Lenda alemã

A origem do Spätlese, o vinho colheita tardia alemão

O Spätlese, o vinho de colheita tardia é um estilo que nasceu no lendário vinhedo Schloss Johannisberg há mais de 300 anos

por Arnaldo Grizzo

O ano é 817. O imperador Ludwig, o Piedoso, – filho de Carlos Magno – adquire vinhedos no riacho Helisa (hoje Elsterbach) da Abadia de Fulda. Esta é a primeira menção documentada dos lendários vinhedos de Johannisberg.

Mas somente no século XII nasceu verdadeiramente o nome Johannisberg – quando o mosteiro beneditino no então Bischofsberg se tornou uma abadia independente consagrada a João Batista. Aliás, o nome em alemão significa colina de São João. Foi ali que, em 1775, teria ocorrido um “milagre” fortuito que daria origem aos primeiros vinhos Spätlese, ou “Colheita Tardia”, que mudariam para sempre a história do vinho alemão.

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Mas, antes disso, diz-se que o responsável por dar vida ao Schloss (castelo) Johannisberg foi o Príncipe Abade Konstantin von Buttlar que, após séculos negligenciado, adquiriu as ruínas do mosteiro para a Abadia de Fulda em junho de 1716 e ergueu um palácio de veraneio.

Schloss Johannisberg

Em 1720, ele decidiu que todo o vinhedo fosse plantado com Riesling – algo extremamente incomum para a época, pois, até então diferentes castas eram mescladas na propriedade com o intuito de “proteger” a safra caso alguma variedade sofresse perdas. Segundo uma fatura original, o abade comprou 38.500 vinhas de Riesling e plantou cerca de 30 hectares criando o primeiro “single vineyard” de Riesling do mundo.

O mensageiro 

Atualmente, todo ano cerca de 150 mil visitantes vão “peregrinar” até Schloss Johannisberg e param ao lado de uma estátua de um cavaleiro que representa a maior lenda em torno do castelo e também do vinho alemão.

O fato teria ocorrido em 1775. Até então, todos os anos, um mensageiro da abadia precisava obter a permissão dos príncipes abades de Fulda para iniciar a colheita. Naquele ano, contudo, o mensageiro demorou a retornar – Fulda fica a cerca de 150 quilômetros de Johannisberg. Uma lenda diz que o bispo havia sido assaltado por salteadores de estrada e por isso não estava disponível para assinar os papéis dando sua permissão. Com isso, as uvas amadureceram além da conta, começaram a secar e também a apresentar fungos (Botrytis – a podridão nobre). Assim que o mensageiro chegou, o responsável finalmente deu a ordem para a colheita e assim foi feita a primeira “colheita tardia” de Riesling, o primeiro Spätlese.

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O vinho resultante causou tamanha impressão que, logo em seguida, os abades passaram a promover essa colheita tardia propositalmente para entender melhor o processo e especialmente a ação do fungo responsável pela famosa “podridão nobre”.

Assim, o Spätlese deu origem aos outros vinhos da classificação alemã, como os “colheitas selecionadas” Auslese, Beerenauslese e Trockenbeerenauslese.

Os muitos donos 

schloss johannisberg

Schloss Johannisberg sempre foi um lugar especial e, por isso, acabou passando por diversos donos. Quando Napoleão tomou a região, ele deu o castelo para seu marechal Kellermann. Quando a aliança da Prússia, Rússia e Áustria retomou o poder, a propriedade foi dada a Francisco I da Áustria. Em 1816, ele foi colocado sob a custódia do Chanceler de Estado do Imperador austríaco, o príncipe Clemens von Metternich, como recompensa por seus serviços. 

Durante a II Guerra Mundial, a região foi intensamente bombardeada, afetando castelo e vinhedo. Após a guerra, a princesa Tatiana von Metternich reconstruiu a maior parte do castelo e viveu lá até sua morte em 2006. Antes, porém, Schloss Johannisberg foi vendido para o Grupo Oetker em 1974. Mas hoje ele faz parte do grupo Henkell Freixenet.

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Atualmente são 50 hectares de vinhedos em uma colina de quartzito em frente às montanhas Taunus. Com uma inclinação de 45 graus, a montanha estende-se até 182 metros acima do nível do mar no paralelo 50º norte. Uma floresta de 300 hectares fica próxima e de lá vem a madeira de carvalhos nativos que é usada como matéria-prima para a produção das barricas usadas na vinícola. Schloss Johannisberg tem uma cave subterrânea debaixo da abadia, conhecida como Bibliotheca Subterranea, com cerca de 250 mil vinhos, sendo que seu tesouro mais antigo é um rótulo da safra de 1748. 

Apesar da história do colheita tardia, atualmente boa parte dos vinhos de Schloss Johannisberg são secos. Porém, obviamente, suas grandes preciosidades são os rótulos de colheitas tardias botrytizados. Desde 1775, a propriedade é berço de alguns dos mais conceituados Riesling do planeta.

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