Vinhos com 20, 30, 40, 50 anos ou mais podem não suportar tratamentos bruscos sem deixar marcas
por Arnaldo Grizzo
É preciso ficar atento a tudo o que deve evitar para que uma garrafa não se perca de bobeira
Quando se é jovem, você sai para jogar bola com os amigos em um dia, faz academia no seguinte, depois pega 500 quilômetros de estrada com sua moto, faz um trekking na serra, pega sua bicicleta e pedala pela cidade e por aí vai.
Mas, a partir de uma certa idade, você sai para jogar bola com os amigos em um dia e, no seguinte, está todo dolorido.
Faz academia e, no seguinte, fica de pernas para o ar. Sai com sua moto e depois só pensa em relaxar. Sobe de carro até um belvedere e fica apreciando a paisagem das montanhas. Pega a bicicleta e, no máximo, dá uma volta no quarteirão com seu filho.
Enfim, nossa fisiologia muda, nosso ritmo muda e, com certeza, os cuidados aumentam.
Com o vinho, a história é parecida, ou você acha mesmo que uma garrafa com 20, 30, 40, 50 anos ou mais vai suportar, sem qualquer mácula, tratamentos bruscos?
Manter o vinho em um local adequado é o primeiro ponto para um bom envelhecimento
Quanto mais velhos, mais cuidados devemos ter com os vinhos para que, por um descuido qualquer, eles não venham a sucumbir. Como dizem os médicos: com idosos, todo cuidado é pouco.
Sendo assim, é preciso ficar atento a tudo o que deve evitar para que uma garrafa preciosa não se perca de bobeira.
Se você compra vinhos jovens e os deixa envelhecer, sabe que precisa de uma boa adega com temperatura e umidade constantes. Manter uma garrafa armazenada durante anos e anos é um exercício que precisa ser recompensador, não?
Você não gostaria de, após 30 anos, abrir um vinho que se deteriorou por um descuido com a temperatura ou a umidade da adega. Portanto, manter o vinho em um local adequado é o primeiro ponto.
E lembre-se de outro detalhe importante enquanto o vinho está lá guardado esperando a vez de ser consumido: não fique mexendo nele toda hora, tirando e ponto no lugar, mudando de posição, deitando e levantando etc. Quanto menos você mexer nele, melhor. Quer mostrar sua raridade para algum amigo que veio lhe visitar? Mova a garrafa o mínimo possível. Evite movimentos a todo custo.
O vinho mais velho merece toda atenção e cuidado na hora do serviço
Se você, por outro lado, compra garrafas antigas, além de, obviamente, também precisar de uma boa adega para mantê-las pelo tempo que desejar antes de consumi-las, precisa tomar alguns cuidados na hora de armazená-las.
Como se sabe, mudanças bruscas de temperatura e trepidações são as maiores inimigas dos vinhos. Portanto, após o transporte (por mais delicado que ele tenha sido), vale a pena voltar a garrafa prontamente para um lugar “pacato” da sua adega, deixando-a descansar por alguns dias antes de ser consumido.
Se você acabou de receber uma garrafa de um tinto antigo e planeja bebê-la em breve, deixe-a em pé para permitir que o sedimento assente no fundo e para que o vinho recupere o equilíbrio.
Segundo um dos mais prestigiados distribuidores de vinho dos Estados Unidos, a loja Rare Wine, um tinto de 20 anos deve recuperar seu equilíbrio dentro de uma ou duas semanas após o transporte, enquanto um vinho de 30 anos pode precisar de até um mês.
Para um tinto com mais de 40 anos, é interessante deixar a garrafa repousar de quatro a seis semanas – ou até que o vinho fique perfeitamente translúcido.
Se não for decantar, deixe a garrafa em pé para permitir que o sedimento assente
Nenhum vinho antigo deve ser aberto até que esteja com o sedimento completamente assentado. Para verificar a clareza do vinho, acenda uma pequena lanterna de alta intensidade e olhe através da garrafa em diferentes alturas.
Um vinho que parece perfeitamente límpido no ombro pode ter sedimentos suspensos na parte inferior.
Decidiu abrir a garrafa? Ótimo.
Primeiramente, se ela estava guardada na horizontal, deixe-a na vertical por algumas horas ou dias – mesmo que você não queira ou ache melhor (por diversas razões) não decantar o vinho.
Dessa forma, as borras tenderão a se concentrar no fundo.
Mas antes até de pensar em decantação, a preocupação deve ser em como abrir a garrafa. Em vinhos muito antigos, as rolhas tendem a esfarelar ou até grudar no vidro.
As tenazes são utilizadas para abrir alguns vinhos antigos
Abrir com um saca-rolhas comum provavelmente vai ser improdutivo e, caso a rolha ainda assim consiga ser retirada, provavelmente deixará resquícios no líquido. Dessa forma, opte por outras formas de abrir.
A mais indicada provavelmente é com o saca-rolhas tipo pinça (veja no box como usar). Outra alternativa é com um saca-rolhas de pressão, que injeta ar dentro da garrafa através de uma agulha. Esse processo precisa ser feito com muita delicadeza.
Por último, caso tenha instrumentos e habilidade para isso, pode tentar usar as famosas tenazes, técnica clássica para abrir Vinhos do Porto antigos.
Enfim, dependendo da técnica que usar e da sua perícia, pode ser que resquícios da rolha caiam no vinho. Se isso ocorrer, a solução será decantar ou mesmo servir o vinho por meio de uma gaze, ou um filtro de café, ou musselina crua, ou, melhor ainda, um funil com uma peneira embutida.
Só dessa forma os pedaços de rolha não ficarão no líquido.
Decantar ou não decantar? O debate é longo
Mas devo decantar?
O debate é longo. Há quem aponte que vinhos com mais de 30 anos, por exemplo, especialmente os feitos com variedades mais delicadas, não deveriam decantar para não perderem rapidamente algumas das propriedades aromáticas que lhes restam. Outros, contudo, acreditam que mesmo vinhos mais antigos merecem ser decantados para poderem exprimir melhor toda a sua complexidade sensorial.
Há ainda quem prefira, em vez de decantar, apenas retirar a rolha algumas horas antes de servir para deixar o vinho respirar lentamente e abrir seus aromas.
Se a questão é retirar sedimentos (borras ou pedaços de rolha indesejados), mas não deixar o vinho respirar por muito tempo, faça o procedimento o mais brevemente possível e logo sirva a bebida.
Se preferir, faça a dupla decantação e, após retirados os sedimentos, retorne o líquido para a garrafa original, assim você pode servir o vinho em seu invólucro original. Essa técnica, contudo, não é a mais indicada para vinhos demasiadamente antigos, por expô-los a um contato maior com o oxigênio.
Vinho aberto, decantado ou não, uma sugestão é não demorar muito para consumi-lo.
Dá trabalho, mas o resultado valerá a pena
A cada minuto que passa, a interação com o oxigênio vai revelando facetas diferentes em vinhos antigos, aromas e sabores que se sucedem. Eles tendem a se revelar relativamente rápido e permanecer por pouco tempo.
É como apreciar a sabedoria de um ancião, você sabe que precisa sorver o máximo que puder no menor tempo possível, mas sem forçá-lo a nada, correndo o risco de perder essa fonte prematuramente caso não cuide bem dela.
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