Terroir Brasil

Galvão Bueno quer fazer o melhor vinho do Brasil

ADEGA entrevista o jornalista (e produtor de vinho) Galvão Bueno

por Redação

Uma conversa informal, regada à vinho, como mais famoso produtor do país: Galvão Bueno

No fim do ano passado, sentamos com Galvão Bueno (acho que hoje pouca gente sabe que o nome completo é Carlos Eduardo dos Santos Galvão Bueno) em seu escritório em São Paulo para falar sobre vinhos e sobre seu novo vinho, Anima, que seria lançado poucos dias depois em Nova York, emum jantar exclusivíssimo, ao lado de estrelas italianas.

Conversamos pela primeira vez com Galvão (como as pessoas de sua equipe o chamam) em 2008 no Vale dos Vinhedos. Na época “pré-batalha” das cotas de importação, Galvão exibia um discurso contra o preconceito ao vinho nacional, a favor da proteção à produção brasileira e, como objetivo, o de fazer o melhor vinho do Brasil. Concordávamos no combatea o preconceito, discordávamos fortemente do protecionismo e eu percebia como arroubo de produtor iniciante o desejo de fazer o melhor vinho do Brasil.

Uma década depois, estamos muito mais alinhados: partilhamos a visão contra o preconceito, o protecionismo sumiu da pauta e acredito que ele realmente produziu um dos melhores vinhos tintos já elaborados no Brasil.

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Por sorte, Galvão estava atrasado e, na sala de reunião ao lado de onde o esperava, encontrava-se o enólogo italiano Roberto Cipresso, que assessora Galvão tanto nos vinhos que produz na Campanha Gaúcha como no projeto conjunto que mantém naToscana. Em frente a ele, umas 15 garrafas de vinho. Ao mesmo tempo, fazia uma vídeo conferência como s enólogos da Bueno Wines no Rio Grande do Sul. Eram amostras dos lotes da safra 2018 e Cipresso estava visivelmente satisfeito.

Finalizada a conferência, começamos a conversar e a degustar. Provei provavelmente a mais pura amostra de Merlot brasileiro das muitas que já degustamos. Cipresso me disse que essa amostra fará parte de uma futura edição de Anima, o vinho que fui convidado a degustar com o próprio Galvão.

Mais interessante ainda foi degustar amostras do mesmo vinhedo, com e sem o “segredo” de Cipresso, uma manta branca estendida no solo de algumas parcelas, cujo objetivo é refletir o sol de baixo para cima, aumentando o efeito da luz solar sobre as videiras, como ocorre naturalmente, por exemplo, em Jerez, e com as pedras brancas espalhadas no vinhedo deTignanello, na Toscana. A maior maturação das uvas provenientes das amostras das fileiras com a manta refletora é clara e surpreendente.

Galvão chegou quando nossa conversa com Cipresso já corria animada e fomos todos para sua sala, que impressiona pela vista e pela memorabilia, com destaque especial para lembranças do campeão Ayrton Senna de quem, como se sabe, Galvão tornou-se um dos mais próximos amigos. A seguir, os destaques da entrevista que nos concedeu.


Fiquei muito impressionado com o componente Merlot 2018 do Anima. O Douglas (Delamar, parceiro de Galvão na Bueno Wines) tinha me falado do Anima e eu disse: “Está bom. A história é muito boa, mas preciso degustar o vinho”.

Galvão Bueno - O Anima é uma coisa diferente, para criar um impacto na história do vinho brasileiro. Deixe-me dar uma folheada nesta ADEGA aí. A melhor lembrança que nós temos da ADEGA foi em 2014, quando a gente foi vinho do ano com o Brunello de Montalcino Riserva 2004.

Antes de você lançar seus vinhos, encontramo-nos em 2008 no Vale dos Vinhedos com o Adriano Miolo.

GB - Foi exatamente quando eu comecei. O vírus do vinho já tinha se espalhado e tomado conta. A minha vida já era intensa na Campanha Gaúcha, mas com criação de gado e cavalos. A minha relação com o Darci (Miolo) era assim: eu vendia touro paraele e ele vendia carneiro para mim. Mas eu já tinha isso na cabeça. Num momento ofereceram uma vinícola pequena por lá e pensei: “Deixe-me orientar com quem sabe”, e procurei o Darci. Fizemos uma grande degustação com o Adriano, Antonio, Paulo e, quando vi, tinha 20 taças na frente de cada um. Naquela hora pensei: “A que horas a ambulância vem me buscar?”. Foi o primeiro contato que tive de verdade com a indústria de vinhos do Brasil. E eles me orientaram em outra direção, que pudesse me dar a qua-lidade e a excelência, que é o que eu busco em tudo o que faço. O primeiro vinho que lancei foi justamente o Paralelo 31 da safra 2008, com uvas e vinificação da Miolo. Eu não tinha paciência nem idade para esperar anos para vender minha primeira garrafa de vinho. (nota: Galvão fará 69 anos em julho).

Uma videira leva uma década para produzir com equilíbrio. 10 anos depois, o que mudou na sua concepção sobre vinho?

GB - Mudou absolutamente tudo! O tempo é senhor das coisas. Mas se tinha uma paixão pelos vinhos, eu me apaixonei pelo processo todo, que termina numa taça de vinho. O quanto exige de cuidado, de respeito, de técnica, de tempo, de paciência. Vi como o processo é lá, no campo, na parreira... Avaliamos a possibilidade de plantar na minha propriedade e chegamos à conclusão que era bom para pastagem e para boi, mas não para fazer vinho. Os Miolo já tinham analisado o terreno da estância do Bella Vista e o Adriano me orientou a comprar e plantar lá. Quando fui ver, era uma estância de gado largada. Transformar num vinhedo foi um aprendizado intenso e custoso – criar quilômetros de canais de drenagem com pedras e tubos, a escolha exata do que plantar e, a princípio, plantamos Cabernet Sauvignon, Petit Verdot e Merlot. Isso tudo foi mudando a minha forma de entender o que é o vinho. Aprendi muito com o Adriano e com o Michel Rolland, e minha participação foi dizer que queria um bordalês autêntico, da margem esquerda do rio, com mais Cabernet Sauvignon. Hoje, o Roberto fez o vinho atravessar o rio para o lado direito (nota: aqui, Galvão faz referência aos vinhos das margens esquerda e direita do estuário da Gironde, em Bordeaux. Na primeira, a estrela é a Cabernet Sauvignon; na segunda, a Merlot).

"Quando fui ver, era uma estância de gado largada. Transformar num vinhedo foi um aprendizado intenso e custoso"

Acho que ele fez a travessia certa... A pergunta nunca deve ser o que agente quer, mas o que a terra pode dar

GB - É. Hoje tem mais Merlot que Cabernet Sauvignon. E eu acabei por concordar. Foi um período que só fez aumentar minha paixão. É fascinante!

E trabalhar com Cipresso?

GB - Aprendi a ter um respeito muito grande pela mãe natureza, que me mudou como ser humano. Não só os vinhedos. Cresceu meu respeito pela natureza, pela preservação. Um ciclo de um ano em que cada dia é fundamental para aquilo que você vai fazer na colheita. Você está na mão da mãe natureza e daquilo que ela lhe oferece naquele ano.

E daí tem a interpretação do homem...

GB - A partir daí é a equipe de agronomia e enologia. Por mais que tenhamos todas as análises de laboratório, é no dedo e na boca do enólogo que se define o dia exato da colheita. Para ajudar, a gente criou um negócio com nome bonito: o Bueno Wines Intelligence Center.

O que vocês fazem?

GB - A primeira coisa que a gente fez foi implementar uma estação agrometeorológica aqui e na Itália, interligadas. Diariamente, realizamos monitoramento e também colhemos amostras. O negócio é unir o terroir, a informação, tecnologia e capacidade da equipe.

(Neste momento, Cipresso abre o Anima 2015 e nos conta que somos os primeiros de fora da viní-cola a degustar este vinho, que seria apresentado em Nova York alguns dias depois. E Galvão pede para não beber ainda).

"Aprendi a ter um respeito muito grande pela mãe natureza, que me mudou como ser humano"

GB - O vinho é um pobre prisioneiro. Primeiro nos tanques. Quando ele pensa que vai ser solto, vai para a barrica. Quando abrimos a barrica, ele pensa: “É agora”, e vai para a garrafa, onde fica anos a esperar o momentode se libertar. Então precisamos de um pouco de paciência. Este aqui está preso há quase quatro anos. O maior pecado é abrir, servir e beber. Vamos dar tempo a ele para se recuperar, porque ele é um ser vivo. Vamos deixar um pouco em taça enquanto falamos...

Roberto Cipresso - A primeira colheita que a natureza nos acompanhou mesmo foi 2018. Então, toda a história deste vinho desde quando começamos até 2018 foi bastante difícil.

GB - Tanto que só fizemos o Anima em 2015, e agora 2018.

De fato, 2015 está muito bom, mas os lotes de 2018 têm tudo para criar um dos vinhos brasileiros mais especiais que já provei.

GB - 2018 é uma safra especialíssima. A melhor dos últimos 10 anos.

Fiquei feliz que vocês não deixaram a uva ficar sobre madura em 2018. Foi uma tentação desta safra...

RC - Encantam-me os vinhos com equilíbrio, que podem ser estruturados e, ao mesmo tempo, elegantes.

E o vinho bom nasce bom...

GB - É o mesmo na Fórmula 1. O carro bem nascido vai terminar a temporada na frente. O mal nascido não tem jeito... Eu não sou enólogo, não sou sommelier. Também não sou enófilo, que é uma palavra que eu detesto. Não sei quem inventou isso. Parece pedófilo, que é uma coisa horrorosa e está muito próximo de uma coisa muito ruim no mundo do vinho que é o enochato [risos]. A minha ligação com o vinho é paixão e sensibilidade, mas claro que aprendi muito nestes anos.

E como nasceu o Anima?

GB - É o primeiro vinho brasileiro que solicitou ser denominado Gran Reserva. Precisa atender a certos critérios: deve ter 36 meses de envelhecimento com mínimo de seis meses em madeira. Nesse caso, tem dois anos. E ter acima de 14,1% de álcool. Anima é alma. É um vinho que não é para ganhar dinheiro; é um “conceitualizador”. Roberto e eu somos almas-gêmeas e somos realmente amigos. Somos ambos artistas, cada um naquilo que faz. E isso nos torna por essência sonhadores. Queremos sempre inovar e fazer algo que marque e que dê uma resposta à frase que me disse o Michel Rolland: “O problema da indústria de vinhos finos no Brasil não é a qualidade, é o preconceito”. Este vinho tem um segredo, utilizamos um tecido branco que importamos da Itália e colocamos nas ruas entre as videiras. Isso era utilizado no cultivo de frutas na Itália e aplicamos aqui pela primeira vez no Brasil.

(Neste momento, entra a filha de Galvão, Letícia, com a notícia de que acabaram de receber o primeiro pedido de importação de seus vinhos vindo da China. Aí virou tudo celebração, com mais uma fronteira cruzada na história da BuenoWines).

Já podemos degustar? Está liberado? [risos]

GB - Está liberado! Salud y Plata. É a primeira vez que estamos degustando com alguém. Agora, só no jantar de lançamento em NovaYork. Depois vamos enviar o vinho para 60 pessoas aqui no Brasil.

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