Nas Côtes du Rhône, uma das mais antigas regiões vitivinícolas da França, encontram-se excelentes vinhos e muita história
por Euclides Penedo Borges
O rio Ródano - o 'Rhône dos franceses' - nasce nas regiões glaciais dos Alpes da Suíça e se dirige para Oeste, atravessando vales e vinhedos suíços, e espraiando-se no belo lago Léman, na fronteira da Suíça com a França.
Penetrando o território francês, ele forma uma grande curva de 90º no sentido antihorário até que, passando a cidade de Lyon, se dirige para o sul da França, desembocando, cerca de duzentos quilômetros depois, no Mediterrâneo, próximo à Marselha. Nas encostas desse trecho francês do rio - as Côtes du Rhône - encontram-se os melhores vinhedos do sudeste da França e seus vinhos mais afamados. Alguns deles encontram-se nos catálogos das importadoras brasileiras e em lojas especializadas.
Um dos castelos medievais de Rhône. |
Trata-se da mais antiga região vitivinícola da França. O cultivo das vinhas e a elaboração de vinhos tiveram lugar efetivo e sistemático no local, após a conquista do vale pelos romanos, um século antes da era cristã. Mas, antes disso, os gregos já haviam desenvolvido ali uma incipiente cultura enológica.
No século XIII o vinho Hermitage, do Rhône norte, tornou-se famoso nas cortes européias. O desenvolvimento, organização e reconhecimento da vinicultura local, entretanto, datam do século XIV, quando o Papado, fugindo de Roma, estabeleceu-se em Avignon, onde permaneceu por décadas, construindo palácios imponentes, igrejas e castelos. Um deles, hoje em ruínas, dá nome à aldeia medieval de Châteauneufdu- Pape - o novo castelo do papa - sede de uma centena de tintos famosos e muito procurados.
Também no Rhône nasceu o sistema de Denominação de Origem Controlada. Foram necessários 30 anos para que os viticultores do Rhône meridional se recuperassem da praga que devastara seus vinhedos por volta de 1870. Mas a recuperação foi tão veloz quanto à calamidade, e a produção no início do século XX tornou-se volumosa a ponto de surgirem fraudes e contrafações.
A reação deu-se com a formação de uma sociedade de vinhateiros que estabeleceu regras para o cultivo e para a vinificação no local. Somente com a obediência a tais regras seria autorizada a colocação da denominação da origem no rótulo. O movimento teve tanto sucesso que o sistema de 'appelation d'origine' passou a ser utilizado em toda a França a partir de 1936.
As denominações do Rhône, cerca de vinte, foram oficializadas entre 1936 e 1971. Seus vinhos de superior qualidade, principalmente tintos, podem ser encontrados no mercado brasileiro a preços relativamente atraentes.
Aldeia de Châteauneuf-du-Pape. | Palácio em ruínas em Châteauneuf-du-Pape. |
Considerados exemplares de colecionador, devido à pequena produção e à qualidade superior, os tintos da ensolarada Côte Rôtie - a 'encosta assada' - provém das uvas Syrah cultivadas em encostas graníticas escarpadas da margem direita do Rhône, em sua parte Norte. Sendo uva muito estruturada e condimentada, o regulamento local permite o corte da Syrah com a uva branca Viognier, para enternecê-la, e alguns vinicultores assim o fazem, inclusive porque possuem as duas cepas cultivadas no mesmo vinhedo.
Ainda que muito pequena, a região, reconhecida como 'appelation d'origine controlée' em 1940, apresenta solos de cores diferentes em duas encostas:
Côte Brune ou Encosta Morena - de terrenos escuros - origina vinhos austeros, robustos e encorpados;
Côte Blonde ou Encosta Loura - de terrenos mais claros - dá vinhos refinados, aveludados, de bom corpo apenas.
O Côte Rôtie é, muitas vezes, o corte de vinhos dessas duas encostas quando então o rótulo indicará 'Cote-Rôtie Brune et Blonde'. Em qualquer caso, trata-se de tintos de bom corpo, condimentados, de aromas expressivos, que se ajustam a carnes vermelhas e guisados de caças em geral. No sudeste da França, a combinação clássica é com a carne de lebre (lièvre à la royale).
A alta colina com vinhedos da cidade de Tain l'Hermitage, em uma curva do Rhône Norte, é famosa pela minúscula ermida (hermitage, em francês), um oratório medieval que, segundo a tradição, foi erguida pelo Cavaleiro Gaspar de Sterimberg, cruzado, eremita e primeiro produtor dos vinhos Hermitage.
Impera aqui, para os tintos, a uva Syrah. Cultivada na área xistosa (Bessards), ela origina tintos concentrados e taninosos. Na área sílico-calcário (Méal), vinhos ricos e aromáticos, refinados, mas com menos cor e estrutura. Observe-se que a região elabora também vinhos brancos da uva Marsanne, na área de solos argilo-calcários (Murets).
Passando longo período de maturação em madeira, entre um e três anos, os grandes Hermitage não estarão prontos antes de cinco anos, pelo menos, após a safra. Muito encorpados, em geral, são vinhos para acompanhar lingüiças condimentadas, carne bovina de primeira, rosbife, guisados de caça, cabrito ('Gigue de Chevreil') e queijos duros e gordurosos.
No coração da maior concentração de vinhedos do Rhône encontra-se a aldeia de Chateauneuf-du-Pape, localizada no entorno de uma colina encimada por um antigo palácio em ruínas. As videiras da região, muito espaçadas, são arbustos em um oceano de seixos e cascalhos, no qual não se percebe sinal de terra.
Predomina a casta Grenache, secundada pela Syrah e outras, originando tintos de corte escuros com graduação mínima de 12,5%, os primeiros a serem enquadrados, na França de 1936, no sistema de denominação de origem ('Appelation Châteauneufdu- Pape Controlée). Uma exceção é o Château Rayas, elaborado exclusivamente com Grenache.
Com uma centena de diferentes produtores e distribuidores em uma área pequena, o Châteauneuf apresenta-se de forma diferenciada e irregular, com uma dezena entre excelentes e excepcionais, uns trinta ótimos e cinqüenta menos expressivos.
Os superiores são tintos de muito corpo. Ajustam-se com propriedade aos pratos com pato, cordeiro e caças. Na França, ao cabrito, em especial o 'Gigue de chevreil em sauce'.
Deixemos claro que o Rhône é muito mais do que o que foi acima apresentado. Os brancos de Condrieu, os rosados de Tavel, vinhos de sobremesa de Beaumes de Venise e de Rasteau, espumantes de Die, complementam uma lista de vinte denominações que incluem também outros tintos importantes: Gigondas, Crozes Hermitage, Saint Joseph (conhecidos como 'Vins de Soleil'), Vacqueyras etc.´
Quase todos são encontrados por aqui, representando um interessante contraponto aos vinhos franceses de Bordeaux e de Bourgogne, quase sempre mais caros e nem sempre melhores.
*Vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers - RJ
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