Com boas uvas pode-se fazer bom vinho, por isso a famosa vindima, ou seja, a colheita é tão importante
por Sílvia Mascella Rosa
Pouca gente, quando está diante de uma prateleira de supermercado escolhendo um vinho, fica pensando nas uvas que o compõem. No máximo quando apreciam uma variedade específica vão buscar uma garrafa de Merlot ao invés de Malbec, ou de Chardonnay ao invés de Sauvignon Blanc.
No entanto, mesmo que isso seja automático para a maioria dos consumidores, não há bom vinho sem boas uvas. É possível cometer erros no processo de fabricação e estragar uma uva boa, mas é impossível tirar um vinho razoável de uma uva verde ou sem vivacidade. E é por isso que o momento da colheita é tão importante.
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Aqui no hemisfério sul (principalmente no Brasil, pois no Chile e na Argentina o calendário pode ser atrasado em mais de um mês) a época da colheita começa no final de janeiro para as uvas para espumantes (colhidas um pouco mais verdes para conservarem maior acidez), fevereiro para a maioria das uvas brancas e algumas tintas mais precoces, e março para a maioria das tintas. Nas regiões mais frias do país, como em Santa Catarina, por exemplo, a colheita das tintas pode terminar apenas em abril.
A parreira é uma planta de ciclo anual e a ciência considera que ele se inicia assim que as uvas são colhidas. Nesse período de um ano após a colheita, a planta perderá as folhas, entrará em dormência para o inverno e, no final dele, com o aumento das horas de sol e de calor, a videira começa a brotar novamente.
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O produtor de uvas escolhe, mais de um ano antes, qual é a produtividade que vai querer para seu vinhedo (apostando que a natureza vá “entender” seu recado, dando à planta sol e água na medida certa) e assim poda os galhos deixando espaço apenas para aqueles que deseja no ano seguinte.
A planta vai brotar, encherse de folhas novamente, florir e frutificar. Quando aparecem os novos cachos, pequenos e verdes, de grãos muito firmes, começa uma vigília do produtor para que a videira não seja atacada por pragas ou pelo granizo, que pode extinguir o trabalho de todo o ano, apodrecendo ou ferindo os cachos.
A virada do ano é um momento que exige muita paciência e atenção do viticultor, pois, com exceção de alguns poucos tratamentos fitossanitários, há pouca coisa a se fazer senão esperar que a natureza siga seu ciclo, com chuva suficiente para manter o solo úmido, sol e calor para garantir a fotossíntese e os processos químicos que amadurecem os grãos das uvas. Chuva em excesso ou falta dela são críticas nessa fase, por isso quem cultiva as uvas e quem faz o vinho passa longos períodos nos vinhedos, observando a mudança de cor dos grãos e fazendo análises químicas para saber como está evoluindo a quantidade de açúcar e de ácidos.
Para o agricultor, o ápice de seu trabalho anual é entregar uma uva de qualidade, sã e doce para o enólogo. Este, por sua vez, tem na escolha do momento da colheita uma das decisões mais importantes do ano. Deixar a uva mais tempo no vinhedo e esperar que ela fique mais doce, correndo o risco de chuva prolongada que poderá “aguar” uma uva que já está praticamente pronta? Colher agora para não correr esse risco, e perder a chance de obter uvas mais concentradas em cores, aromas e açúcares, o que, no final, resultará em vinhos melhores? É importante lembrar que é a maturação do grão da uva e a quantidade de açúcar que serão capazes de gerar o álcool necessário para o vinho.
Ao decidir colher, o enólogo leva múltiplos fatores em consideração e aí começa a fase final para o campo e inicial para a cantina. Uma vez definidas quais uvas serão colhidas, as equipes pegam suas tesouras ou bristolas (um canivete em formato de meia-lua), as caixas plásticas com capacidade máxima para 20 kg e começam a selecionar e cortar os cachos (no Brasil apenas uma vinícola no extremo da região sul utiliza a colheita mecanizada, no restante do país a colheita é manual).
Um corte rente ao galho, sem torcer o cacho, e a colocação cuidadosa em caixas pequenas garantem que as uvas chegarão em bom estado até a cantina. Quando o calor é muito intenso, a colheita pode ser feita tanto na madrugada quanto nas primeiras horas (mais frescas) da manhã, ou então as uvas que chegam na vinícola podem ser colocadas diretamente numa câmera fria, para impedir que oxidem ou iniciem a fermentação de forma desordenada.
As boas vinícolas escolhem os melhores frutos desde o parreiral, e o cuidado continua quando elas são entregues e as caixas são colocadas numa esteira. De lá, vão, em muitos casos, para uma mesa rolante de seleção, onde, antes de serem colocadas na desengaçadeira – uma máquina que separa os galhos grandes e pequenos do cacho dos grãos – são retirados os grãos podres e as folhas.
Os engaços são descartados e os grãos são prensados, para que se extraia deles o mosto (suco) que irá então para a fermentação. Enquanto as uvas brancas são fermentadas já separadas das cascas depois da prensagem, as tintas precisam das cascas, pois é nelas que está a cor. Uma vez obtido o suco das uvas, encerrase a última fase dessa fruta em sua forma natural.
Nesse suco (mosto) é acrescentada a levedura e sua ação no açúcar das uvas maduras irá produzir álcool e gás carbônico, fazendo a transformação final da uva em vinho.
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