grosso e o Sangiovese Piccolo, porém, não é considerada importante, não havendo qualquer referência científica. Refere-se mais a clones singulares com siglas atribuídas pelo sistema de viveiros, ou a seleções massais efetuadas por produtores individualmente. O Sangiovese em Montalcino sempre foi conhecido como Sangiovese Grosso ou Brunello, enquanto em outras partes é conhecido por outros nomes...”, explica Sergio Cantini, enólogo da Camigliano.

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Giacomo Bartolommei, enólogo da Caprili, concorda: “O Sangiovese usado em Montalcino é um clone diferente do utilizado em outras áreas vitícolas. A diferença está muito na pele, o clone de Montalcino é muito rico em antocianinas e, portanto, tem uma pele mais grossa”.

O enólogo da Caparzo, Massimo Bracalente, segue a mesma linha: “A vinha de Sangiovese é muito variável, tanto que hoje conhecemos cerca de 80 clones que produzem vinhos com características diferentes. Mas os clones usados em Montalcino também são usados em outras partes de Itália”.

Outras denominações em Montalcino

Além de Brunello, há outras três denominações de origem na zona de Montalcino: Rosso, Moscadello e Sant’Antimo. O Rosso di Montalcino foi criado em 1984 para ser o “vinho de entrada” para os Brunello, muito caros e trabalhosos. Eles também só podem ser feitos com Sangiovese, porém, podem ser comercializados depois de apenas um ano da safra, sem requerimentos específicos de envelhecimento em madeira ou garrafa. Já o Moscadello di Montalcino é um vinho doce, feito com a variedade Moscato Bianco. Sant’Antimo, por fim, abarca todos os outros vinhos produzidos na região, tanto tintos quanto brancos, incluindo Vin Santo.

A diferença do terroir

A cidade é uma fortaleza.
O nome pode vir de Mons Ilcinus, monte das azinheiras

 

Garrafas antigas de Brunello de Biondi Sant


No entanto, todos os enólogos fazem questão de apontar que o grande diferencial do Brunello di Montalcino está no seu terroir.

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“A principal diferença é, definitivamente, o terroir. O grupo Borgo Scopeto e Caparzo cultiva Sangiovese em três áreas distintas: Chianti Classico, Morellino di Scansano e Brunello di Montalcino. Posso garantir que o mesmo clone tem diferentes comportamentos, tanto do ponto de vista analítico quanto sensorial, dependendo de onde é cultivado”, atesta Bracalente.

Então, para entender o vinho, é preciso entender a região. A origem do nome Montalcino é incerta, mas há duas hipóteses. A primeira dá conta de que deriva de Mons Lucinus, monte dedicado à deusa romana Lucina. A segunda, mais aceita, liga-o a Mons Ilcinus, monte das azinheiras, devido à grande presença dessas árvores frondosas. No brasão da cidade, pode-se ver uma azinheira sobre três montes.

A cidade é uma fortaleza, que durante séculos foi assediada por povos vizinhos. Chegou a ser considerada inexpugnável devido aos seus muros e seu castelo no centro elevado da região, chegando a sustentar cercos da poderosa cidade de Siena. Foi uma das últimas comunas livres da Itália durante o período dos Médici.

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Montalcino fica cerca de 40 quilômetros ao sul de Siena e também do mar, em uma região repleta de belas colinas. A zona produtora compreende uma área de 24 mil hectares delimitada pelos rios Asso (a leste), Orcia (ao sul) e Ombrone (a oeste).

Cerca de 15% dessa área (aproximadamente 3.600 hectares) são ocupados por vinhedo, sendo aproximadamente 2.100 hectares sob a denominação Brunello di Montalcino e o restante para outras denominações como Rosso, Moscadello, Sant’Antimo e outros vinhos.

As colinas vão de 120 a 650 metros acima do nível do mar. Ao sul, o monte Amiata impede que as tempestades de verão cheguem, dando um tom ainda mais seco à região, que concentra suas chuvas no outono e na primavera (por volta de 700 mm). No inverno, a neve só atinge locais acima de 400 metros. As colinas medianas, por sua vez, raramente são afetadas pela neblina ou geada, devido à presença frequente do vento.

“Em comparação com outras áreas da região central da Itália onde é cultivado Sangiovese, Montalcino tem um clima ideal que não é encontrado em outros lugares. Na verdade, é quente o suficiente para a produção de uvas perfeitamente maduras, mas não tão quente para encurtar o ciclo vegetativo. Além disso, a inclinação do solo, o clima seco e ventilado permitem obter uvas completamente maduras e perfeitamente saudáveis, e isso é impossível em altitudes mais baixas, úmidas e nubladas, como, por exemplo, a Romagna”, informa a produtora Donatella Cinelli Colombini.

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Donatella lembra ainda que o solo da região tem papel fundamental na tipicidade do vinho produzido, pois “sendo rico em argila e com bom esqueleto (areia e pedras), ele reduz a produção de uvas e dá ao vinho um toque especial de mineralidade”. Giacomo Bartolommei concorda: “Nossas terras são ricas em minerais e rochas, o que permite ter vinhos estruturados e minerais ao mesmo tempo”.

Segundo Donatella Cinelli Colombini, o solo de Montalcino “é rico em argila e com bom esqueleto (areia e pedras), ele reduz a produção de uvas e dá ao vinho um toque especial de mineralidade”

Regiões diferentes, vinhos diferentes?

No entanto, por ser uma área relativamente grande, não é fácil generalizar o tipo de solo de Montalcino, assim como os vinhos resultantes de cada zona. A verdade é que o boom de Brunello fez com que a área produtiva e o número de produtores se multiplicasse rapidamente.

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Em meados do século XX, havia menos de 50 hectares plantados de Brunello, com pouco mais de duas dezenas de produtores. Hoje são mais de 2 mil hectares e mais de 200 produtores.

Para Jacopo Biondi Santi, “há muitíssimos terroirs diferentes em Montalcino”. “São tantas características diversas que criam múltiplas combinações e, por conseguinte, seus Brunelli são muito diferentes entre si”, acredita.

“Na comuna de Montalcino existem diferentes terroirs que dão origem a diferentes produtos. Dependendo da altitude, do tipo de solo e da exposição, o vinho pode mudar muito”, concorda Sergio Cantini, que vai além e enumera quatro regiões distintas entre si: Norte de Montalcino (área de solo calcário-argiloso, que cria vinhos de cor mais clara, mas de aromas altamente complexos), Montalcino (arredores da cidade, local mais alto e que possui o solo mais pobre, gerando vinhos elegantes e longevos, com buquês ricos, alta acidez e boa base de taninos), Sudoeste (Sant’Angelo in Colle e Camigliano, a parte mais seca e quente, produzindo vinhos mais escuros, frutados e alcoólicos, que podem ser apreciados na juventude) e Sudeste (Castelnuovo dell’Abate, que não recebe as brisas marítimas e tem diversas combinações de solos que resultam em enorme complexidade de sabores e aromas, e podem ser degustados jovens). “No entanto, ainda há um clima geral e um terroir que une toda a área da comuna”, acredita.

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Por sua vez, Donatella Cinelli Colombini simplifica e fala em três regiões diferentes. “A zona perto do mar é a mais quente e os vinhos são mais potentes e mais mediterrâneos. Na zona mais para o interior, é mais frio e produz vinhos mais elegantes e harmoniosos. A zona mais alta, perto da cidade, é a do Brunello mais longevo”.

Brunellogate

Em março de 2008, uma reportagem da revista Winespectator colocou os produtores de Brunello contra a parede. Nela havia a denúncia de que alguns deles não estavam respeitando as regras da denominação e colocando outras uvas além da Sangiovese no vinho. Diante disso, o governo norte-americano chegou a bloquear a importação dos vinhos que não tivessem provas laboratoriais de que eram 100% Sangiovese. Na época, produtores de renome foram colocados sob investigação e o caso ficou conhecido como Brunellopoli ou Brunellogate. Depois disso, o Consorzio Brunello di Montalcino, que fiscaliza os produtores, passou a intensificar o controle. Tempos depois também, os associados chegaram a votar uma proposta de relaxar as regras para que outras castas fossem aceitas, mas a ideia foi rechaçada. Até o momento, contudo, não se provou a fraude. Para Fabrizio Bindocci, presidente do Consorzio, a imagem de Brunello não saiu prejudicada. “Os números falam por si só e confirmam o andamento positivo da comercialização do Brunello di Montalcino, que de 2007 até hoje cresceram significativamente. Montalcino é um marco histórico, reafirmando-se a cada ano em nível mundial e continua a crescer. Das 6 milhões de garrafas ao ano em 2007, hoje são cerca de 8 ou 9 milhões de Brunello e outras 4,5 milhões de Rosso”, atesta.

Micro-DOCs

Apesar de pequena, comuna de Montalcino pode apresentar
terroirs diferentes, que geram vinhos distintos entre si

 

Diante dessas diferenças, seria preciso fragmentar o território em microrregiões? “A comuna de Montalcino, apesar de ser pequena, contém dentro de si vários terroirs e, consequentemente, expressa vinhos diferentes, cada um com suas peculiaridades.

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No entanto, eles são unidos por um traço comum representado pela Sangiovese. Pessoalmente, acho que essa é a força de Montalcino e ela não precisa ser regulada, limitada e fragmentada em microrregiões”, aponta Massimo Bracalente.

Gianfranco Bomba, da La Velona concorda: “Não acho que seja oportuno criar microdenominações em Montalcino, porque talvez criará somente confusão, embora seja verdade que os terroirs da região são muito diferentes entre si. Mas acredito que os consumidores já sabem as diferenças e bebem os Brunelli do terroir que preferem”.

“Montalcino é um território único e impossível de ser imitado, o que nos permite ter uma miríade de diversidade, isso é devido particularmente ao clima e ao solo da região. Você pode encontrar muitos solos diferentes em cada vinícola e isso é um valor que leva a uma diversificação de nichos das empresas. O zoneamento é um fato atualmente em discussão na região de Montalcino, mas acho que agora devemos pensar em promover um único território”, acredita Giacomo Bartolommei.

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Principais safras

Segundo Donatella, Montalcino é a única área capaz de gerar safras de Sangiovese muito bom ou excelente em três de cada cinco anos e, assim, produzir grandes vinhos que utilizam uma única variedade de uva. “Como se sabe, apenas algumas áreas do mundo conseguem isso”, diz a produtora. Para comprovar a sua tese, o Consorzio Brunello di Montalcino mantém uma avaliação das safras feitas por seus técnicos e, desde o ano 2000, cinco receberam cinco estrelas (pontuação máxima) e seis, quatro. Apenas 2000 e 2002 ficaram abaixo disso. Veja a classificação completa:
1945 5
1946 4
1947 4
1948 2
1949 3
1950 4
1951 4
1952 3
1953 3
1954 2
1955 5
1956 2
1957 4
1958 4
1959 3
1960 3
1961 5
1962 4
1963 3
1964 5
1965 4
1966 4
1967 4
1968 3
1969 2
1970 5
1971 3
1972 1
1973 3
1974 2
1975 5
1976 1
1977 4
1978 4
1979 4
1980 4
1981 3
1982 4
1983 4
1984 1
1985 5
1986 3
1987 3
1988 5
1989 2
1990 5
1991 3
1992 2
1993 4
1994 4
1995 5
1996 3
1997 5
1998 4
1999 4
2000 3
2001 4
2002 2
2003 4
2004 5
2005 4
2006 5
2007 5
2008 4
2009 4
2010 5
2011 4
2012 5
A possibilidade de subdividir a região de Brunello
em micro-DOCs divide opiniões

 

Perguntado sobre o tema, Fabrizio Bindocci, presidente do Consorzio Brunello di Montalcino e diretor da Tenuta Il Poggione, tergiversa sem apontar se a solução é ou não a criação de microrregiões, mas dá uma pista.

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“No território de Montalcino existem ambientes diversos devido ao tipo de solo, à altitude e à exposição solar. Ambientes diversos que, dependendo do andamento da safra, resultam em vinhos, às vezes, mais elegantes, outras vezes, com mais potência, mas sempre ótimos. Quero dar como exemplo Pauillac e Margaux, que não poderiam ser mais diferentes, mas ambas as regiões fazem vinhos excepcionais”, afirma, comparando essas duas regiões próximas de Bordeaux com a área de Montalcino.

Serviço e harmonização

Há produtores que recomendam até 8 horas de decanter para que seus vinhos se abram, especialmente os mais jovens. Portanto, não é má ideia abrir a garrafa e decantá-la por algum tempo para que a potente estrutura do vinho deixe transparecer suas sutilezas, além de eliminar as borras.. O Brunello é melhor apreciado entre 18º e 20ºC. Devido ao seu caráter, faz boas combinações com carnes, inclusive as de caça. Seus tons terrosos também harmonizam com funghi e trufas. Queijos potentes, como Pecorino e outros de estilo parmesão também são acompanhamentos interessantes.

Longevidade

Se não há muito consenso em relação ao tema das microrregiões, ao menos no que tange algumas das principais características do Brunello di Montalcino, os produtores são unânimes. Uma delas é a longevidade.

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“A principal qualidade dos meus Brunellos são a longevidade”, simplifica Jacopo Biondi Santi, que aponta uma guarda de 30 a 50 anos para seus vinhos, mas diz que ainda têm duas garrafas de 1888 e cinco de 1891, feitas por seu avô Ferruccio, que ainda estão em perfeito estado.

Muitos produtores recomendam degustar seus Brunellos somente depois de 10 anos


Bindocci diz que a longevidade depende da safra, porém, no mínimo, Brunello suporta facilmente 10 anos de guarda, podendo ir aos 30 e além.

“Recentemente, jornalistas provaram vinhos das décadas de 1950, 60 e 70, que estavam bem conservados e de alto nível”, relata o presidente do Consorzio, que completa: “São vinhos para longo envelhecimento, tanto ontem quanto hoje. Nossos produtores estão trabalhando nessa direção e os resultados comprovam isso”.

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Mas as safras atuais não parecem mais prontas para beber do que as antigas? “Quando se pesquisa sobre longevidade devemos nos fazer uma pergunta antes. A questão é saber o quanto o vinho tem de acidez. Muitos fatores afetam a longevidade, mas não tanto quanto a acidez, que pode ser comparada à nossa espinha dorsal, ou seja, sem ela, não se fica de pé.

Então, o vinho sem acidez não vai durar muito. Não foram feitas mudanças nas técnicas de vinificação nesse quesito, mas, sim, mudanças nas técnicas de cultivo da vinha, a fim de alcançar consistentemente altos níveis de acidez a cada ano”, aponta Giacomo Bartolommei, que indica aos consumidores esperarem pelo menos dois ou três anos para abrir uma garrafa de seu Caprili depois de lançada, para que o vinho mostre seu máximo potencial. “Depois disso, pode guardar por mais 10 anos ainda”, afirma.

“Ainda que as técnicas vitivinícolas usadas sejam diferentes do passado e os produtos obtidos agora estejam mais prontos, a capacidade de guarda do vinho mantém-se inalterada”, diz Sergio Cantini

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Massimo Bracalente segue a linha de seu colega quando aquele revela a importância da acidez: “Os tipos de polifenóis produzidos pela Sangiovese, que se polimerizam durante o período de envelhecimento em madeira, formam compostos particularmente estáveis. No passado, os compostos formados durante o envelhecimento foram apoiados por um pH relativamente baixo e elevada acidez total, o que explica a longevidade dos velhos Brunelli”.

“Hoje, os vinhos são produzidos com menos acidez e um pH mais elevado, isso é devido à mudança climática (muito mais quente) e às mudanças nas técnicas de vinificação, que tendem a produzir vinhos que possam ser apreciados pela maioria dos consumidores (vinhos suaves e menos ácidos). Apesar disso, os Brunelli resultam longevos precisamente devido às técnicas de produção, que tendem a conservar ao máximo o teor de polifenóis das uvas que, entre outras coisas, aumentou consideravelmente graças à introdução de novos clones de Sangiovese”, resume o enólogo da Caparzo, que aconselha abrir um Brunello somente depois de 10 ou 15 anos.

Para Sergio Cantini, muito também depende do baixo rendimento imposto pelas regras, que faz com que o Sangiovese, colheita após colheita, tenha a máxima potência nutritiva e perfeita carga de açúcar, sendo um produto complexo e rico em aromas e taninos.

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“As técnicas de vinificação, associadas com a permanência em madeira por dois anos, levam à produção de um vinho de longevidade garantida. Ainda que essas técnicas sejam diferentes do passado e os produtos obtidos agora estejam mais prontos, a capacidade de guarda do vinho mantém-se inalterada”, diz, acrescentando que, em grandes safras (como 2004, por exemplo), há vinhos prontos, mas que podem durar mais 20 anos.

Segundo Donatella Cinelli Colombini, não há diferença em termos de longevidade entre Brunellos novos e antigos. A diversidade está no sabor.

“A única diferença real em relação a 20 ou 30 anos atrás é que antes os taninos eram muito agressivos. O vinho tornava-se macio só depois de anos e anos de envelhecimento em garrafa. Hoje, até mesmo o Brunello jovem é agradável, redondo, harmonioso, graças a um maior cuidado na vinificação”, comenta a produtora que diz projetar seus Brunellos para o gosto feminino: “As mulheres odeiam o gosto amargo, então pusemos muita atenção nos aromas e na suavidade do vinho na boca”.

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Um vinho único

Por mais que mudem as técnicas, a essência do vinho parece não mudar com o tempo. Um perfume limpo, equilíbrio e elegância. Segundo Massimo Bracalente, essas são as qualidades básicas de todos os Brunellos. “Nosso maior desafio é continuarmos a ser os mesmos, resistindo à tentação de seguir a moda”, diz. “O Brunello é um vinho único no seu gênero, de alta qualidade, um dos mais famosos do mundo”, finaliza Gianfranco Bomba.

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