Os anjos são muito mais que uma imagem nos rótulos
por Redação
Encontrei Douglas Murray para uma entrevista, no mês de junho, durante o último Encontro Mistral em São Paulo. Este chileno, que também é cidadão britânico, formou-se em administração de empresas e marketing nos Estados Unidos. Após isto, cursou MBA em Vinhos em Bourdeaux, junto a Mondavi e Baronesa Philippine de Rothschild. Quem tem acesso apenas a esta descrição não consegue adivinhar que este pai de três filhos e com três netos é a figura mística da Viña Montes.
#R#Quando vocês começaram?
Em 30 de novembro vai fazer 20 anos que começamos a Viña Montes. Informalmente nós começamos em novembro de 1987, compramos algumas uvas e preparamos nossos primeiros e únicos dois vinhos à época: Montes Alpha Cabernet e Montes Classic Cabernet.
Como foi este início?
Eu e Aurélio nos conhecemos na vinícola San Pedro, onde ambos trabalhamos respectivamente como gerente de exportações e enólogo. Nós queríamos fazer grandes vinhos e muitos não acreditavam que existia mercado para vinhos com grande qualidade. Começamos pois acreditamos que havia mercado, e de fato havia exatamente para o estilo de vinho produzido por Aurélio.
Como foi o começo da Viña Montes?
Eu e Aurélio - Aurélio Montes, é sócio de Douglas Murray e considerado um dos grandes enólogos do Chile - nos conhecemos na vinícola San Pedro, onde ambos trabalhamos respectivamente como gerente de exportações e enólogo. Nós queríamos fazer grandes vinhos e muitos não acreditavam que existia mercado para vinhos com grande qualidade. Acredtávamos que havia mercado, e de fato havia exatamente para o estilo de vinho produzido por Aurélio. Em 30 de novembro faz 20 anos que começamos a Viña Montes. Informalmente começamos em novembro de 1987, compramos algumas uvas e preparamos nossos primeiros e únicos dois vinhos à época: Montes Alpha Cabernet e Montes Classic Cabernet.
Você disse que começou experimentalmente comprando uvas para fazer o Montes Alpha Cabernet Sauvignon, que foi um grande sucesso...
Havia um hábito em San Pedro de que ao enólogo chefe da vinícola cabia a propriedade uma parcela de 80 hectares de vinhedos de Cabernet Sauvignon plantados em 1965. O enólogo chefe, ao partir, vendia estes vinhedos a seu sucessor. Quando Aurélio saiu, seu sucessor não quis comprá-lo e ele manteve a propriedade. Utilizamos estas uvas para o Montes Alpha e compramos uvas para o Montes Classic.
Então eram as suas uvas?
Nós começamos com 60 mil dólares, incorporamos mais dois sócios. Um aportou dinheiro e o outro doou uma vinícola para a produção dos vinhos. Eu e Aurélio não tínhamos dinheiro e trabalhamos de graça por muitos anos. Quando aquele velho vinhedo começou a morrer ficamos desesperados, pois as vendas do Alpha estavam crescendo e a produção diminuindo a cada ano. Neste momento procuramos por lugares e encontramos Apalta que, para nós, era o melhor lugar no Chile.
Como vocês encontraram o Vale de Apalta?
Quando Aurélio era um estudante de enologia estagiou no Vale e se apaixonou pelo lugar. Ele pensava: "se um dia tiver dinheiro vou comprar vinhedos aqui". Na época era muito barato. Hoje o Vale está todo tomado e ninguém quer vender.
#Q#
Quantos hectares vocês têm?
São 850 hectares. Nós temos 140 plantados, o restante é uma floresta protegida que se estende pela montanha acima.
E como eram os vinhedos lá?
Haviam vinhas muito velhas de uma uva local, e até por isto o dono vendeu. Começamos do nada com Cabernet Sauvignon. A intuição de Aurélio se revelou verdadeira e a qualidade se mostrou fantástica desde o primeiro dia.
E como é o solo em Apalta?
Apalta, em mapuchi, significa terra ruim. Esta pobreza no solo beneficia as uvas e é rara no Vale Central.
E soube que vocês escolheram seus vizinhos...
Em determinado momento Lapostolle estava pesquisando lugares para se implantar e nós dissemos para eles virem para Apalta. Somos muito amigos e trabalhamos juntos para divulgar os vinhos do Chile e Apalta, muito embora também sejamos competidores.
Vamos falar sobre as variedades de uva. Com vocês, a Cabernet Sauvignon teve resultados fenomenais no Chile. Agora vejo que o Chile está produzindo bons Syrahs, brancos e até Pinot Noirs.
O Cabernet tem sempre se dado muito bem no Chile e já tem uma boa reputação. Introduzimos o Shiraz em Apalta, plantando nas elevações laterais do Vale, e alguns disseram que estávamos completamente loucos pois custava três vezes mais para plantar e colher, mas se você procura qualidade, este é o caminho. Por isto chamamos o vinho de Montes Folly (folly significa loucura em inglês).
Entretando, o Chile quer provar que é capaz de fazer grandes vinhos com Carmenère. O que você acha disso?
Carmenère, como você sabe, foi descoberto 15 anos atrás. Há 20 anos, o Chile vendia os vinhos como tintos ou brancos, e os melhores vinhos eram vendidos como corte bordalês, uma mistura indeterminada de Cabernet e Merlot. Na busca de exportação, Europa, Estados Unidos e Canadá começaram a demandar a origem dos vinhos. Então o Chile começou a certificar cada vinhedo por tipo de folha. E assim descobriram que a uva considerada Merlot era uma mescla de quase 50% com Carmenère, julgado por extinto no mundo em 1880. Estávamos contentes porque, inesperadamente, tínhamos uma uva que ninguém tinha e, por isso, o Chile encarou isso muito seriamente. O problema é que, por questões comerciais, todos queriam ser os primeiros a produzir e vender vinhos Carmenère. Em Montes, decidimos que não venderíamos nenhum Carmenère até saber o que ele realmente era.
E o que é o Carmenère?
A gente enxerga agora que ele se revela melhor em corte. Nós fizemos muitos experimentos e lançamos nosso primeiro exemplar com 70% Cabernet Sauvignon e 30% Carmenère, em um típico corte bordalês substituindo o Merlot por Carmenére. A característica dele são as especiarias, e agradou muito os consumidores. Após mais alguns anos, finalmente nos sentimos confortáveis em lançar nosso Purple Angel 2003, com 92% de Carmenère e 8% de Petit Verdot, e tivemos grande sucesso.
Uma das coisas que atrai as pessoas a seus vinhos é a presença dos anjos em seus rótulos. Como isto surgiu?
Quando menino, eu era o pesadelo de qualquer mãe. Sempre me metia em problemas, quase me afoguei duas vezes e, quando comecei a dirigir, sofri três acidentes com perda total. Em uma das batidas, o policial chegou perguntando "onde esta o corpo?", e eu estava apenas com alguns arranhões. Então comecei a pensar que alguém tinha de estar tomando conta de mim. Não podia ser Deus, isto seria muito pretensioso. Desde então eu acredito em anjos. Nós adotamos esse logo. Aurélio sempre foi uma pessoa pé no chão e me olhava de esgueio, mas agora ele acredita tanto quanto eu e até agora deu certo. (risadas)
E isto também influenciou sua nova vinícola no Chile, não?
Nós sempre fizemos tudo que pudíamos em termos de tecnologia para atingir mais qualidade. Pensamos então: o que mais poderíamos fazer? E a resposta era uma vinícola gravitacional. Durante 25 anos eu viajei muito à Ásia e comecei a me identificar muito com os hábitos locais como o feng shui. Alguns pensam que é uma religião, mas na verdade é um prática que busca a harmonia. Assim construímos a vinícola. Você entra e sente paz, diferentemente de uma vinícola convencional, as pessoas se sentem relaxadas e esperamos que o vinho também. E isto talvez, não sabemos, contribua para a qualidade do vinho.
#Q#
E vocês fizeram outros experimentos?
Nós resolvemos fazer experimentos com músicas e plantas. No primeiro estágio nós tocamos música gregoriana para as mudas na estufa. Fomos visitados por um professor da universidade de Davis, na Califórnia, que se interessou dizendo "não sei porque vocês estão fazendo isso, mas vocês podem estar certos". Dependendo do tipo de música, são gerados diferentes tipos de onda. Com música clássica, indiana e gregoriana, por exemplo, as plantas crescem em direção a fonte de som. Se você tocar heavy metal a planta cresce para longe do som. (risadas) Creio que cada pequena coisa ajuda na qualidade do vinho.
E qual seria o segundo estágio?
Na Universidade de Edimburgo, na Escócia, eles decidiram testar um segundo estágio e nós os patrocinamos. Este estudo constituiu a análise do consumo de vinho em humanos submetidos a música. Eles fizeram uma experiência com 250 estudantes, que degustaram Cabernet Sauvignon em silêncio, com música clássica e com rock. Após meses de experiência, concluíram que, ao degustar Cabernet Sauvignon ouvindo rock, sua percepção de qualidade é 60% maior do que se experimentar o mesmo vinho em silêncio.
Então a harmonização de vinhos com música foi cientificamente provada. E outras variedade de uvas?
Música clássica, por exemplo, vai muito bem com Syrah. Esta foi a mais acessada notícia no site da BB C no mês passado com o título Vinhos e música.
Você aplica estes conceitos em todas as suas vinícolas?
Nos Estados Unidos, não. Ainda não teentrevista mos uma vinícola própria em Napa, alugamos parte de uma estrutura existente.
E quando vocês lançarão este vinho?
Em setembro e se chamará Napa Angels.
Além do Chile, da Argentina e dos Estados Unidos, onde mais vocês produzem?
Nos propuseram a Austrália, mas, no momento, nosso foco é o Napa Valley.
Para cuidar de tantas frentes, você e Aurélio têm seus filhos trabalhando com vocês, não?
Sim, Denis e Aurélio Jr, que inclusive desenvolveu um nome próprio no mundo vitivinícola. Quando nós começamos, queríamos as melhores pessoas. Eu e Aurélio prometemos que não iríamos colocar a família na empresa. Boas pessoas tendem a ser ambiciosas e podem enxergar limitações de crescimento em empresas familiares. Agora nós crescemos, temos 250 empregados só no Chile, e pudemos rever este conceito. Aurélio Jr. veio trabalhar como enólogo e meu filho Denis no meu lado do negócio.
Interessante que seus filhos estejam replicando a mesma divisão de responsabilidades que você e Aurélio...
Sim. Mas devo pontuar que antes de trabalhar conosco eles trabalharam em outras empresas. Costumamos dizer que no processo de aprendizagem no mundo do vinho faz-se muitas besteiras, então é melhor que fossem aprender em outro lugar... (risadas).
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