Durante anos a barrica bordalesa reinou, porém há um movimento mundial para a utilização de diferentes tamanhos de barricas
por Arnaldo Grizzo
Tonel, barrica, pipa, foudre? Seria tudo a mesma coisa? Certamente não. Cada um deles têm um tamanho e, de certa, forma uma finalidade.
Certa vez, o célebre enólogo Emile Peynaud, tido como pai da enologia moderna, afirmou: “O vinho jovem se desenvolve mais rapidamente em barricas pequenas”. O conceito por trás disso e bastante simples, quanto menor, maior a razão de área de superfície para o volume de vinho e, portanto, maior o fluxo de oxigenação. Assim, mesmo que o tempo de envelhecimento, tostagem do barril, espécie e origem da madeira sejam os mesmos, o processo de envelhecimento e o caráter de carvalho no vinho serão diferentes dependendo do tamanho da barrica.
Antes de falar sobre os tamanhos, no entanto, vamos retomar um pouco como a barrica influencia o vinho. A utilização de barricas na vitivinicultura remonta aos tempos romanos, quando eram usadas basicamente para transporte. Mas logo se descobriu que havia outros benefícios de se manter os vinhos nesses recipientes.
As barricas servem para separar os sedimentos do vinho, fornece taninos, ajuda na oxigenação e estabiliza a cor. Durante o envelhecimento, a madeira libera compostos para o vinho e contribui para o incremento de suas propriedades organolépticas. Ou seja, adiciona-se complexidade, aromas e sabores à bebida resultante.
Dependendo de sua origem, idade, espessura, usos, tosta e o tempo que o vinho é armazenado, as propriedades adquiridas são diferentes. A característica principal e essencial que deve ser observada em relação às barricas é que a madeira é um material poroso, que permite a troca de gases com o exterior. Isso depende do tamanho de grão da madeira, que pode variar entre espécies, idade e floresta de origem. Outros fatores também afetam a capacidade de troca gasosa.
Como os compostos que podem ser extraídos da madeira são finitos, os sucessivos estágios afetam a vida útil das barricas, diminuindo a taxa de extração e as quantidades de compostos à medida que ela é usada em safras sucessivas. Se forem dedicadas à transferência (separação de sedimentos), as barricas podem ser utilizadas até 40 anos ou mais; mas, se em vez disso, seu uso é para a contribuição de aromas e sabores, sua vida útil costuma se de 8 anos.
Outro fator importante nessa equação é a tosta do barril. Tostar altera muito a quantidade e a qualidade das substâncias extraíveis na madeira. Segundo o relatório “Wine Aging Technology: Fundamental Role of Wood Barrels”, publicado recentemente por um grupo de pesquisadores da Universidade de Vigo, na Espanha, estudos sobre a influência das espécies de carvalho descobriram que a composição volátil evolui de forma semelhante entre espécies diferentes durante a tosta (seja carvalho francês, americano e espanhol), mas diferenças quantitativas importantes foram encontradas em espécies americanas em relação às espécies europeias.
Por fim, sabe-se que as barricas maiores representam uma menor troca de compostos fenólicos para o vinho devido à menor proporção de superfície da madeira/volume do vinho. Isso parece ser menos relevante no caso de barricas antigas, já que sua taxa de compostos já está reduzida.
Mas que tipo de aportes ocorrem do estágio em barris de carvalho? O envelhecimento em madeira aumenta a complexidade do aroma devido à extração de compostos, que incluem celulose, hemicelulose, lignina, ácidos, açúcares, terpenos, fenóis voláteis e lactonas. Do ponto de vista sensorial, os compostos mais importantes são os que proporcionam aroma de coco e amadeirado (lactonas de carvalho, isto é, formas cis e trans de -Metil-octalactonas), aroma defumado (guaiacol e 4-Metilguaiacol), madeira verde (vanilina), amêndoa (compostos de furfural) ou aromas especiados (eugenol).
Entre esses compostos, as lactonas de carvalho são um dos mais importantes para as características sensoriais do vinho juntamente com eugenol e vanilina. Outros compostos importantes liberados são elagitaninos, que protegem o vinho da oxidação devido a potentes propriedades antioxidantes.
Um estudo que observou o envelhecimento do vinho utilizando diferentes madeiras mostrou que a madeira afeta 41 aromas do vinho, 11 deles dependendo unicamente do tipo de madeira utilizada. Isso se deve a uma série de processos que ocorrem durante a fase oxidativa. O tempo de contato entre o vinho e a madeira também desempenha um papel fundamental e compostos mais proximais à superfície de contato serão liberados a uma taxa mais alta.
A idade dos barris também é importante uma vez que os vinhos envelhecidos por um curto período (6 a 9 meses) apresentam uma grande diferença na concentração da maioria dos compostos entre o vinho envelhecido em barricas novas e o envelhecido em barricas usadas. Essa diferença diminui com o envelhecimento a longo prazo (12 a 15 meses). Os compostos que se tornam mais exauridos devido ao uso sequencial da barrica são geralmente aldeídos furânicos, álcoois fenólicos, aldeídos fenólicos e lactonas de carvalho.
Além disso, sabe-se que as características organolépticas não dependerão apenas do tipo de madeira, mas também de onde vem a madeira. Isso porque os vinhos expressam uma assinatura metabologeográfica da floresta onde cresceram os carvalhos devido a compostos como lactonas ou elagitaninos não volátil. Confira a tabela para ver os tipos de madeira usadas no envelhecimento do vinho e seus resultados.
Durante um período em que o estilo bordalês reinou no mundo, o uso de barricas pequenas (de 225 litros ou menos) e novas se propagou. Os aportes da madeira, em alguns casos, tornaram-se mais importantes do que as características da fruta. Hoje, no entanto, muitos produtores tomam uma direção diferente e optam por recipientes maiores e usados – quando não materiais diversos da madeira, como cimento ou argila, por exemplo. Então, usa-se uma série de tamanhos, com combinações de madeira, ou nova ou usada, com diferenças de tostas, para chegar ao resultado desejado, com os aportes que os enólogos acreditam ser os mais interessantes para cada tipo de vinho.
Mas como cada tamanho impacta na vinho?
Uma pesquisa recente intitulado “Does barrel size influence white wine aging quality?” por especialistas da Universidade de Bordeaux, mostrou que há diferenças interessantes quando se altera o tamanho da barrica. Para ela, foram usadas duas barricas de tamanhos diferentes (225 litros e 500 litros) e com duas tostas (ditas Épicé e Fruité). Os vinhos foram analisados após 2,5 e 5 meses de envelhecimento.
Independentemente do tamanho da barrica e da tosta, os parâmetros enológicos convencionais como pH, volume alcoólico, acidez titulável e volátil permaneceu constante. A cor do vinho também não foi afetada pelo tamanho. Além disso, não foram observados sinais de oxidação ou escurecimento durante o envelhecimento.
No caso da tosta Fruité, não foram encontradas diferenças significativas entre os dois tamanhos de barrica em relação ao teor de fenólicos totais dos vinhos ao longo de toda a experiência. Já a Épicé de 225 litros levou a um teor de fenólicos totais ligeiramente superior ao da barrica maior da mesma tosta. Os diferentes comportamentos observados para as barricas de Epicé e Fruité podem ser justificados pela influência da tosta da barrica na extração de fenólicos da madeira.
Ao longo de toda a experimentação, teores semelhantes de ésteres (conhecidos por desempenhar um papel importante na natureza frutada dos vinhos) foram encontrados em vinhos de ambos os tamanhos de barris. Assim, o caráter frutado não foi impactado pelo tamanho da barrica.
Um perfil de aroma amadeirado foi obtido dependendo do volume do barril. Especificamente, observou-se uma maior extração de whiskylactonas, consideradas as principais responsáveis pelas notas olfativas de coco, madeira e carvalho, para vinhos envelhecidos em barricas de 225 litros. No caso da tosta Épicé, a concentração de trans-whiskeylactona foi cerca de 19 vezes maior no vinho do barril de 225 litros. O mesmo comportamento foi observado para a tosta Fruité em menor grau (teor de 3 a 4 vezes maior no menor barril).
No que diz respeito à cis-whiskeylactona, apenas os vinhos provenientes de barricas de 225 litros apresentaram concentrações acima do seu limiar de percepção (54 μg/L de vinho). Os vinhos de barricas de 500 litros apresentaram valores entre 3 e 7 vezes menores. Consequentemente, pode ser observado um impacto direto na percepção amadeirada do vinho final. Mesmo que menos perceptível, o mesmo comportamento das whiskylactonas foi demonstrado pela vanilina, o principal contribuinte para o aroma de baunilha nos vinhos.
Os 24 avaliadores foram capazes de distinguir os vinhos de acordo com o tamanho da barrica. Mesmo que as diferenças não fossem estatisticamente significativas, os avaliadores geralmente perceberam os vinhos de barricas de 225 litros como mais amadeirados e atribuíram aos vinhos de barricas de 500 litros uma maior tipicidade de Sauvignon Blanc. De acordo com a avaliação, o caráter de carvalho esteve agradavelmente presente em todos os vinhos, mas melhor integrado ao bouquet aromático dos vinhos envelhecidos em barricas de 500 litros.
Conforme observado, quanto maior o tamanho do barril, maior a capacidade de manter a tipicidade e os aromas varietais do Sauvignon Blanc. Existem dois processos que participam no fenômeno do envelhecimento do vinho em barricas: a interação com a madeira e o oxigênio que entra no vinho através da barrica. Como ambos os fatores ocorreram em menor proporção por unidade de volume de vinho nas barricas de 500 litros do que nas barricas de 225 litros, os vinhos parecem manter por mais tempo sua essência varietal à medida que o tamanho da barrica aumenta.
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