Segundo Mark Tollemache, "nós tivemos um aumento absurdo na entrada irregular de vinhos” no país. E os números comprovam
por André De Fraia
Apreensão de bebida alcóolica feita pela Receita Federal quase quadruplicou em três anos
Quem acompanha o dia a dia do noticiário brasileiro sabe que alguns assuntos estão sempre em voga, política, economia, futebol estão sempre por lá. Mas nos últimos meses estas manchetes estão dividindo espaço com um “novo”.
O contrabando e a apreensão de cargas feitas pelos órgãos responsáveis por salvaguardar nossas fronteiras aumentaram consideravelmente.
ADEGA, como não poderia deixar de ser, vem noticiando quase que semanalmente grandes apreensões de vinho em diversas regiões do país. Algumas com fugas, outras com quase atropelamentos, algumas sem maiores emoções, mas sempre com uma quantidade grande de vinho que tem destino mercados no país todo.
“Durante a operação Dionísio retemos carga em Rondônia, Belo Horizonte, Goiás, Rio Grande do Sul, mas os principais mercados, até pela situação econômica e populacional, é o estado de São Paulo e o Rio de Janeiro” diz Mark Tollemache, delegado da Receita Federal.
Tollemache está baseado em Dionísio Cerqueira, município do oeste catarinense e é responsável pela fiscalização de parte da fronteira com a Argentina. São cerca de 450 km entre as cidades de Capanema no estado do Paraná e Itapiranga na fronteira com o Rio Grande do Sul.
Além dos crimes fiscais, o vinho contrabandeado é ainda uma questão de saúde pública
E justamente para entender se esse aumento nas apreensões é uma realidade ou não, batemos um bom papo com o delegado que, comprovando de cara que não se trata de uma mera percepção, nossa entrevista teve um atraso devido à uma apreensão – inclusive de vinho – que estava sendo feita.
“Em todo esse ponto de fronteira, principalmente nas cidades de Dionísio Cerqueira e Santo Antônio do Sudoeste nós tivemos um aumento absurdo na entrada irregular de vinhos”, diz o delegado Tollemache.
Para ele o motivo do aumento é uma combinação de fatores como a desvalorização do Peso argentino, barateando os produtos e aumentando as margens de lucro dos contraventores; o fato de que o vinho está caindo no gosto do brasileiro, fazendo com que essas quadrilhas migrem de outros produtos como perfumes para a bebida; as fronteiras fechadas durante a pandemia que limitaram o turismo e impossibilitaram que os viajantes fizessem suas compras no país vizinho.
Mas para o delegado, um ponto muito importante é o aumento das plataformas de marketplace, principal forma de venda do vinho irregular, “hoje qualquer pessoa pode se cadastrar como vendedor, não existe um controle cadastral por parte das plataformas e muitos criminosos criam um perfil falso e fingem ser uma empresa lícita, mas que está de fato vendendo vinhos objeto de descaminho”.
Outro ponto importante é o perfil do comprador. Tollemache diz que as investigações mostram que os principais destinos do vinho contrabandeado são pessoas de alta renda, e não quem, devido à desvalorização do real por exemplo, não tem condições de comprar vinho. Quem compra o vinho do descaminho “não são pessoas que buscam vinhos populares e que elas adquirem porque não podem pagar mais”, diz o delegado. “Esses produtos que estão sendo introduzidos são de alto valor agregado, garrafas que chegam a valer R$ 600 a R$ 2.000 no mercado interno”.
Mark Tollemache traz informações importantes sobre a qualidade do vinho fruto do descaminho. Para o delegado quem compra um vinho contrabandeado busca acima de tudo qualidade, afinal, os valores pagos são altos perante a média do mercado nacional. Porém, os vinhos muitas vezes chegam ao consumidor sem a qualidade com que deixou as vinícolas.
Apenas até outubro de 2021, o valor apreendido pela receita já supera o ano de 2020 todo
Os vinhos são “introduzidos por carros de passeio, batendo, é comum identificarmos garrafas quebradas”, diz Tollemache. “Esses produtos são armazenados em propriedades rurais como cochos de boi, chiqueiros, paióis. Sem nenhum controle térmico, sem nenhum controle sobre a iluminação e sem nenhuma preocupação sanitária” finaliza o delegado.
A falsificação também é comum. Tollemache diz que é corriqueiro encontrar o mesmo vinho com rótulos e cápsulas diferentes. Além de grandes quantidades sendo transportadas a granel que seriam engarrafadas no destino e ainda garrafas vazias que seriam utilizadas na falsificação.
“É importante o consumidor se atentar aos rótulos e principalmente ao selo de inspeção do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e aos dados da importação para que ele tenha certeza que está adquirindo um produto lícito”.
Os números mostram o crescimento das apreensões na fronteira.
Segundo dados da Receita Federal em 2018 foram pouco mais de 16 milhões de Reais em bebidas alcóolicas apreendidas, o número superou os R$ 34 milhões em 2019, próximo aos R$ 39 milhões em 2020 e em 2021, apenas entre janeiro e outubro o valor já bateu a casa dos R$ 56 milhões.
Se há um lado bom de todo esse problema é a sustentabilidade e a cidadania fruto das apreensões realizadas pela Receita Federal.
As garrafas são moídas e o vidro reciclado. Assim, além de estancar o suprimento das quadrilhas de garrafas vazias, há ainda um lado sustentável que esse pó de vidro é utilizado na fabricação de novos produtos.
O ano de 2021 está betendo o recorde com maior apreensão de bebidas
Mas e o vinho em si? O delegado Tollemache explica que justamente por causa do contrabando, falsificações e a falta de medidas sanitárias é impossível garantir a qualidade da bebida, impossibilitando o leilão dessas garrafas.
Assim, o fim da bebida é a fabricação de álcool em gel. Universidades parceiras cuidam do processo e da distribuição para escolas, para as redes públicas de saúde e a população mais carente.
Apenas em 2021, até o mês de agosto, foram 110 mil litros de álcool em gel produzidos e distribuídos por meio dessa ação da Receita Federal. “Infelizmente hoje nós temos mais vinho estocado aguardando a transformação em álcool em gel do que as universidades conseguem processar”.
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