Na parte francesa, o Rio Rhône esbanja diversidade em vinhas que decoram suas margens
por Aguinaldo Záckia Albert
O rio Rhône (ou Ródano, na tradução portuguesa) é um dos mais importantes "rios de vinho" do mundo. Desde seu nascedouro, nos Alpes suíços, até o seu delta, no mar Mediterrâneo, esse grande rio bordeja várias regiões vitivinícolas bastante diversas entre si como, por exemplo, o Valais suíço, famoso por seu Fendant du Valais; a Savóia francesa, que produz em Seyssel leves vinhos espumantes; e, bem mais ao sul, Châteauneuf-du-Pape, notável por seus tintos potentes e encorpados.
No entanto, quando falamos em Vale do Rhône (Vallée du Rhône) ou Encostas do Rhône (Côtes du Rhône) entamos nos referindo à sua parte francesa mais famosa, que se inicia ao norte, em Vienne, e termina ao sul, nas proximidades de Avignon.
Tudo indica que foram os romanos que introduziram a vitivinicultura na região por volta do século I a.C. Em sua História Natural (ano 71 d.C.), o célebre escritor romano Plínio já faz referência e até mesmo elogia os vinhos produzidos perto de Vienne. Hoje, o Vale do Rhône é o segundo mais extenso vinhedo produtor de vinhos finos da França, perdendo apenas para Bordeaux. Região de grandes contrastes, costuma-se dividir o Vale em duas partes que possuem climas, solos, terroirs e castas de uvas diversas: o Vale do Rhône Setentrional e o Vale do Rhône Meridional.
Nessa região, onde predominam as uvas tintas Syrah e as brancas Viognier, Marsanne e Roussane, se produzem os vinhos mais finos e elegantes do Rhône. Seus vinhos têm maior popularidade entre os connaisseurs do que entre o grande público consumidor, que tem o Châteauneuf-du-Pape - a mais famosa denominação do sul do Rhône - sempre em sua memória como grande ícone. Tal fato se explica pela produção do Rhône setentrional ser inferior a do Châteauneuf-du-Pape, que é apenas uma das denominações de origem do Sul do Rhône.
O clima da região é do tipo Continental, com invernos frios e verões bem quentes. É consideravelmente mais fresco do que a região meridional, sendo temperado pela constante neblina das manhãs. Os vinhedos são plantados pequenos espaços nas escarpadas e estreitas encostas de solo granítico.
A região tem oito crus de alta reputação, que são os seguintes vinhos AOC (Appellation d'Origine Controllé), vindo do norte para o sul temos:
Côte-Rôtie(200 ha. de vinhedos) - Produz vinhos de altíssima qualidade e grande prestígio, sendo 80% tintos, com a uva Syrah, na Côte Brune. Na Côte-Blonde predomina a uva branca Viognier, usada mesclada com a Syrah para emprestar mais equilíbrio aos tintos da região.
Condrieu (90 ha.) - A uva branca Viognier necessita de bastante calor e se favorece da boa exposição ao sol dos vinhedos da vertente sul, plantados sobre o solo granítico, de Condrieu. A região só produz vinhos brancos que primam pela suavidade e opulência.
Château-Grillet (3,4 ha.) - É uma das menores regiões AOC de todo o território francês. Também produz somente vinhos brancos com a mesma Viognier, passíveis de boa guarda.
Saint-Joseph (700 ha.) - Produz tintos com a casta Syrah e brancos com as uvas Roussanne e Marsanne. A qualidade média dos vinhos da região já foi mais alta devido ao aumento da área abrangida pela denominação, como aconteceu também em Crozes-Hermitage. Os melhores produtores continuam produzindo belos vinhos.
Hermitage (130 ha.) - Zona de longa tradição histórica. Situada no vilarejo de Tain Hermitage, que abrigava um antigo eremitério (como indica seu nome), onde paravam os eremitas da região para provar de seus vinhos. É a denominação mais conhecida e prestigiada do Norte do Rhône. Vinhos tintos com a uva Syrah - cerca de 85% da produção - e brancos com as uvas Marsanne e Roussane.
Crozes-Hermitage (1020 ha.) - Situada ao redor das colinas de Hermitage, em encostas mais suaves, possui vinhedos de Syrah, Marsanne e Roussane. Seus vinhos não atingem o nível de qualidade de seu famoso vizinho, além se serem menos longevos. Após um período de declínio de prestígio, ocorrido depois da expansão de sua área, a denominação vem recuperando seu bom nome com o advento de novos bons produtores.
Cornas (75 ha.) - Produz bons tintos com a Syrah, que devem ser guardados para arredondar seus potentes taninos e expressar sua qualidade.
Saint-Péray (65 ha.) - Aqui só os brancos, tranqüilos ou espumantes têm vez, eles são encorpados e mostram aromas florais. As castas utiliadas são a Roussane e a Marsanne, plantadas em seu solo granítico.
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Na sua parte sul, o Vale do Rhône se alarga e as encostas se mostram mais suaves. Pode-se ver as pequenas colinas se estendendo ao longo do grande rio cobertas de vinhedos, um terreno bem mais acessível do que as escarpas do norte. O clima é mais quente, do tipo Mediterrâneo, e os vinhedos sofrem grande influência do mar. Tempestades e chuvas fortes não são incomuns na região. Vindo do Mediterrâneo, o vento Mistral tem importante papel no caráter do terroir da região.
A variedade de uvas que encontramos aqui é muito maior do que a do norte, 23 em seu total, sendo que, só na denominação Châteauneuf-du-Pape, são autorizadas 13. Se no norte tínhamos apenas a Syrah, no sul, predomina a Grenache. Existem também a Cinsault, a Mourvèdre, a própria Syarh e várias outras. As principais uvas brancas são a Viognier, a Marsanne, a Roussanne, a Clairette e a Bourboulenc. Com elas são produzidos tintos, brancos e rosés.
Denominação Regional Côtes-du- Rhône (45 mil ha.) - Representa a esmagadora maioria da produção regional, com 80% do total. Suaves e redondos, devem ser bebidos jovens, entre um e três anos. Grande parte desse vinho é produzido em cooperativas.
Denominação Côtes-du-Rhône Villages (5 mil ha.) - Seus vinhos são mais potentes e estruturados do que a AOC Côtes-du-Rhône simples, e seus vinhedos têm rendimento menor. Existem dezesseis vilarejos que podem ostentar essa denominação em seus rótulos. A uva predominante é a Grenache.
Châteauneuf-du-Pape (3,2 mil ha.) - No século XIV, o papado mudou-se de Roma para Avignon, quando resolveuse construir um castelo de verão para os novos Papas. Escolheu-se a pequena vila de Calcenier, um pouco ao norte de Avignon, para a empreitada. O primeiro desses papas franceses, o gascão Clemente V - que empresta seu nome ao famoso cru Château Pape Clement, de Bordeaux - chegou à região em 1309 e ordenou que se plantasse um vinhedo naquele estranho solo de pedras roladas. No entanto, foi seu sucessor, João XXII, quem desenvolveu bem o vinhedo.
O Châteauneuf-du-Pape é um ícone do vinho francês, não só por sua história como por sua qualidade. Trata-se de um vinho robusto, de cor escura e muito macio elaborado com até 13 castas, embora, na prática, nunca se utilize todas
elas. A Grenache predomina nos tintos. Os brancos, mais raros, são bem encorpados e estruturados, com aromas delicados e grande persistência gustativa.
Gigondas (1.040 ha.), Vacqueyras (800 ha.), Lirac (420 ha.) e Tavel (100 ha.) - São as outras principais AOC do Rhône Meridional, além dos tardicionais VDN (Vins Doux Naturels) Muscat de Beaumes-de-Venise (440 ha.) e Rasteau (100 ha.).
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