A Syrah (ou Shiraz) saiu da França para consagrar-se na Austrália
Carolina Almeida Publicado em 13/08/2019, às 14h00 - Atualizado às 14h23
A introdução da Shiraz na Austrália se deu por intermédio de James Busby, conhecido como o pai da viticultura australiana
Duas grafias, dois vinhos, uma única uva. Com essa frase, pode-se mostrar um pouquinho do que é a Syrah (grafia mais comum no Velho Mundo) ou Shiraz (mais usada no Novo Mundo). Sua história ainda hoje não está totalmente clara, e especialistas vinculam sua origem a diversos países, mas são duas as versões mais difundidas sobre seu surgimento.
De acordo com a primeira delas, uma visão romântica da uva, a Syrah é uma casta procedente da Pérsia (hoje Irã), que foi batizada com o nome de uma das cidades da região, Shiraz. De lá, foi levada para a França por um cavaleiro templário, que ao abandonar as Cruzadas tornou-se um eremita e fixou-se no Vale do Rhône.
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A segunda versão afirma que a origem da uva é o próprio Vale do Rhône, simplesmente. Analisando o DNA da casta, enólogos da Universidade da Califórnia concluíram que a Syrah é fruto do cruzamento das uvas Dureza (tinta) e Mondeuse Blanche (branca). Seja como for, o fato é que foi no sul da França que ela se assentou e ganhou notoriedade, sendo que até hoje, ela reina no Rhône, em vinhos varietais ou em blends com uma pequena porcentagem da uva Viognier.
Para se ter uma ideia de sua importância, durante o século XIX e início do XX, os vinhos de Hermitage (a denominação de origem [DOC] mais famosa do Rhône, cujo nome vem de eremita – possivelmente em homenagem ao cruzado da lenda da origem da uva) produzidos a partir da Syrah, eram os únicos que conseguiam fazer sombra aos Bordeaux. Outra curiosidade em torno da uva é que uma das caixas de vinho mais caras da história foi a do “Hermitage La Chapelle” de Paul Jaboulet, safra 1961, produzido a partir de uvas Syrah. De qualquer maneira, até a década de 1970, a uva permaneceu restrita ao Vale do Rhône.
Demorou um pouco para que o mundo conhecesse a Syrah realmente, pois, por tantas vezes, esteve “escondida” em blends na França. Contudo, sua fama mundial veio pelo seu sucesso na Austrália. O país, que até a década de 1970 produzia basicamente vinhos fortificados, também usava essa uva na composição de blends.
O começo do reinado da Shiraz – como é conhecida lá e na maioria dos países ao sul da linha do Equador – aconteceu na década de 1980, quando o governo passou a subsidiar a vitivinicultura. O número de vinícolas e a área de cultivo cresceram absurdamente e, como era uma das uvas de melhor desempenho no clima australiano, a Shiraz conquistou seu lugar. Os vinhos varietais, de estilo exuberante, com muita fruta na boca e no nariz, foram conquistando o paladar dos consumidores e se tornaram referência do país.
Daí para sua disseminação pelo Novo e Velho Mundo foi um passo. Países como Espanha, Chile, Argentina, África do Sul e Estados Unidos estão entre os que mais plantam a uva, depois, é claro, da França e da Austrália.
Classificada por vinicultores como uma uva bastante versátil, de fácil cultivo, que se dá bem em climas variados, a Syrah, de intensa cor rubi, tem como marca registrada o sabor e aroma marcados pelas frutas silvestres. O maior trunfo dela é a capacidade de dar origem tanto a grandes vinhos quanto a rótulos mais simples e fáceis de beber. A boa presença de taninos faz com que seus vinhos tenham ótimo potencial de envelhecimento. A crítica inglesa de vinhos, Jancis Robinson, chegou a dizer que “se a nobreza de uma uva for dada por sua capacidade de produzir grandes vinhos tintos que envelhecem majestosamente por décadas, a Syrah é uma das variedades mais nobres”.
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Grosso modo, a Syrah possui algumas das melhores características da Cabernet Sauvignon e da Pinot Noir. Tem potência e profundidade como a primeira e os aromas impetuosos da segunda.
Em climas quentes como o da Austrália – país conhecido por produzir alguns dos melhores Shiraz do mundo –, origina vinhos mais fáceis de beber, encorpados, com final de boca doce e com frutas bem maduras – e, por conta do calor, mais alcoólicos. Já em regiões de clima mais ameno, como no Vale do Rhône, geralmente produz vinhos mais complexos, com toques de especiarias e pimenta, e, dependendo da safra, com grande capacidade de envelhecimento.
Apesar de ser uma variedade muito produtiva, a Syrah, como todos as castas, deve ter baixos rendimentos para produzir vinhos de qualidade. Tem brotação tardia e amadurecimento precoce, não costuma se dar bem nos extremos – tanto o frio quanto o calor – e é bastante resistente à maioria das pragas e das doenças. Assim como o vinho produzido, a cor dos cachos é bem intensa, púrpura profunda, que beira o preto azulado.
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