Francisco Olazabal, proprietário da Quinta do Vale Meão,conta a história que une o mítico Barca Velha ao "Barca Nova"
por Christian Burgos
Até pouco tempo, das vinhas da Quinta do Vale Meão, saiam as uvas para produzir o Barca Velha, um vinho mítico na história dos fermentados do Douro, em Portugal. Mais recentemente, em 2004 e 2005, desta Quinta - que possui três tipos de solo e cujo nome significa "grande meio" exatamente relacionado a estas diferenças geológicas - saíram também os vinhos portugueses de mais alta pontuação recebida pela Wine Spectator e por Robert Parker.
Sendo assim, entrevistamos com exclusividade Francisco Olazabal, proprietário da Quinta do Vale Meão. Apesar destas invejáveis conquistas, este cidadão do Porto, casado há dez anos e pai de dois filhos, conquista pela modéstia e transparência, como você verá a seguir nesta conversa.
De onde vem a história desta Quinta, que foi responsável pela produção de um dos maiores ícones do vinho em Portugal?
Isto começa no passado, com uma grande mulher, minha tataravó, Dona Antonia A. Ferreira. Ela é uma pessoa muito conhecida no Douro, uma grande empresária, que chegou a ter mais de 30 Quintas no Douro, entre elas, Castela, Vallado, Vale Meão e Quinta do Vesúvio, tidas como grandes propriedades de produção de vinho de qualidade. Dona Antonia tinha uma visão de adquirir terras, como ninguém fazia, e criou, de certa maneira, um império com cerca de 40 km às margens do rio Douro.
Como ela organizou este império?
Naquela altura, ela fez uma coisa inovadora. Fundou uma empresa, a S.A.A. Ferreira, e as ações da empresa Ferreira foram distribuídas por toda a família. Com o tempo, as Quintas foram ficando uma, duas ou várias para cada ramo da família e muitas foram vendidas. Neste momento, só há, na família, três ou quatro Quintas de Dona Antonia. E a Quinta do Vale Meão é uma delas. Esta foi a primeira Quinta que ela formou, a única que ela fez a partir de nada.
E de onde vinha esta visão de comprar terras?
Quando as comprou, elas estavam fora da zona demarcada. Uma das dificuldades era a falta de acesso. Ela, por suas conexões com o Ministro de Portugal e prefeitos, sabia que por aí passaria uma estrada de ferro e visionava que se tornaria parte da região demarcada.
Ela criou aquele espaço do nada em que época?
Por volta de 1887. Muita gente foi para trabalhar e ela começou uma espécie de pequena aldeia. Temos registros que mostram cerca de mil pessoas trabalhando simultaneamente nas Quintas de Dona Antonia.
Como era o sistema de produção?
As Quintas, inclusive o Vale Meão, tinham um acordo com a Ferreira, para quem vendiam suas uvas, para a Ferreira vinificar.
Até quando funcionou este sistema?
O sistema vigorou com o Vale Meão até 1959, quando esta propriedade ficou para o nosso ramo da família. Era uma propriedade do meu pai que, ao mesmo tempo, era presidente da Ferreira. Para meu pai, a Quinta não era a principal atividade, mas ele, ao longo dos anos, foi adquirindo participações de irmãos, primas, tios, até que, em 1994, adquiriu a totalidade.
Seu pai era um grande executivo?
Pouco antes de 1994, a empresa Ferreira, que já era de muita gente, foi objeto de muitos compradores interessados. Meu pai realizou uma espécie de leilão, vencido pela Sogrape, que adquiriu a Ferreira. Ele continuou trabalhando na Sogrape. Primeiramente como administrador da Ferreira e depois como presidente da Sogrape Distribuição.
E quando isto mudou?
Em 1998, meu pai decidiu que era tempo de fazermos algo. E eu também empurrei nesta direção. Era incompatível continuar a trabalhar na Sogrape e produzir o nosso vinho. Foi uma decisão difícil, um caminho novo a poucos anos de se aposentar. Na época, vendíamos algumas uvas, não tínhamos capacidade para vinificar tudo.
#Q#Na época qual era sua atividade?
Em 1993, eu trabalhava na Quinta do Vallado.
Quantos hectares tem a Quinta do Vale Meão?
279 hectares, sendo 105 de vinhas. Tínhamos uvas, mas não tínhamos capacidade de vinificação. Este foi o primeiro grande desafio e o superamos. Acho que meu pai agora não se pode dar por insatisfeito.
Ele continua ativo?
Sim, sim, continua bastante ativo. Tem uma experiência enorme no mercado de vinho, um papel importantíssimo, de forma que as pessoas vinham para conhecer nosso vinho.
Como a história do Barca Velha e do Vale Meão se cruzam?
O Barca Velha foi uma invenção do meu avô, Fernando, na década de 1950. Fernandinho, como era conhecido, era o responsável pelos vinhos da Ferreira. Meu pai se casou com uma Nicolau de Almeida, cujo pai era enólogo e provador da Ferreira. Meu avô decidiu fazer um vinho diferente. Ele queria fazer um vinho de mesa (vinho fino não fortificado), pois não havia grandes vinhos de mesa em Portugal nesta época.
E como começaram?
Começaram a fazer algumas experiências com uvas da propriedade. Tinham que fazer a pisa e depois fermentar em tonéis. Naquela época, não tinha eletricidade, então, ele comprava gelo no Porto, a 200 km, e transportava até lá para conseguir controlar a temperatura de fermentação. Foram os primeiros vinhos com temperatura controlada em Portugal.
As pessoas deviam se impressionar...
Evidentemente que uma fermentação de temperatura mais baixa produzia vinhos com mais aromas. Vinhos bastante diferentes do que estavam acostumados. Meu avô decidiu que Vale Meão seria o local indicado para produzir o Barca Velha, pois ele gostava das uvas da propriedade.
Era um vinho com qualidade constante?
Alguns anos foram bem, outros foram mal. A tecnologia não tinha nada a ver com a de hoje em dia, mas foi um vinho que fez bastante sucesso na época, com estilo muito próprio. Uma inovação foi colocar o vinho no mercado quando estivesse pronto para beber. O Barca Velha era lançado de dez a 12 anos após vinificado. Era um vinho lançado no seu auge, para as pessoas consumirem, e não para guardarem. Esse é um erro que muitas pessoas fazem, pois pensam que um Barca Velha era feito para guardar durante 40 anos.
Como você reage ao fato de o seu vinho, às vezes, ser chamado de Barca Nova?
Não vamos negar que nós já tínhamos um nome graças ao nome e trabalho no Barca Velha. Nunca usamos o nome em nosso benefício, mas não renegamos o passado, já que minha família tem uma parte de responsabilidade nesse passado.
Apesar de tudo, Barca Velha e Vale Meão são vinhos de personalidades muitos distintas. Não?
Sim, é o resultado de inúmeras diferenças também na produção.
Quais diferenças?
Desde a madeira utilizada, até uma pré-maceração em lagares, antes de uma fermentação muito suave e sem grandes extrações.
Existe benefício por se tratar de castas plantadas separadas?
Bem lembrado. Desde o princípio de 70, plantamos vinhas novas, em que as castas estão separadas, o que era uma raridade também no Douro. Temos vinhas com mais de 40 anos e todas com as variedades separadas. Isto nos permite fazer fermentações de variedades separadas e até misturar algumas no momento certo. Assim contamos com vinificações diferentes, tipos de madeiras diferentes, e podemos aprender.
Você disse que algumas variedades você fermenta junto. Por quê?
Por exemplo, às vezes é preciso atingir um equilíbrio. A princípio, nos primeiros anos, tentei separar tudo, mas há momentos em que isso não é possível. Por exemplo, 2003 foi um ano muito quente e eu tinha vinhos Touriga Nacional com muito grau, então tive que misturar com Tinta Roriz para baixar. Em outros casos, conheço mais ou menos a porcentagem e sei que, se fermentarmos, as misturas serão positivas para alguns vinhos. Além disso, estamos sobre uma falha geológica e temos três tipos de solo completamente diferentes numa área muito pequena - granito no monte, xisto no interior e argila próximo ao rio.
#Q#E qual a influência de cada solo?
Gera tipos de vinho diferentes. A Touriga Nacional, no granito, apresenta vinhos muito aromáticos com um acompanhamento floral muito forte, muitos taninos e boa acidez. No xisto, são vinhos com frutas negras e mais potentes. Na argila, temos pouco Touriga plantada, pois a Tinta Roriz se comporta melhor na argila que no xisto. Inclusive o nome Meão quer dizer grande meio, em relação a essa diferença geológica.
O Quinta do Vale Meão 2004 recebeu a maior pontuação já dada a um vinho português pela revista Wine Spectator, o mesmo ocorrendo na safra 2005 com Robert Parker. Como isto o afeta?
Isso foi importante. Pessoalmente fiquei muito satisfeito que grandes críticos admirassem o resultado de nosso trabalho. Mas, quando as pessoas dizem que meu vinho é o melhor, eu respondo que não tenho dúvidas que há outros vinhos excelentes no Douro que talvez sejam apenas menos do gosto destes jornalistas. Não fico deslumbrado com a crítica. Nunca fizemos um anúncio: "Este é vinho de 97 pontos". Fico muito mais satisfeito em receber acima de 92 pontos nas seis colheitas que produzimos.
Vale mais a constância?
Essa é a nossa principal preocupação, a constância na qualidade. É manter um patamar muito alto de qualidade e mantê-lo ao longo dos anos. Nossos vinhos têm personalidades bastante diferentes de ano para ano, mas têm um padrão de qualidade.
Quantas garrafas são produzidas no Vale Meão, hoje?
Em 1999, vinificamos apenas duas ou três mil garrafas, uma quantidade muito reduzida. Em 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, fizemos sempre 29 mil garrafas. Em 2005, fizemos um pouquinho menos, 27 mil.
Quantas garrafas são produzidas de Meandro, seu segundo vinho?
Em 2005, fizemos 92 mil garrafas de Meandro. Temos uma perspectiva com plantações novas de fazer mais, já que temos algumas vinhas plantadas já há alguns anos. Não podemos produzir mais. Acho que temos que ser muito honestos com quem compra Vale Meão. Primeiro ser honesto com nós mesmos, depois com os nossos clientes.
Analisando a relação do consumidor com o vinho. Você acredita que a motivação do consumo de vinhos com grandes notas está distorcida?
Em certos países, ao mesmo tempo em que movimenta o mercado, também gera preocupação. A Rússia não tem uma grande cultura de vinho e as pessoas tentam comprar o melhor que há, mas não se pode beber apenas números.